Amor pela verdade, preparo e disposição para expô-la são marcas importantíssimas do verdadeiro servo de Deus
A história da igreja cristã é marcada por perseguições e martírios. Historiadores relatam fatos que levaram à expansão do cristianismo depois da morte e ressurreição de Jesus Cristo, e que expuseram os primeiros cristãos ao sofrimento e até mesmo sacrifício da própria vida. Nesse contexto, evidencia-se o exemplo de fé e perseverança de Justino que, diante de filósofos de sua época, levantou-se em defesa do cristianismo, sendo, por isso, martirizado.
Justino Mártir (110-165 d.C.) foi um filósofo que viveu no período do imperador Antonino Pio e de Marco Aurélio, no século 2. Acredita-se que ele tenha nascido depois do ano 100 d.C., em Flavia Neapolis (atual Naplusa), na Síria-Palestina, ou Samaria, a Siquém dos tempos bíblicos. De família grega, pagã, cresceu em Samaria, tendo contato com judeus e samaritanos. Sua educação incluiu retórica, poesia e História. Quando jovem, interessou-se por filosofia, estudando várias teorias dessa área até conhecer o cristianismo. O desejo pela verdade o levou a buscar respostas nas escolas estoica, peripatética, pitagórica, neoplatônica.
Chegando a Éfeso, encontrou discípulos do apóstolo João e conheceu o evangelho por meio de um cristão idoso que lhe indicou a leitura das Escrituras e dos profetas. Assim, Justino encontrou a verdade que buscava e se converteu ao cristianismo. Foi profundamente afetado pelo contato com os cristãos e pelos ensinos de Cristo, passando a defendê-los diante de autoridades e filósofos da época, por meio de seus escritos e debates.[1]
Em defesa da fé
Plenamente convicto da verdade de Cristo, Justino colocou a serviço da fé cristã sua cultura clássica e filosófica adquirida antes de sua conversão. Nem o martírio o demoveu.[2] Ensinou em Éfeso e chegou a Roma em 150 d.C., onde fundou uma escola filosófica, por meio da qual, em defesa do cristianismo, debateu com pagãos, judeus e hereges. Para Justino, o cristianismo era a “verdadeira filosofia”. Ele afirmava que os adversários dessa doutrina insultavam a razão e a moral. Muito da convicção desse valoroso cristão brotou da influência que lhe foi transmitida pelos próprios cristãos martirizados.
Utilizando a doutrina do Logos, Jesus Cristo, e da compreensão racional do Universo, Justino enfatizava Jesus como a fonte de todo verdadeiro conhecimento, sendo por ele considerado “a alma do mundo”.[3] Afirmava que os filósofos antigos, à semelhança de Sócrates e Platão, haviam recebido a sabedoria do Logos, sendo, portanto, cristãos em sua essência.
A defesa da filosofia cristã e dos cristãos resultou, para Justino, no comparecimento diante de autoridades romanas, ocasião em que, por causa da firme convicção na verdade de Cristo, foi martirizado, aproximadamente em 165 d.C., em Roma, pouco tempo depois de dedicar as apologias aos imperadores. Suas obras em defesa do evangelho e da verdadeira filosofia são consideradas um testemunho dos ideais cristãos e da filosofia cristã dos primeiros séculos. Essas apologias foram destinadas a Antonino Pio, seus filhos e ao senado romano, bem como a Antonino Vero.
Outras obras nas quais ele discutiu questões filosóficas e a natureza da fé cristã são destinadas a filósofos e ao povo em geral. Entre essas obras, destacam-se as seguintes: Apologias I e II, Discursos aos Gregos, Refutação, Sobre a Monarquia de Deus, Psaltes, Observações Sobre a Alma, Diálogo com Trifão. Nelas Justino combatia a má interpretação do Antigo Testamento e evidenciava a figura de Cristo como cumprimento das profecias.[4]
Ao escrever para as autoridades, Justino se alicerçava na própria fé, no conhecimento das Escrituras, no exemplo de vida dos cristãos e em argumentos de autoridades romanas que pleiteavam em favor dos cristãos. Assim, enquanto explicava e defendia sua fé, combatia o erro das autoridades romanas em perseguir os cristãos, afirmando que deveriam unir forças ao cristianismo, em combate à falsidade dos sistemas pagãos.[5]
Na defesa veemente que fazia dos cristãos, Justino apresentava o exemplo de pessoas perseguidas e mortas simplesmente por causa da fé cristã, embora tivessem vivido dignamente. Assim, condenava o tratamento injusto e preconceituoso imposto pelos imperadores e governantes romanos aos cristãos. Argumentava que os cristãos adoravam o Deus verdadeiro – Pai, Filho e Espírito Santo; por isso, não havia razão para que fossem perseguidos e mortos. Alegava que, por preceito e exemplo, os cristãos obedeciam às leis de Roma. Entretanto, quanto à fé, tinham em Deus seu Líder maior. A vida e a conduta de paz dos cristãos deveriam ser seguidas pelas autoridades, considerando que um dia deveriam prestar a Deus contas de seus atos.[6]
O ensino
Muito embora a teologia de Justino apresente algumas interpretações questionáveis, seu trabalho como um todo contribui para explicar a fé cristã, tendo como base e fonte de autoridade, as Escrituras, cujas profecias podem ser compreendidas pela graça de Deus.[7] Seus escritos se voltam para a pessoa de Cristo e Sua obra, sendo Justino o primeiro teólogo a tentar explicar a relação de Deus Pai com o Verbo, a teologia trinitariana, a visão do porvir e a crença no Reino milenar. Sua teologia ganhou destaque pela erudição e fervor manifestado em seus escritos. Assim, ele se tornou um marco na história da igreja e um referencial inspirador da autêntica fé cristã para todas as gerações.
A vida de Justino pode ser comparada à de Paulo, no que diz respeito à descendência e à defesa do cristianismo diante dos gentios. Ambos tinham vivido entre judeus e gentios, tinham boa formação e usavam da argumentação para convencer tanto gentios como judeus a respeito de Cristo. Consequentemente, os dois foram martirizados em Roma, por causa da fé que defenderam.[8]
Quando chegou o momento de testemunhar a respeito de sua fé em Cristo, perante as autoridades greco-romanas, Justino o fez com absoluta firmeza, em prejuízo da própria vida. Tornou-se mártir, com seis dos seus discípulos. Embora não tivesse apresentado o cristianismo na maneira pela qual hoje o conhecemos, podemos afirmar que ele foi quem melhor explicou e defendeu as crenças cristãs, promovendo o desenvolvimento da teologia e apologética da igreja nos seus primórdios.
A partir da perspectiva de suas defesas, Justino pode ser considerado embaixador da Palavra de Deus no segundo século. Apesar de sua limitada compreensão das Escrituras Sagradas, foi o principal apologista da fé cristã, na época em que viveu, apresentando o evangelho de maneira consistente diante da classe greco-romana, apoiando-se nas Escrituras, na vida, filosofia e nos ensinamentos de Cristo, além do exemplo possibilitado pelo estilo de vida dos cristãos. Seu conhecimento e admirável poder argumentativo muito contribuíram para a defesa da fé em Cristo Jesus.
Nessa batalha, Justino foi às últimas consequências, pagando o preço com a própria vida, deixando-nos o exemplo de que o amor pela verdade, o preparo e a disposição para expô-la são marcas importantíssimas do verdadeiro servo de Deus. Justino se apresenta como exemplo de que o evangelho de Jesus Cristo deve ser estudado, aceito, divulgado e defendido, mesmo sob as circunstâncias mais adversas. Que Deus nos conceda a graça de viver e ministrar com prontidão semelhante à de Justino!
Referências:
1 Rick Walde, Justino Mártir: Defensor da Igreja, disponível em http://logoshp.6te.net/APO25. htm; acesso em 03/04/2013.
2 Philip Schaff, Ante-Nicene Christianity: a.D. v. 2, p. 100-325; em History of the Christian Church (Grand Rapids, MI: Eerdmans).
3 Marlon Ronald Fluck, Teologia dos Pais da Igreja (Curitiba, P: Escritores Associados, 2009).
4 Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica: Os Primeiros Séculos da Igreja Cristã (São Paulo: Novo Século, 2002).
5 Roger Olson, História da Teologia Cristã (São Paulo: Editora Vida, 2001).
6 Rick Walde, Op. Cit.
7 Patrística, Justinio de Roma (São Paulo: Paulus, 1995).
8 Dionísio Hatzenberger, História da Igreja, disponível em http://hist-igreja.blogspot.com. br/p/cristianismo-nos/seculos-i-e-ii.html.