Durante muito tempo, a tradição oral estabeleceu as relações sociocomunicativas, em que os povos transmitiam suas crenças e culturas, por meio de ensinamentos de geração em geração. Embora seja possível pensar que a escrita tenha condição superior à oralidade, por mitos de que seria o passaporte para a civilização e o conhecimento, de acordo com alguns estudiosos, pode-se também afirmar que a linguagem sempre definiu os papéis do ser humano na sociedade.
Com o advento da tecnologia digital, estamos diante da dicotomia entre a oralidade e a escrita, em que um dos meios mais utilizados é o bate-papo virtual, com mensagens instantâneas com programas de troca de mensagens. O diálogo face a face é simulado por elementos visuais como caixa de fotografia ou de imagem, áudio, música e linguagem originários dos “emoticons” (ícones que transmitem estados de espírito).
Além da linguística
No entanto, o objetivo que nos move neste artigo se afasta dos conceitos linguísticos e da tecnologia digital pura e simples. Analisaremos a linguagem do ponto de vista daquilo que Deus deseja dos cristãos em todos os tempos, inclusive os da era digital, com relação à fala, dom recebido de Deus, contendo diferentes nuances da voz humana e de como podemos empregá-lo eficazmente para o bem.
Considerando que os seres humanos foram criados com equipamento genético que os capacita a se comunicar pela fala, especialmente entre os cristãos, a linguagem deve ser utilizada como ferramenta para convencer, persuadir, louvar a Deus e falar do amor redentor (Parábolas de Jesus, p. 335). Além disso, é natural esperar que o falar dos cristãos seja “agradável e temperado com sal, para que saibam como responder a cada um” (Cl 4:6).
Deus requer de todo cristão o cultivo da fala, livre de tons altos e agudos estridentes aos ouvidos, ou do falar inexpressivo, rápido e de forma incompreensível. É impressionante como Cristo
tem interesse em que Seus seguidores cultivem a voz, e a fala, porque a Palavra de Deus e suas riquezas incalculáveis precisam ser expressas com perfeição (Ibid., p. 336).
Não é vontade de Deus que Suas verdades sejam encurtadas, ditas de modo acanhado, inexpressivo e aviltante. Deve haver esforço diligente para que se cultive o falar em tom claro e sonoro. Afinal, a maneira pela qual a Palavra de Deus é apresentada pode levar à aceitação ou rejeição dela pelos ouvintes. É preciso que seja falada de tal maneira que impressione os corações.
Marca pessoal
Fomos criados por Deus como seres únicos, diferentes dos demais, a ponto de deixarmos registradas, pela qualidade da nossa voz, características pessoais quando falamos. Por meio da voz, nos primeiros cinco minutos as pessoas constroem uma imagem a nosso respeito, sobre nossa personalidade, nível cultural e, em alguns casos, condição espiritual.
A personalidade influi de tal maneira na voz que, segundo estudiosos, pessoas ansiosas falam com mais velocidade, ausência de pausas e impedindo a fala do outro. Ao empregarem articulação firme, sons mais graves e pouca expressão facial, as pessoas autoritárias permitem pouca intervenção do interlocutor. Pessoas mais tímidas e submissas falam baixo e o timbre de voz é mais agudo.
Pesquisas mostram que o tipo de educação e a convivência com outras pessoas também ajudam a moldar a voz. Então, como cristãos, é preciso que sejamos moldados por Cristo, para que tenhamos a tonalidade mansa e suave de Sua voz, em nossas relações familiares e interações sociais.
Nossa linguagem é carregada de sentimentos, expressões sonoras e entonação da voz, expressões de raiva e alegria, amor e ternura, exclamações e interrogações. Por essa razão, quem não tropeça no falar é considerado “perfeito, sendo também capaz de dominar todo o seu corpo” (Tg 3:2).
É certo que o domínio da língua é algo muito difícil para os seres humanos, porque as palavras de uma pessoa revelam a tendência natural de seus pensamentos. Quando falamos daquilo que reflete pureza, honradez e bondade, estamos no caminho certo para a semelhança com Cristo.
Morte e vida
A língua é má somente quando regida pelas forças do mal. Quando não permitimos que o Espírito Santo governe nossos pensamentos, portanto, nossas palavras, a língua funciona como instrumento do mal. Nessas condições, a censura pode ser expressa sem amor, com palavras que exasperam, funcionando como enxurrada de palavreado ofensivo, mesmo que professemos religiosidade.
Lembrando que “a língua tem poder sobre a vida e sobre a morte” (Pv 18:21), ela pode ser utilizada para difamar pessoas, levando-as à desonra. Aqueles que lhe dão rédeas soltas cometem grande dano que poderá recair sobre eles mesmos. Podemos falar imprudentemente, usando maledicência, palavras frívolas e murmuração impertinente. Quando Paulo diz: “Nenhuma palavra torpe saia da boca de vocês” (Ef 4:29), significa que devemos mudar o curso de nossa conversação quando esta ferir os mais caros princípios da verdade, da religião pura e imaculada, livrando-nos de ideias impuras que contenham insinuações malévolas (Ibid., p. 337).
Porém, apesar de todos os contrastes negativos de uma linguagem regida pelo mal, e da afirmação bíblica de que nenhum homem é capaz de dominar a própria língua (Tg 3:8), em Cristo, existe poder para o alcance dessa experiência, através da renovação da mente (Rm 12:2). Sob o poder e a graça de Cristo, nossa língua pode ser instrumento do bem, da paz e da felicidade na comunidade em que vivemos. Podemos usar nossa linguagem, santificada pelo Espírito Santo, para restabelecer confiança, pacificação e amizade, ao bendizermos nossos inimigos, jamais proferindo maldições. Cristo advertiu: “Eu lhes digo que, no dia do juízo, os homens haverão de dar conta de toda palavra inútil que tiverem falado” (Mt 12:36).
Entretanto, há beleza e suavidade em uma linguagem sábia, desprovida de afetação, pronta a dizer boa palavra ao cansado (Is 50:4). Afinal, é para isto que Deus conta com Seus seguidores, ou seja, que usem a linguagem da esperança, da alegria e da paz neste mundo prestes a perecer.