Como é possível comunicar a fé bíblica e cristã a um mundo em constantes mudanças culturais, de conceitos e ideias?
Uma definição clássica de evangelismo o apresenta como proclamação do evangelho, ou das boas-novas da salvação efetuada por meio de Jesus Cristo, através da Sua morte e confirmada na humilhação da sepultura e no triunfo da ressurreição. O mundo precisa ouvir o evangelho, que implica no triunfo de Jesus Cristo sobre o pecado e a morte, na reconciliação de todas as coisas, em Cristo, e no fato de que o reino da graça está presente. O reino da graça é tempo de oportunidade para que a igreja cumpra sua missão (Mt 24:14), as pessoas aceitem a salvação e se preparem tendo em vista o breve estabelecimento do reino da glória (Ap 14:6-12).
O mundo necessita ouvir, cada vez mais urgentemente, a mensagem do evangelho. Porém, como nos será possível comunicar a fé bíblica e cristã, neste mundo marcado por mudanças culturais rápidas, novos conceitos e ideias?
Panorama do mundo
A propósito do desafio evangelístico do mundo contemporâneo, Francis Shaeffer afirmou: “Cada geração cristã defronta com este problema de aprender como falar ao seu tempo de maneira comunicativa. É problema que não se pode resolver sem uma compreensão da situação existencial, em constante mudança, com que se defronta. Para que consigamos comunicar a fé cristã de modo eficiente, portanto, temos que conhecer e entender as formas de pensamento da nossa geração.”[1]
Essas “formas de pensamento da nossa geração” podem ser resumidas nos seguintes termos:
Antropocentrismo. O mundo contemporâneo tem como base a declaração de que “o homem é a medida de todas as coisas”. Isso pressupõe a predominância da filosofia humanista que o coloca como centro do Universo, em flagrante contraste com o ensino bíblico de que todas as coisas foram criadas por Deus e para a Sua glória. “Amantes de si mesmos” (2Tm 3:2) é a melhor expressão para esse perfil. Tais homens se consideram pequenos deuses capazes de impor a própria vontade, como se essa fosse completa e suficiente para as realizações humanas.
Relativismo. Comunidades e culturas têm seu próprio jogo de linguagem. Tudo é subjetivo, relativo, contingencial e ambíguo. Sob essa ótica, não há lugar para valores absolutos, isto é, princípios imutáveis da Palavra de Deus, válidos para “todas as pessoas, em qualquer época e em todos os lugares”. Estes são considerados impróprios por aqueles que vivem ao sabor de suas concupiscências, sendo prisioneiros do contexto e das convenções sociais pois, supostamente tolhem a liberdade das pessoas.
Materialismo. O materialismo parte do princípio de que tudo no Universo se reduz à matéria, e que nada existe além desta. Não admite o sobrenatural. Para os materialistas, o Universo, com todos os seus infinitos componentes, as inimagináveis complexidades, a assombrosa precisão e detalhes, é incriado, sem nenhuma causa originadora. Por estarem vivendo na cegueira espiritual, materialistas e ateus não conseguem enxergar nada além do mundo físico, apesar de todas as coisas criadas apontarem para Sua causa primária que é Deus (Sl 19:1-6).
Globalização. A sociedade contemporânea sabe viver numa aldeia global. A cibernética lhe dá acesso instantâneo ao mundo. Em contraposição às infinitas possibilidades que oferecem, computador, televisão e internet também banalizam, entre outras coisas, o próprio Deus. Muitas pessoas falam de Deus como se estivessem falando de automóvel, futebol, ou de qualquer personalidade famosa. Presenciamos uma nova religiosidade, que combina imagem eletrônica, entretenimento e consumo. É o mercantilismo do sagrado; a religiosidade que proporciona êxtase e que anuncia prosperidade material.
Secularismo. Secularização é a maneira de viver da sociedade, seu modo de agir e se acomodar aos padrões impostos pela globalização. Ela torce ardilosamente a verdade de Deus e busca mostrar a igreja como uma instituição irrelevante e corrompida. Nessa sociedade prevalece a visão evolucionista e se rejeita o pensamento de que somos criaturas de um Deus infinito, pessoal e amoroso.
Permissivismo. O padrão de comportamento correto, com seus limites à luz dos ensinamentos bíblicos, tem sido removido, resultando na falência moral da sociedade e comprometendo seriamente a vida de muitos cristãos. Para a sociedade secularista, não há mais limites quanto a comportamento, relacionamento, vestuário, entre outros aspectos. As consequências disso são reveladas na expressão das atitudes mais absurdas, ilícitas e pecaminosas que se possa imaginar, quando vistas à luz da Palavra de Deus.
Enfrentando o desafio
Diante disso, uma questão ainda permanece: Como expressar e comunicar a fé bíblica e cristã no mundo contemporâneo? O desafio é grande, e nenhuma forma de abordagem evangelística é singularmente designada para alcançar todos os indivíduos. Cada pessoa, ou grupo de pessoas, responde melhor a diferentes abordagens. Fundamentados nessa realidade, apresentamos algumas sugestões:
Relacionamento interpessoal.
“Indivíduos de mente secularizada não são conquistados por meio de programas, mas por outros indivíduos que desenvolvem relacionamento interpessoal com eles. Os seres humanos respondem à bondade. A amizade genuína quebra preconceitos. Não conseguiremos ganhar pessoas para Cristo, tentando argumentar contra elas.”[2]
Nos primórdios do adventismo, Ellen G. White já havia escrito: “Um dos meios mais eficazes de comu- nicar a luz é o trabalho particular, pessoal. No círculo familiar, no lar do vizinho, à cabeceira do doente, de maneira tranquila pode-se ler as Escrituras e falar acerca de Jesus e da verdade. Assim, é lançada preciosa semente, que germinará e produzirá fruto.”[3]
“Jesus via em cada pessoa alguém a quem devia ser feito o chamado para Seu reino. Aproximava-Se do coração do povo, misturando-Se com ele como alguém que lhe desejava o bem-estar. Procurava-o nas ruas, nas casas particulares, nos barcos, na sinagoga, às margens do lago e nas festas nupciais. Ia-lhe ao encontro em suas ocupações diárias, e manifestava interesse em seus negócios seculares. Levava Suas instruções às famílias, pondo-as assim, no próprio lar, sob a influência de Sua divina presença. A poderosa simpatia pessoal que dEle emanava, conquistava os corações.”[4]
Confiança nas Escrituras. Para o homem contemporâneo, a Bíblia necessita de substância intelectual; ele não confia na integridade escriturística. Diante disso, além de apresentar um sistema lógico de crenças, doutrinas, ou até mesmo profecias, a igreja deve apresentar Jesus em toda a Sua plenitude, para que a geração atual seja para Ele atraída, sendo assim transformada à Sua imagem. Isso deve ser feito de maneira compassiva, através de relacionamentos significativos. Porém, devemos lembrar que Salinas e Escobar defendem a tese de que o conceito de verdade não pode se perder nesse contexto:
“O que não podemos nem deve- mos render à pós-modernidade é que se perca o conceito de verdade, da maneira como a encontramos na Bíblia. Não devemos permitir que a Verdade (com maiúscula) se torne relativa e se converta simplesmente em uma verdade (com minúscula) a mais no mercado esotérico pós-moderno”[5]
Autenticidade. O ser humano contemporâneo espera ver cristãos com a Bíblia no coração e no dia a dia; não apenas no bolso ou nas mãos. “Mais do que nunca, o testemunho, o caráter e o estilo de vida dos cristãos estão não apenas sob suspeita, mas também sob os microscópios e telescópios da sociedade secular”, escreveu A. T. Ayres.[6]
A geração atual será atraída a Cristo através de um exemplo de vida diferenciado, ou seja, pelo exemplo edificante e salutar de um estilo de vida fundamentado no exemplo dEle (Jo 13:15, 35). Ayres acrescenta: “Convém deixar claro, no entanto, que essa diferença nada tem que ver com certas posturas legalistas, farisaicas ou sectárias esposadas por alguns, mas com o evangelho, na beleza de um coração transformado que, no dizer de Pedro, constitui ‘o homem interior’ e na fidelidade a todo o ‘conselho de Deus’.”[7]
O mundo contemporâneo espera ver o cristianismo autêntico em todas as esferas da vida daqueles que o professam. O exemplo diário, não apenas a teoria, é poderoso para causar transformadora influência em relação às pessoas.
Poder do Espírito Santo. Sem o poder do Espírito Santo, é impossível alcançar êxito na pregação do evangelho, em qualquer tempo e lugar, especialmente no mundo contemporâneo. Muitas vezes, somos tentados a pensar que as pessoas se deixarão atrair pela erudição dos pregadores, ou por tentarmos lhes oferecer algo semelhante ao que existe no mundo. Isso é a mesma coisa que a tentativa de alguém no sentido de transformar a igreja em clube social, cultos e reuniões de evangelização em programas de auditório, ou numa academia de intelectuais, esquecendo-se de que a sabedoria do evangelho atua em outro nível.
Esta é a promessa do Senhor: “Recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis Minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da Terra” (At 1:8).
O Senhor deseja salvar todo aquele que crê (Jo 3:16). E o poder do Espírito Santo é superior a todas as forças que no mundo contemporâneo são opostas ao evangelho. As seguintes palavras de Ellen G. White são oportunas: “Logo ocorrerão mudanças peculiares e rápidas, e o povo de Deus será revestido do Espírito Santo, de forma que, com sabedoria celeste, enfrente as emergências desta época e neutralize ao máximo possível a influência desmoralizadora do mundo. Se a igreja não estiver dormindo, se os seguidores de Cristo vigiarem e orarem, poderão possuir entendimento para compreender e avaliar as tramas do inimigo.”[8]
E mais: “A presença do Espírito com os obreiros de Deus dará à proclamação da verdade um poder que nem toda a honra ou glória do mundo dariam.”[9] Nenhum outro poder na Terra resistirá à influência do poder de Deus na vida dos cristãos.
O evangelho a ser pregado ao mundo contemporâneo não é diferente do que foi pregado no tempo dos apóstolos, e os pregadores devem apresentá-lo sob a firme convicção de ser a verdade. Ele deve atingir, com poder transformador, todas as pessoas, independentemente de quais sejam as convicções que alimentem.
As estratégias de pregação podem variar de um contexto para outro, de uma cultura para outra, tendo em vista tornar relevante a Palavra de Deus e facilitar o acesso dela aos corações. Contudo, jamais devemos deixar de apresentar a verdade autêntica, da maneira pela qual seria apresentada pelo próprio Jesus, misturando firmeza, integridade, ternura, compaixão e amor. Nosso revestimento por parte do Espírito Santo se torna realidade à medida que nos colocamos incondicionalmente a Seu serviço.
Referências:
1 Francis Schaeffer, A Morte da Razão (São Paulo, SP: ABU Editora e Editora Fiel, 1974), p. 5.
2 Mark Finley, Ministério novembro/dezembro, 2001, p. 24.
3 Ellen G. White, Testemunhos Seletos, v. 3, p. 62.
4 ___________, O Desejado de Todas as Nações, p. 151.
5 D. Salinas e S. Escobar, Pós-Modernidade: Novos Desafios à Fé Cristã (São Paulo, SP: ABU Editora, 1999), p. 47.
6 A. T. Ayres, Como entender a Pós-Modernidade (São Paulo, SP: Editora Vida, 1998), p. 81.
7 Ibid., p. 97.
8 Ellen G. White, Testemunhos Seletos, v. 3, p. 69. 9 ___________, Serviço Cristão, p. 253.