A Trindade sem Mistério I e II

A Trindade sem Mistério – I

Alberto Ronald Timm

(Apesar do autor não concordar com o titulo, ele foi mantido por questões de originalidade)

Em contraste com a filosofia grega, cuja base repousa no conhecimento de si mesmo, o Cristianismo tem como fundamento o conhecimento de Deus. Esse conhecimento é o “principio da sabedoria” (Prov. 9:1) e a condição para a “vida eterna” (João 17:3). Somente através da revelação divina, conforme expressa em Sua Palavra, poderemos chegar a uma correta compreensão de Deus. Entretanto, ao estudarmos a respeito de Deus não nos devemos olvidar de que estamos em terreno sagrado.

Muito embora a palavra “Trindade” não se encontre na Bíblia, a ideia por ela expressa é uma das verdades fundamentais das Escrituras. Na Bíblia, as prerrogativas divinas são atribuídas a três pessoas distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Todos os demais conceitos teológicos são afetados direta ou indiretamente pela noção que tivermos dessa doutrina.

Evidência da Trindade no Antigo Testamento

Ainda que o Antigo Testamento não apresente provas tão claras para a doutrina da Trindade quanto às do Novo Testamento, nele podem ser encontradas grande número de evidências que atestam a existência de uma pluralidade na Divindade.

Em Gênesis 1, o nome hebraico para Deus é Elohim. Esse nome ocorre ao todo cerca de 2.500 vezes no Antigo Testamento, sendo ele a forma plural de El, que é o nome comum para Deus entre os semitas. Para alguns, o fato de Elohim ser um nome plural não prova a Trindade, mas apenas indica “a riqueza e a plenitude do Ser Divino”.1 Porém A. H. Strong nos adverte que “o fato de Elohim ser algumas vezes usado num sentido restrito, como aplicável ao Filho (Sal. 45:6; cf. Heb. 1:8), não nos deve impedir de crer que o termo era originalmente considerado como contendo uma alusão a certa pluralidade na natureza divina”.2 E João 1:1-3 lança luz sobre o fato de que o Pai e o Filho estavam unidos na obra da Criação do mundo, e em Gênesis 1:2 temos o Espírito Santo também envolvido nessa obra.

No Antigo Testamento, encontramos ainda referências nas quais Deus fala de Si mesmo no plural, como por exemplo: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gên. 1:26). Há quem interprete o plural como incluindo os anjos, “mas qualquer inferência de que outros tenham tomado parte em nossa criação é completamente alheia ao capítulo como um todo e ao desafio presente em Isaías 40:14: ‘Com quem tomou Ele conselho?’ Trata-se antes do plural de plenitude, que … haveria de ser revelado como tri-unidade, nos posteriores ‘nós’ e ‘nossa’ de São João 14:23 (com 14:17)”.3 Encontramos, portanto, na peculiar fraseologia de Gênesis 1:26 “uma alusão a um sublime concílio entre as pessoas da Divindade”.4 (Ver também Gênesis 3:22; 11:7; Isa. 6:8.).

Outra evidência importante encontramos nos textos que se referem às manifestações do “Anjo do Senhor” (Gên. 16:7-13; 18:1-13; 19:1-28; 22:11-16; 31:11-13; etc.), os quais apresentam “uma indicação de distinções pessoais em Deus”.5 Em Malaquias 3:1 e Atos 7:35-38 o “Anjo do Senhor” é identificado como sendo Cristo, o Filho de Deus, que em Gênesis 31:11-13 é declarado ser Deus. Portanto, “exatamente como ‘o Espírito de Deus’ era uma expressão veterotestamentária aguardando seu esclarecimento completo no Pentecostes, assim ‘o Anjo do Senhor’, como expressão referente ao próprio Senhor, ganha significado somente à luz dAquele ‘que o Pai… enviou ao mundo’, o Filho preexistente”.6

Segundo John Bright, “a religião de Israel não se fundamentava em proposições teológicas abstratas, mas na memória de uma experiência histórica interpretada e correspondida… Israel acreditava que Iahweh, seu Deus, o havia livrado do Egito pelo poder de Sua onipotência e que, mediante uma aliança o havia constituído Seu povo”.7 Entretanto, mesmo nas profecias messiânicas encontramos indícios de uma pluralidade na Divindade. Em Isaías 9:6 o Messias é chamado “Deus Forte, Pai da Eternidade”, e no Salmo 45:6 e 7 o “Ungido de Deus” é dito ser Deus, à semelhança dAquele que O ungiu. No Salmo 33:4-6 e em Provérbios 8:12-31, aparecem a “Palavra” e a “Sabedoria” de Deus sendo personificadas como uma antecipação ao “Verbo” de Deus de São João 1:1-14.

Já em Isaías 48:16 aparece uma distinta referência à Trindade: “Agora o Senhor Deus (o Pai) Me enviou a Mim (o Filho) e o Seu Espírito (o Espírito Santo).” Há também quem considere as palavras do rei Nabucodonosor, encontradas em Daniel 2:47, como uma referência à trindade: “Certamente, o vosso Deus é Deus dos deuses (o Pai), e o Senhor dos reis (o Filho), e o Revelador dos mistérios (o Espírito Santo)”. Portanto, reconhecemos que “o Velho Testamento contém uma clara antecipação da plena revelação da Trindade no Novo Testamento”.8

A Trindade no Novo Testamento

Uma vez que a revelação da verdade é progressiva, encontramos no Novo Testamento provas concretas da doutrina da Trindade, que lançam luz sobre as evidências encontradas no Antigo Testamento. O cumprimento das profecias messiânicas e a promessa do Espírito Santo são sumamente elucidativas para a compreensão deste tema.

Na promessa feita pelo anjo a respeito do nascimento de Jesus, encontramos uma referência distinta aos membros da Trindade (Luc. 1:35), que viria a tornar-se ainda mais notória por ocasião do Seu batismo. Nessa ocasião, o Filho de Deus foi batizado, o Espírito Santo desceu sobre Ele em forma corpórea como uma pomba, e o Pai falou: “Este é o Meu Filho amado, em quem Me comprazo” (Mat. 3:16 e 17; Mar. 1:10 e 11; Luc. 3:21 e 22; João 1:32 e 33).

Os ensinos de Cristo são igualmente de natureza a enfatizar essa distinção. Na promessa do espírito Santo, Ele fala a respeito de “outro Consolador” (João 14:16 e 26), e todos os que viessem a crer deveriam também ser batizados “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mat. 28:19).

Igualmente na bênção apostólica aparece novamente referida a Trindade: “A graça do Senhor Jesus Cristo e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós” (II Cor. 13:13). O apóstolo São Pedro inicia a sua primeira epístola com uma clara referência à Trindade (I Ped. 1:2), e em São Judas 20 e 21 ela também é mencionada.

Portanto o Novo Testamento reconhece o Pai como Deus (João 6:27, Efé. 6:23; I Pedro 1:2; etc.), a Jesus Cristo como Deus (João 1:1 e 18; 20:28; Rom. 9:5; Col. 2:2 e 9; Tito 2:13; Heb. 1:8; I João 5:20; etc.), e ao Espírito Santo como Deus (Atos 5:3 e 4; I Cor. 2:10 e 11; I Cor. 3:16; etc.).

A Distinção Entre os Membros da Trindade

Muito embora a expressão “porque três são os que testificam no céu: o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um”, que algumas versões da Bíblia trazem em I São João 5:7 e 8, provavelmente não fazia parte do original e tenha sido acrescentada posteriormente,9 isto não invalida em nada a doutrina bíblica da Trindade. Alegar que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são simplesmente três aspectos diferentes de um único Ser Divino Se manifestar, é confundir o conceito bíblico a respeito. Se assim fosse, a quem Jesus Cristo estaria Se dirigindo ao orar ao Pai? Por que então deveriam ser mencionados separadamente os membros da Trindade tanto na fórmula do batismo (Mat. 28:19), como na bênção apostólica (II Cor. 13:13) e em outros textos? A Bíblia não apenas reclama natureza espiritual para os membros da Trindade, como também personalidades distintas entre o Pai, o Filho, e o Espírito Santo. Isto é claro não apenas nas características pessoais atribuídas aos três, como também no fato de o Pai ter enviado o Filho (João 14:24; 20:21) e o Pai e o Filho enviarem o Espírito Santo (João 14:16 e 26; 16:7). Alguns têm tido dúvidas quanto ao Espírito Santo, imaginando ser Ele apenas um poder despersonalizado proveniente de Deus; porém os ensinos de Cristo não deixam dúvidas a esse respeito. Ao prometer o Espírito Santo, Ele disse: “Convém-vos que Eu vá, porque se Eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, Eu for, eu vo-lo enviarei” (João 16:7). A palavra “Consolador” é a tradução do termo grego Paracleto, que em São João 14:26 é identificado como sendo o Espírito Santo.

De acordo com James Robertson, “do ensino de Jesus, não resta a menor dúvida que o outro Paracleto é uma pessoa. A cada passo, Jesus fala desta maneira: ‘Ele vos ensinará todas as coisas’; ‘Ele Me glorificará’. Personalidade está implicada no título ‘Paracleto’, o qual, em algumas versões, é traduzido impropriamente “Confortador”. A palavra significa ‘um que é chamado para ficar ao nosso lado, especialmente em ocasiões de dificuldade e conflito’. É, portanto, a palavra que designa um advogado, e é assim usada a respeito de Jesus mesmo, em I João 2:1, onde lemos: ‘Nós temos um Paracleto (advogado) com o Pai, Jesus Cristo, o justo.’ “Está implicada também, no ensino de Jesus, que o outro Paracleto é uma pessoa divina. Jesus não poderia dizer que era melhor que Ele fosse, se o Seu substituto fosse menos do que divino. Nem poderia ter dito que ‘ao que disser alguma palavra contra o Filho do homem, isso lhe será perdoado; porém, ao lhe falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no vindouro’ (Mat. 12:32). Também não poderia ter juntado ‘o Pai, o Filho e o Espírito Santo’, como faz na fórmula do batismo (Mat. 28:19), se todos os três não fossem divinos”.10

Portanto, a doutrina da Trindade não está baseada em especulações e conjeturas humanas, mas na própria Revelação Divina – a Sua Palavra. Porém, uma vez que tenhamos compreendido a distinção que a Bíblia estabelece entre as pessoas da Trindade, deveremos também analisar o relacionamento existente entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo.


 Referências:

1. Herman Bavinck, The Doctrine of God. (Edinburg: The Banner of Truth Trust, 1979), p. 256.

2. Augustus H. Strong, Systematic Theology. (Valley Forge: Judson Press, 1979), p. 318.

3. Derek Kidner, Genêsis – Introdução e Comentário. (São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1979), pp. 48 e 49.

4. The Pulpit Commentary. (Gran Rapids:Wm. B. Eerdmans Publ. Co., 1975), vol. 1, The Book of Genesis, p. 29.

5. Louis Berkhof, Systematic Theology. (Edinburg: The Banner of Truth Trust, 1976), p. 86.

6. Kidner. op. cit., p. 32.

7. Jonh Bright, História de Israel. (São Paulo: Edições Paulinas, 1978), p. 190.

8. Berkhof. op. cit., p. 86.

9. Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament. (London: United Bible Societies,

1975), pp. 715-717.

10. James Robertson, Ensinos de Jesus. (São Paulo: União Cultural Editora Ltda., 1952), pp. 146 e 147.

 

A Trindade sem Mistério – II

Alberto Ronald Timm

 Uma vez que a Bíblia atribui as prerrogativas divinas tanto ao Pai quanto ao Filho e ao Espírito Santo, passaremos a analisar, à luz da Palavra de Deus, o relacionamento existente entre os membros da Trindade. Este aspecto é muito importante, porque dele dependerá os demais conceitos da teologia cristã, os quais são por ele afetados.

Para uma correta compreensão a respeito, deveremos fazer a distinção entre a unidade essencial e a subordinação funcional existente entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo; isto é, entre o modo divino de existir e a maneira funcional como tem sido revelado através da Criação e da Redenção. Confundir esses dois aspectos distintos, levar-nos-ia a conclusões totalmente distorcidas a respeito da doutrina de Deus.

 A Unidade Essencial da Trindade

Vimos anteriormente que a Bíblia reconhece as prerrogativas divinas a três personalidades distintas. Porém, isto não sanciona de forma alguma uma idéia triteísta de Deus; ou seja, que a Bíblia reconheça três deuses diferentes como formando a Divindade. Esta espécie de politeísmo é totalmente contrária ao pensamento bíblico. A religião bíblica é essencialmente monoteísta. Já na promulgação do decálogo aparecem as palavras: “Eu sou o Senhor teu Deus… Não terás outros deuses diante de Mim” (Êxo. 20:2 e ). Também a religião judaica tinha por fundamento o texto de Deuteronômio 6:4: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor”. Igualmente o apóstolo São Paulo fala que “há um só Deus” (I Cor. 8:6). Esses e outros textos nos deixam claro o fato de que existe uma unidade essencial entre os membros da Trindade. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são três pessoas distintas que formam um só Deus, e não três deuses.

Nesse sentido é que Jesus disse: “Eu e o Pai somos um” (João 10:30; cf. João 17:21 e 22). É por isso que a respeito de Cristo pode ser dito que desde o principio Ele “estava com Deus, e … era Deus” (João 1:1), que Ele é “igual a Deus” (Filip. 2:6), pois “nEle habita corporalmente toda a plenitude da Divindade” (Col. 2:9), sendo Ele “Deus Forte, Pai da Eternidade” (Isa. 9:6).

Mesmo o título “Filho” ao ser aplicado a Cristo não é sinônimo de inferioridade, mas sim de igualdade com o Pai. Ele significa que o Filho participa da mesma natureza do Seu Pai. Foi por essa razão que os judeus acusaram a Jesus de blasfêmia, ao chamar a Deus de “Meu Pai” (João 5:17 e 18). É importante considerarmos ainda que a palavra “Filho” é sempre empregada para Cristo no contexto da Encarnação, e nunca encontraremos menção a um “Filho Eterno”. 1

Por sua vez, não apenas o fato de o Espírito Santo ser chamado de o “outro consolador” (“Paracleto”, João 14:16; etc.) e o “Espírito de Deus” (Rom. 8:9; I Cor. 3:16; etc.) atesta Sua natureza divina, como também o fato de a Ele serem atribuídas todas as características divinas. Isto é especialmente enfatizado em I Cor. 2:10 e 11, onde lemos: “Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus. Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito que nele está? Assim as coisas de Deus ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus”. Neste caso, “perscruta não significa que o Espírito perscrute com vistas a obter informação. Antes, é um modo de dizer que Ele penetra todas as coisas. Não há nada que esteja além do Seu conhecimento. Em particular, Paulo especifica as profundezas de Deus… Não se pode contestar que esta passagem atribui plena divindade ao Espírito… Porque o Espírito que revela é verdadeiramente Deus, o que Ele revela é a verdade de Deus”.2 Portanto não podemos negar a unidade essencial existente entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, os quais formam um só Deus (Tri-unidade).

A Subordinação Funcional da Trindade

A Bíblia menciona a Trindade envolvida tanto na Criação (Gên. 1:1 e 2; João 1:1-3 e 10; Heb. 1:1-3; Jó 33:4; etc.), como na Redenção (Heb. 9:14; I Pedro 1:2; etc.). Para não incorrer em problemas teológicos, devemos ter em mente que a Bíblia é a revelação de Deus aos homens no contexto da história da salvação”, e que o seu objetivo primordial não é elucidar o “Ser” essencial de Deus. Portanto a chave para a compreensão da revelação de Deus encontra-se no “mistério da encarnação”; isto é, que Cristo, sendo Deus no mais alto sentido da palavra, “a Si mesmo Se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-Se em semelhança de homens” (Filip. 2:5-8). Nesse contexto encontraremos o Pai, o Filho e o Espírito Santo assumindo funções diferentes que poderão ser interpretadas como uma aparente “hierarquia” na Trindade, mas que não alteram a essência da natureza divina. Veremos, assim, o Filho dizendo que “o Pai é maior do que Eu” (João 14:28), que “o Filho nada pode fazer de Si mesmo” (João 5:19), e também pôr-Se de joelhos e orar ao Pai (Luc. 22:41 e 42). Mas não devemos nos esquecer que Ele também orou: “Eu Te glorificarei na Terra, consumando a obra que Me confiaste para fazer; e agora, glorifica-Me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que Eu tive junto de Ti, antes que houvesse mundo” (João 17:4 e 5), e que após a Sua humilhação Ele reassumiu toda a plenitude da Sua Divindade (Col. 2:9; cf. Filip. 2:9-11).

Alguns têm procurado ver nos títulos “unigênito” e “primogênito” evidências de que o Filho tenha sido gerado pelo Pai antes da criação do mundo; isto é, que Ele foi a primeira criação do Pai. Mas isso é decorrente de uma profunda ignorância do significado desses termos. A palavra traduzida por “unigênito” (João 1:14 e 18; 3:16 e 18; I João 4:9) é o termo grego monogeneses. Por algum tempo cria-se erroneamente que esse termo significava “único gerado”; porém o certo é que monogeneses é derivado de geneos, que significa “espécie” ou “condição”, e não de gennao, que significa “gerar”.3 A prova para isso encontra-se no fato de monogeneses ser escrito com um “n” apenas, e não com dois.4Assim o termo grego monogeneses não subentende nada mais do que “único” ou “solitário”.5 Ao ser esse termo aplicado em relação ao “Filho de Deus”, deixa claro que Jesus é “o único em Sua classe”.6A Bíblia de Jerusalém está correta ao traduzir o referido termo por “Filho único” em São João 3:16. Portanto, isso significa que Jesus desfruta de um relacionamento único e especial com o Pai. A prova para tal é “o fato de que Jesus jamais fala de Deus como ‘nosso Pai’ de modo a colocar-Se no mesmo relacionamento com Deus que Seus discípulos”. 7 (Ver João 20:17).

Cabe mencionar ainda que o termo monogenesis é usado em Hebreus 11:17 em relação a Isaque, que realmente não era o “único gerado” por Abraão, e sim o seu filho predileto.8 Igualmente a palavra “primogênito” (Col. 1:15-18), traduzida do termo grego prototokos, é usada no relacionamento de Cristo com o Pai, “expressando a Sua prioridade e preeminência sobre a criação, e não no sentido de ter sido o primeiro a nascer”. 9 Esse sentido de distinção aparece também em Deuteronômio 21:15-17. é igualmente nesse sentido que Davi, sendo o filho mais novo de Jessé, é chamado de primogênito (Sal. 89:20-27; cf. I Sam. 16:10-12), bem como Jacó (Êxo. 4:21 e 22; cf. Gên. 25:25 e 26) e Efraim (Jer. 31:9; cf. Gên. 41:50-52). Ao ser Ele chamado de “o princípio (grego arche) da criação de Deus” (Apoc. 3:1), isso não se refere a Cristo no sentido passivo de que no princípio Ele fora criado por Deus, mas no sentido ativo de que Cristo é a Origem, a Fonte e o Princípio ativo através do qual a criação veio à existência (cf. João 1:1-3 e 10; Heb. 1:2; Col. 1:15-18). Se Cristo realmente fora criado na Eternidade, então Ele jamais poderia ter sido chamado “Deus Forte, Pai da Eternidade” (Isa. 9:6). Mas, pelo contrário, João afirma que “o Verbo era Deus” (João 1:1). “Nada mais eminente poderia ser dito. Tudo o que pode ser dito a respeito de Deus, pode apropriadamente ser dito a respeito do Verbo”.10

Um Ministério a Ser Aceito Pela Fé

Talvez a razão pudesse nos levar a crer na Unidade de Deus; porém somente a revelação pode nos desvendar o mistério da Trindade de Deus.11 Pode parecer difícil para a mente humana conviver com o fato de Deus ser três pessoas distintas e ainda assim continuar sendo apenas um Deus, e não três deuses. A Bíblia apenas estabelece esse fato, mas não apresenta maiores detalhes de como isso pode ser explicado. Portanto, assim como “pela fé entendemos que foi o Universo formado pela palavra de Deus” (Heb. 11:3), igualmente pela fé precisamos aceitar a maneira como Deus Se revelou a nós através da Sua Palavra, sem entrarmos em especulações (Deut. 29:29).

Provavelmente não avaliaremos a importância da doutrina da Trindade enquanto não compreendermos o que seria a teologia cristã sem ela. A. H. Strong nos esclarece o fato de que “se não há Trindade, Cristo não é Deus, e não pode conhecer ou revelar perfeitamente a Deus. O cristianismo não é mais a única e final revelação; porém apenas um dos muitos sistemas conflitantes e competitivos, cada um dos quais tem as suas porções de verdade, mas também as suas porções de erro. O mesmo com respeito ao Espírito Santo. ‘Como Deus pode apenas ser revelado através de Deus, assim também Ele pode apenas ser apropriado através de Deus. Se o Espírito Santo não é Deus, então o amor e a auto-comunicação de Deus para a alma humana não são uma realidade.’ Em outras palavras, sem a doutrina da Trindade nós recuamos a uma mera religião natural e ao afastado e distante Deus do deísmo…”12

Entretanto, de acordo com Edwin R. Thiele, “o quadro bíblico de Deus não é de um singular ser supremo sozinho consigo mesmo, anti-social, solitário e afastado. Deus é amor, e o amor anela companheirismo. Certamente Deus poderia conversar com os homens ou os anjos; porém mesmo Deus necessitaria de companheirismo e associação com alguém igual, que pudesse pensar como Ele. E assim Deus comunga com Deus, compartilhando e levando a efeito planos em comum acordo”.13 E neste contexto tornam-se mais claras as referências a planos sendo traçados no próprio seio da Divindade (Gên. 1:26; 11:7; Isa. 6:8; etc).

Portanto, mantenhamos firme a profunda convicção de que o Pai muito nos ama (João 3:16), que Jesus Cristo, após haver oferecido Sua vida por nós, permanece como o nosso Advogado junto ao Pai (I João 2:1) e que o Espírito Santo está conosco para nos assistir em nossas fraquezas (Rom. 8:26). E, no dizer do apóstolo São Paulo, que “a graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós” (II Cor. 13:13).


Referências:

1. Guillermo N. Clarke, Bosquejo de Teologia Cristiana. (Buenos Aires: Compañia de Publicidade Literária “La Aurora”, s.d.), p. 181.
2. Leon Morris, I Coríntios – Introdução e Comentário. (São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1981), p. 46.
3. George E. Ladd, A Theology of the New Testament. (Grnad Rapids: Wm. B. Eerdmans Publ. Co.,1977), p. 247.
4. Leon Morris, The Gospel According to John. (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publ. Co., 1979), p. 105, nota de rodapé.
5. Ibid.
6. Ladd. op. cit., p. 247.
7. Ibid.
8. Para um estudo mais detalhado sobre a palavra monogenes, veja o artigo intitulado “O Único Filho de Deus” de autoria de Dale Moddy em: Raul Dederen. Cristologia. (São Paulo: Instituto Adventista de Ensino, 1984), pp. 11-26.
9.W. E. Vine, Expository Dictionary of New Testament Words. (London: Oliphants, 1979), vol. II, p. 104.
10. Morris The Gospel According to John, p. 76.
11. Augustus H. Strong, Systematic Theology. (Valley Forge: Judson Press, 1979), p. 304.
12. Ibid., p. 349.
13. Edwin R. Thiele, Knowing God. (Nashville: Southern Publ. Ass., 1979), p. 28.