A controvérsia sobre a doutrina da Trindade na igreja está presente nesse exato momento em muitas partes do campo mundial. Um dos argumentos usados para apoiar a ideia de que Cristo não seria Eterno, mas teve um princípio, é que o título “monogenēs” significaria “único gerado,” “unigênito.” Como iremos demonstrar essa é uma má tradução e um mau uso desse título Cristológico. Esse termo (monogenēs) aparece apenas 9 vezes no Novo Testamento e sempre se refere a seres humanos: um filho (Lc. 7:12; 9:38), uma filha (Lc. 8:42), Jesus Cristo (João 1:14, 18; 3:16, 18; 1 João 4:9), e Isaque (Hb. 11:17). Começaremos examinando o significado etimológico desse termo e como ele pode ser usado.
I. Etimologia
O termo monogenēs é derivado do adjetivo monos (“singular,” “apenas,” “único,”) e o substantivo verbal genos (“raça,” “tipo,” “espécie,”). Baseados nessas informações podemos sugerir que monogenēs significa “único de sua espécie,” “singular.”1 Essa tem sido a forma mais comum de se referir a esse termo. Contudo, uma vez que genos está relacionado com ao verbo ginomai (“nascer,” “ser feito,” “se tornar,”), monogenēs também poderia significar “único gerado.” A questão é se o uso de genos sempre expresse etimologicamente, ou não, a ideia de origem ou nascimento.
Antes de chegarmos a qualquer conclusão devemos examinar algumas evidências adicionais. Primeiro devemos reconhecer que existem casos na literatura grega em que o termo monogenēs parece estar conectado com a ideia de geração. Isso é particularmente o caso quando o termo é aplicado a seres humanos ou crias. Por exemplo, em casos quando é afirmado que alguém é o “único” filho de um casal específico, monogenēs pode significar “única criança nascida a alguém.”
Segundo, existe evidência lingüística indicando que pelo tempo do NT a ideia de derivação ou nascimento estava desconectada do substantivo verbal genos. Uma vez que encontramos termos como homogenesēs (“da mesma espécie”) e hetero-genēs (“de uma espécie diferente”), nos quais genēs não tem absolutamente nada a ver com nascimento, origem, ou derivação. De fato, existem usos na literatura grega nas quais o termo monogenēs em si mesmo está totalmente desconectado da ideia de derivação. Por exemplo: o fígado é descrito como monogenēs, o que significa dizer que ele é um órgão
“único”; os astros são qualificados como monogenēs, “únicos.”; Existem certas árvores que são monogenēs, “as únicas da sua espécie.”2
Terceiro, deveríamos ser cuidadosos em não levar o argumento etimológico longe demais.3 O estudo semântico indica que o significado de um termo específico não é determinado por sua etimologia, mas pela forma como o autor o emprega. Ou seja, o contexto no qual o termo é usado determina de que forma ele está sendo usado pelo escritor. Nós já demonstramos que monogenēs é comumente usado sem qualquer conexão com a ideia de geração de nascimento/derivação, enquanto em outros momentos ele parece reter algo desse sentido etimológico. A conclusão é de que em ambos os casos o contexto é o fator determinante ao se estabelecer o significado do termo em questão. Vamos agora examinar os materiais retirados do Novo Testamento à luz dessa conclusão.
II. Usos não-Cristológicos
Monogenēs é usado para designar o filho da viúva de Naim (Lc. 7:12). “Ele é o filho único (monogenēs) de sua mãe.” A princípio alguém poderia concluir que ele fosse o único filho gerado pela viúva, mas contextualmente esse não parece ser o caso. Essa parte da informação não provida com o objetivo de estabelecer uma relação genealógica entre os dois, mas para descrever a situação desesperada desta senhora. Ela já era viúva e agora ela perdera seu único filho; pois para ela não havia ninguém como ele. O uso (do termo monogenēs) intensifica a dor da mulher e convida as pessoas a se
simpatizarem da situação dela.
A mesmo se aplica à filha de Jairo que é descrita como “sua única (monogenēs) filha” (Lucas 8:42). Ela é única na sua família por ser ela a única filha e, portanto, sua morte seria uma grande tragédia.
O pai do garoto possesso de um espírito maligno se refere a seu filho como “meu único (monogenēs) filho.” (Lc. 9:38) Como nos outros casos a ênfase está na perda, ou na ameaça de perda de alguém que é precioso e único ao seu pai ou mãe. Conquanto não possamos descartar totalmente a ideia de geração, o interesse do escritor bíblico não se concentra nesse ponto, mas no fato de que aqueles indivíduos estavam encarando uma situação séria e dolorosa tragédia. Nesses casos a tradução “único” é mais apropriada, pois ela enfatiza a enorme magnitude da perda. Não existe nenhum outro filho,
nenhuma outra filha. Eles são insubstituíveis.
Em Hebreus 11:17 Isaque é descrito como o “filho unigênito (monogenēs)” de Abraão. A tradução “único gerado,” “unigênito” deve ser descartada pelo fato de Isaque não ter sido o único filho do patriarca (Gen. 16:3-4; 25:1). Ele é único, o único da sua espécie, no sentido de que ele era “o único filho da promessa”4 (Gen. 21:12).
III. Usos Cristológicos
Quando esse título é aplicado a Jesus Cristo muitas ideias teológicas são expressas que ajudam a esclarecer o significado do termo. Primeiro, Ele é o monogenēs no sentido de que Ele é Divino. Isso é expresso em João 1:185 onde encontramos essa estranha frase “o Deus unigênito [monogenēs Theos]” sendo aplicada a Jesus Cristo. A ideia de geração não se encaixa no contexto de nenhuma maneira. Nesse caso monogenēs serve de aposição a “Deus” e lança luz sobre o uso desse termo. Conquanto Jesus seja humano, Ele também é divino, e conseqüentemente Ele é, e sempre foi “único”; nunca houve ninguém como Ele em todo o universo. Essa frase resume o que João vinha dizendo desde as primeiras palavras de seu evangelho, a saber, que o Verbo se fez carne (João 1:1; 14). Isso explica por que Jesus tinha a liberdade de dizer “Eu e o Pai somos um” (João 10:30).
Segundo, o título monogenēs é aplicado a Cristo para indicar que Ele é o único revelador de Deus: “vimos a sua glória, a glória do unigênito (único [monogenēs]) do Pai, cheio de graça e verdade” (João 1:14). Assim como na passagem previamente analisada o título monogenēs é usado no sentido absoluto, e o termo filho não está ligado a ele. O contexto indica que Ele é único no fato de que Ele é único capaz de revelar a glória de Deus para nós. Isso é possível por que Ele é Divino. Em outras palavras, o título monogenēs fala de Jesus como alguém singular tanto em sua identidade quanto em suas funções. Essas duas ideias estão contidas em João 1:18 “ninguém jamais viu a Deus, mas o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou.” Sua natureza divina e sua proximidade com o Pai o tornaram possível ser o único revelador do Pai.
Terceiro, o título monogenēs identifica a Jesus como o único redentor através do qual o amor redentor de Deus nos alcança: “Nisto se manifestou o amor de Deus em nós: em haver Deus enviado o seu Filho unigênito (único) ao mundo, para vivermos por meio dele.” (1 João 4:9). Aqui encontramos os dois termos juntos “filho” e monogenēs. Em sua missão redentora Jesus demonstrou ser o único Filho de Deus, ter um relacionamento único com Deus de forma a possibilitar a nossa redenção. De fato, o Pai nos amou a tal ponto que Ele deu “Seu único (monogenēs) Filho” para salvar aqueles que nEle crêem (João 3:16, 18).
Quando o título monogenēs se refere a Jesus ele designa a singularidade da sua natureza, a singularidade de sua relação com o Pai, sua singularidade como revelador de Deus, e sua singularidade como Redentor. Não existe outro alguém como Ele. Ele é o único de sua espécie. A ideia do “único gerado,” “unigênito” do Pai não aparece nessas passagens e nem é requerida nos contextos específicos onde o termo monogenēs aparece se referindo a Cristo. O termo se refere à natureza de Cristo e Sua missão.
IV. Do “único, singular” para “o único gerado,” “unigênito” A tradução “unigênito,” “único gerado” chegou à nossas bíblias através das versões latinas.6 Os manuscritos latinos mais antigos traduziam monogenēs nas passagens cristológicas como unicus (“único”), mas na versão de Jerônimo essa tradução foi mudada para unigenitus (“unigênito”). A mudança aparentemente ocorreu durante as controvérsias arianas. Ário e seus seguidores ensinavam que Cristo fora criado. Os apologistas argumentavam que Cristo era o único já antes da criação. De acordo com eles a geração do Filho a partir do Pai fora Eterna e, portanto, Ele não era um ser criado. Em outras palavras, quando a frase “único gerado” era aplicada a Jesus eles tinham o objetivo de estabelecer a eterna igualdade entre o Pai e o Filho.
A ênfase bíblica e adventista no grande conflito situa a singularidade de Cristo no centro de sua análise teológica. Há um inimigo que afirma ser como Ele, e que no céu, bem como na história humana, tentou e continua a tentar usurpar sua singularidade. O título monogenēs torna claro que não há ninguém como Cristo na totalidade do cosmos. Ele é, de fato, o único da sua espécie!
Referências
1 – See, J. A. Fitzmyer, “Monogenēs,” in Exegetical Dictionary of the NT, vol. 2, edited by Horst Balz and Gerhard Schneider (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1981), 439.
2 – For these examples consult, Gerhard Pendrick, “Monogenēs,” New Testament Studies 41 (1995): 588; and Fitzmyer, 440.
3 – This was done, among others, by James M. Bulman, “The Only Begotten Son,” Calving Theological Journal 16 (1981): 56-79.
4 – Fitzmyer, 440.
5 – There are some textual problems here, but the reading found in most modern translations appears to be the best one.
6 – On the history of this change see, Dale Moody, “God’s Only Son: The Translation of John 3:16 in the RSV,” Journal of Biblical Literature 72 (1953): 214-216; R. L. Roberts, “The Rendering of ‘Only Begotten’ in John 3:16,” Restoration Quarterly 16 (1973): 2-3, 6-7.