A interpretação adventista de Mateus 24:14 e suas implicações missiológico-escatológicas

A interpretação adventista de Mateus 24:14 e suas implicações missiológico-escatológicas

A interpretação adventista de Mateus 24:14 e suas implicações missiológico-escatológicas

Javier A. Badano

Pastor no norte de Mendoza

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Existem diferentes interpretações para o texto de Mateus 24:14. Interpretações preteristas,1 dispensacionalistas2 e historicistas.3 Na interpretação historicista, alguns o veem como um texto que fornece um certo mecanismo para atrasar ou adiantar o cumprimento da parousia;4 outros o veem como um texto que será progressivamente cumprido, até que a tarefa de evangelização mundial seja concluída, e então Jesus retornará.5 E um terceiro grupo vê um cumprimento profético com ênfase neste ponto, baseado no trabalho realizado pelos crentes até então, mas alimentado por um impulso extraordinário, por meio da chuva serôdia,6 para a evangelização mundial. Este grupo visualiza como impossível, humanamente falando, o cumprimento total da evangelização mundial predita em Mateus 24:14 sem este impulso extraordinário.7

 

A interpretação adventista de Mateus 24:14

 

Os intérpretes adventistas seguem em sua maioria a escola historicista.8 Mas não há acordo geral sobre como o texto de Mateus 24:14 deve ser interpretado, e também não há acordo quanto às implicações escatológicas e missiológicas de tal interpretação.9 Assim como o historicismo em geral propõe três maneiras básicas de interpretar este texto, no adventismo, existem essas mesmas três maneiras. Cada uma dessas maneiras de ver o texto de Mateus 24:14 afeta as expectativas e o serviço dos membros da Igreja Adventista em todo o mundo de uma maneira diferente.

Hans LaRondelle ensina com clareza cristalina o que o Senhor, em resumo, quis dizer ao falar as palavras de Mateus 24:14: “Quando Jesus disse que o evangelho deve primeiro ser pregado, ele enfatizou o fato de que o fim não virá até que o evangelho seja levado a todas as nações da terra.”10 Parece que, depois de tal afirmação categórica, não há mais nada a dizer sobre ela. No entanto, LaRondelle está apenas descrevendo a mecânica dos eventos profetizados pelo texto. O problema não se concentra em tal prossecução de fatos. O problema gira em torno da ênfase dada ao papel de Deus e ao papel dos seres humanos no cumprimento desses fatos.11

 

Atrasar ou adiantar a parousia

 

Willian Johnsson explica em seu livro, The Fragmentation of Adventism, que um foco de polarização dentro da igreja tem a ver com a maneira como Mateus 24:14 e outros textos do NT12 são compreendidos. Para Johnsson, alguns adventistas se sentem culpados porque acreditam que Cristo está demorando porque não cumpriram a missão de pregar o evangelho.13 O que o autor descreve é ​​que alguns ao olhar para Mateus 24:14 veem um mecanismo para atrasar ou abreviar a parousia. Isso traz frustração, descrença e sofrimento ao povo de Deus; e representa um comprometimento dos propósitos da divindade, atentando contra a soberania divina.14 O binômio adiar-atrasar (acelerar), funciona na prática como parte de um mesmo pensamento na mente dos crentes. Ou seja, quem acredita que a parousia se atrasou por negligência missionária, ou espiritual, também acredita o contrário. Em outras palavras, a parousia pode acontecer rapidamente se o povo de Deus cumprir sua missão global e se consagrar novamente. Este conceito afeta decisivamente a imagem que o cristão pode ter do caráter de Deus. Segundo Robert Johnston: “É muito comum entre os adventistas se dizer: vamos terminar a obra para que o Senhor venha, isso está fora de lugar com relação à sua soberania.”15 Quando uma das características de Deus é afetada, todo o restante é afetado. Se Deus não é soberano, Ele também não está no controle de nada e só age como resultado de impulsos humanos caprichosos. Isso modifica o que alguém pode pensar sobre o amor e a misericórdia de Deus, e até mesmo como seu plano de salvação é percebido. Obviamente, como a Bíblia indica claramente,16 o texto de Mateus 24:14 não deve ser considerado de forma desequilibrada. Ou seja, para enfatizar a soberania de Deus, perder de vista a obra que todo crente deve realizar, por meio da tarefa missionária; e a necessidade de que a transformação do caráter ocorra por meio do Espírito Santo. Arnold Wallenkampf diz sobre isso: “Às vezes, temo que nós, como igreja, falemos demais sobre o cumprimento da missão de Deus na terra. A tarefa de anunciar o convite evangélico, em última análise, pertence a Deus, não a nós. Mas Deus quer que nos juntemos a Ele nessa obra.17

Na interpretação e aplicação de Mateus 24:14, um grande cuidado deve ser exercido. Não enfatizar o papel de Deus em detrimento do dos seres humanos. Não enfatizar o papel dos seres humanos em detrimento do de Deus. Não desanimar com aparentes atrasos, nem perder de vista os desígnios de Deus e Seu poder. Não pregar com motivos errados (para que Cristo venha), ou parar de fazê-lo porque Deus o fará totalmente. Em tudo isso está o equilíbrio.

 

A conclusão progressiva da obra

 

Outra maneira de interpretar o texto de Mateus 24:14 pelos teólogos adventistas, é vê-lo como um indicador do cumprimento progressivo da obra missionária. Em outras palavras, o trabalho missionário será concluído até que englobe todos os habitantes da Terra, e então virá o fim. Vários desses expoentes pertencem à área missiológica, e espera-se que evidenciem a missão da igreja. Mas parece que essa maneira de ver o texto bíblico não faz justiça a ele ou ao seu contexto. Quem assim se expressa parece ter diferentes graus de opinião quanto ao papel do ser humano no cumprimento da obra missionária. Para visualizar este último, pode-se citar:

 

A obra de Deus terminará com uma grande manifestação do poder do Espírito. Agora mesmo, alguns eventos extraordinários – como a abertura de países inteiros fechados por anos à pregação do Evangelho – estão começando a acontecer. As barreiras políticas, sociais ou raciais estão mais uma vez sendo removidas pela ação do Espírito, para que com seu poder ilimitado, a igreja avance como nunca antes, e conclua a tarefa confiada.18

 

Parece notar-se uma tendência para o cumprimento progressivo de Mateus 24:14,19 embora o autor reconheça a necessidade do elemento divino para terminar a obra, que de outra forma não seria concluída.20 Pode-se dizer que esse teólogo usa levemente a ênfase no papel humano, para explicar a finalização da obra a partir do texto de Mateus.21 Outros autores adventistas talvez sejam mais ousados ​​ao descrever como a obra terminará e então virá o fim. Um desses autores é Marvin Moore, que indica que Mateus 24:14: “é o sinal mais específico do fim em toda a Bíblia.”22 Isso é indiscutível, visto que Mateus 24:14 está precisamente imerso em um contexto de sinais e responde à terceira parte da preocupação que os apóstolos deram a conhecer a Jesus.23 Apesar de ser claro neste aspecto, Moore parece enfatizar bastante o elemento humano. Para o autor, só Deus sabe quando cada um dos habitantes do planeta será admoestado.24 Isso o ajuda a compreender que a obra de evangelização mundial e sua consequente realização é progressiva. Referindo-se a este último, pode-se citar: “[…] proponho que, a partir da segunda metade do século 19, Deus passou a colocar nas mãos do ser humano os meios para anunciar o Evangelho muito mais rapidamente.”25 Na verdade, o teólogo adventista rejeita a ideia de que a evangelização mundial, como um esforço humano, não é suficiente e nem nunca será para completar com sucesso a obra.26 Moore se expressa categoricamente a esse respeito, dizendo: “Eu desafio esta afirmação.”27 A ideia de progredir na evangelização até finalmente completar a obra descrita em Mateus 24:14, parece dominar sua visão dos eventos finais. O conceito progressivo para este autor tem ampla validade.28 É no plano eclesiástico onde essa ideia impacta a práxis e as expectativas da igreja. Ano após ano é desejado, planejado, admoestado, enfatizando o papel humano e a ideia do progresso como instrumento definitivo para o cumprimento da missão. Como exemplo do anterior, é possível citar: “Entendemos que a missão global não deve diminuir o passo, mas apressá-lo, até que toda a terra seja iluminada por sua glória. Queira Deus que todos nós possamos ser os arquitetos do triunfo final profetizado.”29 Esse tipo de raciocínio, conforme declarado anteriormente, traz angústia, culpa e consternação sobre o povo de Deus, pois o pesado fardo de ser “arquiteto” da conclusão da obra é colocado sobre os ombros dos crentes, quando o único supremo arquiteto é Deus, que derramará seu Espírito sobre os fiéis para terminar a proclamação do evangelho a todo o mundo.

 

Mateus 24:14 e seu cumprimento dado por Deus

 

Ao ler Mateus 24:14, vários intérpretes adventistas veem neste texto tanto uma sequência de eventos que ocorrerão antes da segunda vinda de Cristo, quanto um sinal indiscutível que anuncia o fim.30 Mateus 24:14 não contém nenhum mecanismo para avançar ou atrasar a segunda vinda. Nem parece que sua ênfase foi em relatar o progresso da obra atual, embora certamente a inclua. Comentando sobre este mesmo Juan Carlos Viera escreveu:

 

[…] Cristo não está falando no tempo condicional. Para ele, a primeira realidade – pregar a todo mundo – é tão certa quanto a certeza de que o fim virá. A única coisa que Ele está apresentando para nós é uma sequência de eventos. Primeiro, haverá – sem dúvida – a pregação do evangelho em todo o mundo; segundo, o fim virá.31

 

Sem dúvida, este último coincide com a estrutura do capítulo 24 de Mateus, onde se fala de sinais, sendo o que está expresso no versículo 14, o último sinal antes do fim. Quando você olha para as palavras do grego koiné que compõem o texto, você rapidamente vê que a expressão “será pregado” é uma conjunção verbal encontrada no futuro passivo do indicativo.32 O que mostraria que o evangelho não proclama a si mesmo,33 mas por meio de instrumentos. Esses instrumentos são os crentes que, imbuídos do Espírito Santo (a raiz da chuva serôdia), terminarão a obra, e “então virá o fim”. George Reid explica da seguinte maneira: “Ele vai terminar Sua obra. Só Ele pode fazer isso corretamente”34. Deus é quem fará a pregação total do evangelho, homens e mulheres consagrados de fé serão os recipientes da chuva serôdia, e então terminarão a obra, e Jesus voltará.35

 

Conclusão

 

Para Ellen G. White, pelo menos duas coisas ocorrerão antes da parousia, relacionadas a Mateus 24:14. Uma é a saída do povo de Deus de Babilônia.36 A outra é o derramamento da chuva serôdia e a consequente conclusão da obra.37 Mas, que posição ocupa o trabalho missionário para Ellen G. White hoje, e que posição ocupa a consagração hoje? O trabalho missionário hoje, para ela, deve ser amplo e árduo por dois motivos: muitos crerão para serem salvos e é preciso semear em abundância para a grande colheita mundial.38 Além disso, diz a autora inspirada, o crente hoje tem a oportunidade de se apegar à santificação por meio do Espírito Santo, e ser capaz de se preparar para a segunda vinda e para a chuva serôdia.39 A visão de Ellen G. White dos eventos finais coincide totalmente com Mateus 24:14. Existem algumas citações que, tiradas do contexto do restante dos escritos, podem implicar que Ellen G. White apoiou a ideia do atraso ou da antecipação da segunda vinda. Essas citações têm apenas como objetivo animar a obra evangelizadora e promover a consagração dos fiéis.40 Na verdade, Ellen G. White via apenas Deus como aquele que terminaria a obra, e apenas Seu poder e majestade como guias para os eventos finais.41

Mateus 24:14 deve ser visto pelos adventistas não de uma forma desequilibrada. Em outras palavras, não é necessário enfatizar o papel do ser humano sobre o divino ou vice-versa.42 Mateus 24:14, é um sinal, mostra uma sequência de acontecimentos, e é uma síntese entre a ação divina, que toma a iniciativa final para concluir a obra, e o papel humano, que “pelo testemunho,”43 tendo recebido o Espírito Santo, leva à cabo esta conclusão. Uma citação final pode ajudar a entender de forma definitiva como ela deve ser analisada, e sob que parâmetro a mensagem presente em Mateus 24:14 deve ser vista: “… devemos sempre lembrar que Deus não depende de nós. Em Sua longanimidade e amor, Ele nos dá o privilégio de nos unirmos a Ele com o propósito de alcançar outros seres humanos caídos, mas o plano é Dele.”44 Esses pensamentos trarão paz e segurança ao coração dos crentes, sabendo que tudo está nas mãos de Deus.

 

NOTAS

1 Pierre Bonard. Evangelio según San Mateo (Madrid: Cristiandad, 1976), p. 523. 

2 Willian Farmer. Comentario Bíblico internacional. (Navarra: Verbo divino, 2003), p. 1199. 

3 Jon Dybdahl. Andrews study Bible (Berrien Spring, Michigan: Sutherland House, 2010), p. 1284. 

4 Charles Eedman. El evangelio de Mateo. (Grand Rapids, Michigan: TELL, 1974), p. 242. 

5 Wolfgang Trilling. El evangelio según San Mateo tomo II (Barcelona: Herder, 1970), p. 264-265. 

6 Leo Van Dolson. El rey ha venido (Buenos Aires: Casa Editora Sudamericana, 1989), p. 103-104. 

7 Walter Elwel. Evangelical comentary on the Bible (Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1989), p. 752.

8 Gehard Pfanl. “In defense of the year-day Principle”. Journal of the adventist theological society. Ano 23, Nº 1, 2012, p. 3. 

9 Ver Carlos Steger. “La demora de la segunda venida”. Marcos: el evangelista del tiempo cumplido (Lima: Ediciones Teologika, 2003), p. 179-186. 

10 Hans LaRondelle. Las profecías del fin (Buenos Aires: Asociación Casa Editora Sudamericana, 1997), p. 44. 

11 Mario Veloso. Apocalipsis y el fin del mundo (Buenos Aires: Asociación Casa Editora Sudamericana, 1999), p. 220.

12 William Johnsson. The Fragmenting of Adventism (Boise, Idaho: Pacific Press Publishing Association, 1995), p. 75. 

13 Ibid. 

14 Arnold Wallenkampf. La Demora Aparente (Buenos Aires: Asociación Casa Editora Sudamericana, 1997), p. 136. 

15 Robert Johnston. “Apocalyptic and free will”. Journal of the Adventist Theological Society. Ano 22, Nº 2, 2011. p. 36. 

16 Ver Provérbios 4:27.

17 Arnold Wallenkampf. La demora aparente. p. 105.

18 Juan Carlos Viera. Viene Espéralo con Alegría (Buenos Aires: Asociación Casa Editora Sudamericana, 1997), p. 73. 

19 Ibid. p. 59-73. 

20 Ibid. 

21 Juan Carlos Viera. La Iglesia y el Mundo (Brasilia: SALT, 1990), p. 42-43. 

22 Marvin Moore. La demora (Buenos Aires: Asociación Casa Editora Sudamericana, 2013), p. 73. 

23 Ver Mateus 24:3. 

24 Marvin Moore. p. 73. 

25 Ibid. 

26 Ibid. p. 209. 

27 Ibid. 

28 Ibid.

29 Heriberto Peter. Unidos en Cristo (Villa Libertad, Misiones: AAN, 1999), p. 85.

30 George Knight. The Fat Lady and The Kingdom (Boise, Idaho: Pacific Press Publishing Association, 1995), p. 57.

31 Juan Carlos Viera. Viene espéralo con alegría. p. 65.

32 Carmelo Martines. “La metodología de la misión en los textos de la misión”. DavarLogos: Volume 8, Nº 2, Ano: 2009. p. 159.

33 Ibid.

34 George Reid. “La predicación del evangelio y el regreso de Cristo”. Revista Adventista, outubro de 1985. p. 4.

35 Mario Veloso. Apocalipsis y el fin del mundo (Buenos Aires: Asociación Casa Editora Sudamericana, 1999), p. 222.

36 Ellen G. White. O Grande Conflito (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2006), p. 604.

37 Ibid. p. 611-612.

38 Ibid. p. 612.

39 Mario Veloso. p. 218.

40 Arnold Wallenkampf. p. 112.

41 Ibid. p. 112-113.

42 Ver Carlos Steger. p. 186-188.

43 Carmelo Martines. “La metodología de la misión en los textos de la misión”. p. 159-160.

44 George Reid. “La predicación del evangelio y el regreso de Cristo”. p. 4.