“Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a Palavra da verdade” (Paulo)
À “relação lógica entre ideias, situações ou acontecimentos” dá-se o nome de coerência. Neste artigo, ela desponta como o princípio de não contradizer através de atos o que foi afirmado verbalmente. Isso envolve discurso, comportamento e estética. O resultado de coerência ou incoerência é visto no mundo que nos cerca. Observe duas declarações da imprensa; uma usando a coerência; a outra, a falta dela: “Seu agressor é procurado pela polícia em todo o México. Apesar disso, em sua entrevista mostrou coerência, conseguiu formar frases curtas e mostrou ânimo” (Folha de S. Paulo, 13/03/2010). “Com relação ao papel do Estado no estímulo à inovação, as políticas do governo nesse sentido carecem de coerência e as instituições responsáveis por administrar os processos inovadores… mantêm tendências burocráticas ineficientes” (Ibid., 05/03/2010). Essas duas afirmações servem como padrão para mostrar o que se espera do pregador ao apresentar sua mensagem. O desafio deste artigo é mostrar que a coerência entre o pregador e sua mensagem é fundamental para que ela seja ouvida, entendida e incorporada pelos ouvintes, sem ruídos incoerentes.
Coerência com a Bíblia
Para ser coerente e poder alcançar corações, primeiramente a mensagem deve ser extraída da Palavra de Deus. Em outras palavras, todo sermão deve ser bíblico. Não se trata apenas de citar um verso bíblico no início ou no fim do discurso; o sermão deve estar fundamentado na Bíblia. Com frequência, ouvimos informações sobre fatos históricos, conquistas dos departamentos da igreja, crescimento e finanças. No fim, o pregador lê um texto, como por exemplo: “Até aqui nos ajudou o Senhor” (1Sm 7:12), e pensa que fez um sermão. Houve discurso, mas não houve sermão.
Em segundo lugar, a mensagem deve ser cristocêntrica. Não importa o tema escolhido, este deve ser sempre centralizado em Cristo. Como afirmou Ellen G. White, “de todos os professos cristãos, os adventistas do sétimo dia devem ser os primeiros a exaltar Cristo perante o mundo… Na cruz de Cristo é que a misericórdia e a verdade se encontram, e a justiça e a paz se beijam. O pecador deve ser levado a olhar o Calvário; com a fé singela de uma criança deve confiar nos méritos do Salvador aceitando Sua justiça, confiando em Sua misericórdia” (Obreiros Evangélicos, p. 156). E mais: “A mensagem do terceiro anjo requer a apresentação do sábado do quarto mandamento… mas o grande centro de atração, Jesus Cristo, não deve ser deixado fora da mensagem do terceiro anjo” (Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 383).
Finalmente, a mensagem deve também brotar da experiência do pregador com Cristo; e da experiência adquirida em meio às lutas, alegrias e tristezas dos ouvintes. Usando esses quadros reais, o pregador deve buscar ajuda e conselho na Palavra de Deus, a fim de confortar, nutrir, orientar e ajudar os ouvintes na caminhada cristã. Não temos o direito de apresentar qualquer feno, o azedo farelo das histórias sensacionalistas, apenas para diverti-los. Os ouvintes precisam ouvir a voz de Deus através do mensageiro.
Teoria e prática
O educador cristão William Morris realizou um magnífico trabalho em favor de milhares de crianças em Buenos Aires. Sua dedicação desinteressada e seu amor para com elas deram brilho ao apostolado desse homem de Deus. Não é sem razão que se tenha dito acerca dele o seguinte: “Foi uma dessas vidas que obrigam docemente a crer em Deus” (Enrique Chaij, Ventanas de la Vida, p. 109). “Precisamos orar e velar em oração, para que não haja incoerência em nossa vida” (Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 116). Somente um pregador cuja vida e mensagem estejam coerentemente centralizadas em Cristo é capaz de exercer influência transformadora.
Em determinada manhã, certo pregador leu para os filhos uma reflexão sobre o oitavo mandamento: “Não furtarás” (Êx 20:15). À tarde, foram ao supermercado e, ao devolver o troco, a operadora do caixa deu ao pai mais dinheiro do que devia dar. Estando com o dinheiro no bolso, já no carro, o pai disse: “Hoje ganhamos o dinheiro do sorvete sem nenhum esforço”, e contou o que havia acontecido. O filho de nove anos questionou: “Mas, isso não é roubo, papai?” Foi difícil para o pregador harmonizar aquela atitude com a mensagem ensinada pela manhã.
Aliás, este é um desafio para os pregadores: falar para a própria família. Creio que esse é o auditório mais difícil. Nossa família nos conhece muito bem, como se nos visse através da máquina de raio X. Não pregue para sua igreja, caso sua família não possa aprovar seu sermão. “Talvez vocês nunca venham a saber neste mundo o dano que causaram a algumas pessoas por seus pequeninos atos de frivolidade, vulgar conversação, leviandade, as quais estavam em completa incoerência com sua santa fé”, escreveu Ellen White (Mensagens aos Jovens, p. 201).
Quantos sermões estamos pregando cada semana para nossa família, que nos conhece tão bem! Em muitos casos, enquanto o pregador fala, a família está se lembrando dos atos descorteses, intolerantes, alterados, praticados em casa! Quantas esposas ouvem o esposo pregador, enquanto refletem sobre os próprios sofrimentos vividos ao lado daquele que se apresenta de modo tão diferente diante da igreja! É tempo de ser coerente, amigo pregador. O conselho de Cristo no sentido de acertarmos a vida com nosso irmão, antes de levarmos nossa oferta ao altar (Mt 5:23, 24), ainda é válido em relação a todos os nossos relacionamentos, incluindo o trato com nossa família.
Princípio e preferência
No mundo relativista em que vivemos, precisamos estar atentos a dois conceitos modeladores de vida: Princípio e preferência. Princípio é uma regra moral tirada da Palavra de Deus, na qual se baseiam nossos atos e atitudes. Preferências são atitudes praticadas tendo como base as circunstâncias, os gostos e desejos pessoais. Quando o pregador vive por princípios, tem a vida coerente com a mensagem que prega. Porém, quando vive tendo como base preferências pessoais, não pode ser coerente com a mensagem bíblica. Daniel é um exemplo digno de ser imitado por todo pregador. A Bíblia nos informa que ele agia por princípio, e não alicerçado em preferências. É-nos dito que ele propôs no coração “não se contaminar” (Dn 1:8). Essa foi uma decisão tomada longe dos pais, numa terra distante. Hoje, diante da maléfica ética situacional, decisões incoerentes com a fé são tomadas e atos incoerentes com a conduta cristã são praticados, a depender das circunstâncias.
Todo pregador deve ter a vida baseada em princípios; não em preferências nem circunstâncias. Assim, os ouvintes perceberão que existe coerência entre o que ele é e o que fala. A mensagem será poderosa e alcançará o objetivo de transformar vidas.
Em Jesus Cristo encontramos o modelo infalível de coerência. “Toda a vida do Salvador caracterizou-se pela desinteressada beneficência e a beleza da santidade. Ele é nosso modelo de bondade”, escreveu a Sra. White (Conselhos aos Pais, Professores e Estudantes, p. 262). E mais: “Cristo exemplificou na própria vida Seus ensinos. Seu zelo nunca O levou a ficar arrebatado. Manifestava coerência sem obstinação, benevolência sem fraqueza, ternura e simpatia sem sentimentalismo. Era altamente sociável; no entanto, possuía modesta dignidade que não animava indevida familiaridade” (Evangelismo, p. 636).
Que lindo modelo para nós pregadores! Vida e atos coerentes com a mensagem que pregamos – eis o que a igreja espera e precisa ver em nós.