Uma igreja cuja liderança é temente a Deus e está unida por um objetivo comum não conhece limites em suas realizações
Toda prática cristã tem origem na leitura da Bíblia e da observação da vida de Jesus. Assim, quando pensamos em reavivamento e reforma, buscamos exemplos bíblicos da maneira pela qual essa prática aconteceu. Um dos momentos bíblicos de reavivamento e reforma é relatado no livro de Neemias, capítulo 8. O povo havia passado 70 anos cativo em Babilônia, até que os persas a conquistaram e permitiram que os israelitas voltassem para Jerusalém. O primeiro grupo de israelitas voltou para casa sob a liderança de Zorobabel, que reconstruiu o templo. Esdras liderou o segundo grupo e teve como missão restaurar as leis civis e a religião judaica.
O último grupo foi liderado por Neemias, por volta do ano 444 a.C., com o desafio de reconstruir os muros de Jerusalém. Neemias completou a reconstrução do muro em apenas 52 dias, enfrentando inimigos e diversas dificuldades. Foi nesse ponto da história que o foco principal se tornou o reavivamento e a reforma para o povo que, havia tanto tempo, estava distante de sua terra e de sua religião.
O povo foi reunido perto da chamada Porta das Águas, aproximadamente 450 metros da área do templo, e Esdras foi convidado a abrir os rolos do Pentateuco.[1] “Quando chegou o sétimo mês e os israelitas tinham se instalado em suas cidades, todo o povo juntou-se como se fosse um só homem na praça, em frente da Porta das Águas. Pediram ao escriba Esdras que trouxesse o Livro da Lei de Moisés, que o Senhor dera a Israel” (Ne 8:1).
Líderes do reavivamento e reforma
Segundo o relato bíblico, dois nomes se destacam nesse recomeço para a nação de Israel, cada um com suas características diferentes. Esdras era escriba, intelectual e professor. Foi também instituído como sacerdote. Neemias era copeiro profissional e aparece mais como administrador com espírito empreendedor. Gerenciou com tanta destreza a construção dos muros de Jerusalém que em 52 dias tudo estava concluído.
Na Igreja Adventista do Sétimo Dia, temos líderes com características distintas, mas uma característica presente na iniciativa de Esdras e Neemias serve de exemplo para a igreja atual: apego à Bíblia e valorização dela.
O fato de os líderes terem escolhido abrir os rolos das Escrituras e ler para o povo é um modelo eficaz do ponto de partida da reforma. Esdras poderia muito bem resolver discursar com sua capacidade intelectual, convencer com seus argumentos sólidos, mas simplesmente abriu a Bíblia, leu-a e a explicou. Não precisamos de nada além da Bíblia, para aprender acerca da verdade de Deus para nós. Depois de construído o muro ao redor de Jerusalém, chegou o momento para construir um muro de ideias e conselhos divinos para o povo.
Esdras não estava sozinho nessa ação de reavivamento e reforma. Ao seu lado, no púlpito de madeira, estavam treze líderes representando cada família do povo. “O escriba Esdras estava numa plataforma elevada, de madeira, construída para a ocasião. Ao seu lado, à direita, estavam Matitias, Sema, Anaías, Urias, Hilquias e Maaseias; e à esquerda estavam Pedaías, Misael, Malquias, Hasum, Hasbadana, Zacarias e Mesulão” (Ne 8:4).
A experiência de reavivamento e reforma relatada em Neemias 8 é um esforço coordenado entre todos os líderes e o povo. Uma ação isolada e sem apoio não teria o mesmo efeito sobre a espiritualidade da nação.[2]
O povo do reavivamento e reforma
No primeiro verso do capítulo 8 há uma ênfase sobre o fato de o povo reunido parecer um só homem. Em qualquer situação que observarmos, a união fortalece o grupo. Quando vemos pássaros em voo, ou um bando de pinguins, a unidade é realçada, pois a sincronia é perfeita. Um povo com líderes tementes a Deus e unido por um interesse – reavivamento e reforma – não conhece limites em suas realizações.
Além de unido, o povo estava disposto a ouvir, mostrando como a postura ao se reunir é tão importante quanto o fato de estar reunido. O texto bíblico afirma que o povo ficou em pé ouvindo a leitura da Bíblia, desde a manhã até ao meio-dia, que soma quase seis horas. Todo o povo estava unido, em silêncio, e se deleitava com a leitura da descrição da criação, da história dos primeiros seres humanos, das leis que Deus havia estabelecido para a nação.
Não se tratava de um ato de sacrifício para alcançar a graça de Deus. Na verdade, era um reflexo do interesse, valor, submissão e motivação de um povo sedento pela Palavra do Senhor. O povo estava reunido no centro da cidade, perto da fonte de Giom. Não estava junto ao templo, como seria de se esperar. Aqui, a lição é que a Palavra de Deus precisa estar disponível a todos. O reavivamento e a reforma não devem ser exclusividade do ambiente da igreja. O fato de o povo estar reunido no centro da cidade, na praça, indica que essa mudança de atitude deve fazer parte da vida diária do cristão.
Contrariando uma tendência da época, de menosprezar a importância de mulheres e crianças, na ocasião em que Esdras leu a Bíblia para o povo, não houve distinção entre homens e mulheres. No verso 3, todos os que entendiam a língua ali estavam ouvindo. Se essa já era uma demonstração moderna de igualdade, o que dizer do momento em que o povo se dividiu em pequenos grupos e treze líderes naturais, mais os levitas, se tornaram professores de pequenas unidades? “Os levitas Jesua, Bani, Serebias, Jamim, Acube, Sabetai, Hodias, Maaseias, Quelita, Azarias, Jozabade, Hanã e Pelaías, instruíram o povo na Lei, e todos permaneciam ali. Leram o Livro da Lei de Deus, interpretando-o e explicando-o, a fim de que o povo entendesse o que estava sendo lido” (Ne 8:7, 8).
Encontramos os levitas como líderes espirituais, mas também vemos pais de família e líderes naturais explicando individualmente o que estava escrito nos rolos.
Atualmente, temos uma estrutura de Escola Sabatina e de pequenos grupos cuja proposta é ser mais um instrumento de reavivamento e reforma. Diante dessa perspectiva, todos somos um pouco professores e alunos. Cada cristão é chamado a testemunhar a respeito do evangelho. Aprendemos, ensinamos, compartilhamos a mensagem e, ao compartilhá-la, aprendemos novamente com as pessoas a quem ensinamos. Essa dinâmica do evangelho cria uma cultura de aprendizado e reforça a ideia de igualdade.
Praticando a verdade
A reação do povo à leitura da Bíblia e ao entendimento de suas orientações foi primeiramente de choro; depois, de alegria e finalmente de ação, por meio da participação na Festa dos Tabernáculos. De acordo com Cyril Barber,[3] na época de Neemias, o reavivamento e a reforma envolveram intelecto, sentimento e vontade do povo.
Um exitoso movimento de reavivamento e reforma deve atingir esses três níveis do ser humano. O objetivo de reavivar e reformar é trazer maior vitalidade e profundidade espiritual para os cristãos. Para alcançar esse objetivo, é preciso informar e ensinar. É a partir desse aprendizado que o cristão sente que é pecador, é levado ao arrependimento, sente o amor de Deus manifestado através do plano da salvação e passa a agir conforme a vontade de Deus.
Choro de arrependimento
No verso 9 do capítulo 8 do livro de Neemias, lemos que o povo começou a chorar. Através da leitura racional da Palavra de Deus, o sentimento do povo foi atingido. “Então Neemias, o governador, Esdras, o sacerdote e escriba, e os levitas que estavam instruindo o povo disseram a todos: ‘Este dia é consagrado ao Senhor, o nosso Deus. Nada de tristeza e de choro!’ Pois todo o povo estava chorando enquanto ouvia as palavras da Lei” (Ne 8:9).
O choro era uma atitude natural e real diante de tantos erros e de uma distância tão grande entre sua vida e o que Deus propunha para o povo. O arrependimento e a sensação de falta de merecimento tomaram conta do povo. Elinaldo Renovato[4] afirma que alguns trechos da leitura da lei continham terríveis condenações de Deus para o povo, por causa do pecado da desobediência. Ao serem lidos, provocaram grande temor entre os ouvintes.
A distância do ideal provoca uma reação imediata de tristeza. É nessa situação que, pela primeira vez no capítulo, Neemias aparece como líder do povo e toma uma atitude.[5] Como seria bom se pudéssemos levar o povo a entender de uma vez por todas que nada se pode fazer diante do pecado, não existe nenhuma possibilidade de alcançarmos a salvação por nós mesmos. Nessa situação, chorar, tendo o orgulho quebrantado, sem perder de vista a solução que existe em Cristo Jesus, torna-se a primeira reação adequada.
Alegria na verdade
Orientado pelos líderes, o povo se voltou para a solução do problema e passou a vislumbrar a grande vitória no Senhor. Era uma ocasião que tinha de ser comemorada com as melhores comidas e bebidas. Nessa fase, a alegria foi contagiante.
Diferente do que estamos acostumados a ver, essa alegria não era exclusivista. Ninguém tinha que perder para outro ganhar, todos estavam incluídos, a comida devia ser compartilhada. Ninguém devia ficar do lado de fora da comemoração do reavivamento. De acordo com Derek Kidner, a alegria no Senhor é uma alegria que revigora e que não é escapista nem evanescente.[6] A atenção de Neemias para com os que não tinham algo preparado para si estava bem arraigada no seu próprio ponto de vista e prática.
A ordem do verso 10 é um exemplo do que deveria ser o resultado, em temor de sentimento, de uma iniciativa moderna para reavivamento e reforma: “E Neemias acrescentou: ‘Podem sair, e comam e bebam do melhor que tiverem, e repartam com os que nada têm preparado. Este dia é consagrado ao nosso Senhor. Não se entristeçam, porque a alegria do Senhor os fortalecerá’ (Ne 8:10).
Agindo conforme a verdade
Enquanto liam o Pentateuco, e mais especificamente o livro de Deuteronômio, os líderes descobriram que Deus havia ordenado a realização da Festa dos Tabernáculos exatamente no sétimo mês, e que, fazia muito tempo, o povo não realizava essa festa de sete dias. Parte da festa consistia em fazer tendas e morar nelas durante esse período, assim como chamar os israelitas que não moravam em Jerusalém para vir até a cidade, a fim de celebrá-la.
Essa era a última das sete festas do ano religioso (Lv 23). Diferente da contrição da festa anterior, o Dia da Expiação, era um momento de muito júbilo e alegria. O juízo havia passado e o perdão dos pecados estava garantido.
Era também uma festa de colheita, e havia um espírito de gratidão por tudo o que o Senhor havia feito durante o ano.[7] Como adventistas do sétimo dia, entendemos que o Dia da Expiação aponta para o evento escatológico anterior à vinda de Jesus.[8] Então, se cada festa judaica representa um momento da história da salvação, concluímos que o antítipo da Festa dos Tabernáculos é o encontro dos salvos com Cristo.
Nosso reavivamento
Estamos no fim da história da humanidade. Enquanto somos ameaçados por todo tipo de influência mundana, temos que buscar segurança no conhecimento da Palavra de Deus. É neste período que, mais do que nunca, devemos abrir a Palavra, ouvir a verdade, aprender e ensinar, inspirando pessoas a fazer a última escolha que tem valor verdadeiro: seguir a Jesus Cristo.
O exemplo bíblico de reavivamento e reforma demonstra que o sucesso nessa empreitada está fundamentado em atingir o coração de cada cristão através de argumentos intelectuais, emoção e vontade.
Está claro que há necessidade de uma estratégia de ação e pensamento que envolva líderes e liderados. Todos devem ser considerados iguais, e a ação não deve ser limitada apenas ao ambiente da igreja, mas deve extrapolar e invadir o dia a dia dos cristãos, para que a Bíblia e o poder do Espírito Santo possam transformar a vida deles.
Certamente, os planos já conhecidos, relacionados com a Escola Sabatina e os pequenos grupos, são eficazes na iniciativa de reavivamento e reforma, segundo o exemplo bíblico. A participação da liderança voluntária, unida ao pastorado, é fundamental para que todos sejam alcançados. O direcionamento da ação é o desdobramento lógico para que a iniciativa não fique restrita ao intelecto e ao sentimento. A principal motivação deve ser sempre a missão e a salvação.
Assim como o povo de Israel se regozijou naquela comemoração especial da Festa dos Tabernáculos, poderemos participar da festa no Céu.
Referências:
1 Chester O. Mulder, R. Clyde Ridall, W. T. Purkiser, Harvey E. Finley, Robert L. Sawyer, C. E. Demaray, Comentário Bíblico Beacon – Josué a Ester (Rio de Janeiro, RJ: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2005), v. 2, p. 526.
2 Cyril Barber, Neemias e a Dinâmica da Liderança Eficaz (São Paulo, SP: Editora Vida, 2005), p. 110.
3 Ibid.
4 Elinaldo Renovato, Livro de Neemias – Integridade e Coragem em Tempos de Crise (Rio de Janeiro, RJ: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2011), p. 83.
5 Ibid., p. 82.
6 Derek Kidner, Esdras e Neemias – Introdução e comentário (São Paulo, SP: Editora Mundo Cristão, 1985), p. 117.
7 William L. Coleman, Manual dos Tempos e Costumes Bíblicos (Venda Nova, MG: Editora Betânia, 1991), p. 268, 269.
8 Nisto Cremos: Ensinos Bíblicos dos Adventistas do Sétimo Dia, p. 421.