A missão do pastor

“Seu trabalho consiste em alimentar e aumentar o rebanho do Senhor”

por Rubens S. Lessa

Certo índio, fiel adventista, morava na cidade de Ponta Porã. Ao saber que o pastor que o batizara estava muito enfermo, foi à cidade de Campo Grande, MS, para visitá-lo. Ao chegar à recepção do hospital, soube que as visitas estavam proibidas, devido ao delicado estado de saúde do paciente. Ele, porém, não desistiu e solicitou à enfermeira que falasse com o medico de plantão. “Apenas dois minutos”, propôs o médico. Já no quarto, o índio olhou demoradamente para o pastor e perguntou-lhe:

– O senhor se lembra da mim?

– Sim, me lembro; eu o batizei lá em Ponta Porã.

– Pois é, pastor, vim aqui para agradecer tudo o que o senhor fez por mim. A enfermeira falou que não posso ficar muito tempo aqui no quarto. Mas, antes de ir embora, gostaria que o senhor soubesse que sua influência foi muito importante em minha vida.

O pastor, com a voz extremamente fraca, orou pelo índio, que chorava copiosamente. Terminada a prece, o visitante disse: “Pastor, se eu não puder ver o senhor outra vez neste mundo, quero vê-lo no Céu.”

Esse diálogo, poucos dias antes do falecimento daquele servo de Deus, foi a coroação de uma vida dedicada ao ministério da pregação. Poderia haver algo mais gratificante?

Conhecimento mútuo

A credibilidade de todo pastor bem-sucedido estriba-se em dois fundamentos: conhecer as ovelhas e fazer-se conhecido entre o rebanho. Jesus, nosso modelo, afirmou: “Eu sou o bom pastor; conheço as Minhas ovelhas, e elas Me conhecem a Mim.” João 10:11.

A familiaridade com os membros da igreja consiste em saber a origem, o temperamento, a situação de trabalho, as necessidades espirituais e os problemas que cada um deles enfrenta no dia-a-dia. Isso requer contato pessoal, senso de observação e muita empatia. Além disso, todo pastor deve ter percepção para detectar as reações de cada membro em relação às atividades da igreja. Com o tempo, ele verá que há três grupos de pessoas à sua volta: o grupo hostil, que ativa ou passivamente se opõe a seus esforços no sentido de atingir determinadas metas; o grupo vagaroso, cuja motivação é insuficiente para cooperar na realização da meta comum e o grupo entusiástico, que apóia seu interesse em alcançar as metas propostas.

A percepção da realidade de cada membro é importante, mas não suficiente. É necessário que o pastor conquiste os oponentes e os vagarosos para o time dos entusiásticos. O presidente Truman costumava dizer: “Líder é a pessoa que tem a habilidade de fazer com que os outros façam o que não queriam fazer, e gostem de fazê-lo.” Também é fundamental que o líder tenha sonhos que motive os membros. Sua oração diária, nas palavras de um autor desconhecido, deveria ser: “Dá-me homens à altura de minhas montanhas; dá-me homens humildes, à altura de minhas planícies, homens com impérios em seus propósitos, e eras em seus cérebros”.

O líder que não conhece seus liderados tem dificuldade para levar seus projetos avante. Pode até fazer bons planos, mas não consegue concretizá-los. Liderar não é apenas pintar o barco, mas fazê-lo navegar. Daí a necessidade de fazer com que as pessoas se movam. Li Hung Chang, velho líder chinês, disse que há três tipos de pessoas no mundo: “as que não se mexem, as que são movíveis, e as que movem os outros ”.1

Se, por um lado, o pastor procura conhecer os membros a fi m de motivá-los ao trabalho e ao crescimento espiritual, deve, por outro, dar-se a conhecer. Como? Dando bom exemplo; sendo transparente, humilde e serviçal; demonstrando profundo interesse pelas pessoas; sendo um homem de oração; trabalhando abnegadamente pelas pessoas, movido pelo amor (João 10:1-15).

A missão do pastor vai muito além disso. Trata-se de uma obra multifacetada, que pode ter duas vertentes básicas: apascentar o rebanho e aumentá-lo.

Apascentando o rebanho

o grande pregador e missiólogo John Stott, que tive o privilégio de ouvir na All Souls Church, de Londres, em 1983, sugere cinco papéis que todo pastor precisa desempenhar para alimentar o rebanho do Senhor: despenseiro, arauto, testemunha, pai e servo.2

1. despenseiro.  Segundo Stott, “despenseiro é o empregado de confiança que zela pela correta utilização dos bens de outra pessoa ”.3  o apóstolo Paulo se considerava um despenseiro de Deus (I Cor. 4:1 e 2). Administrava os mistérios do evangelho não como uma coisa obscura, mas como uma verdade revelada. Além disso, tinha profundo senso de responsabilidade: não podia falhar. Essa fidelidade estribava-se em quatro aspectos vitais: 1) Fonte de incentivo  – o pregador não pode falhar; 2) Conteúdo da mensagem  – mensagem completa, sem adição, nem subtração (II Tim. 1:14); 3) Natureza da autoridade do pregador  – autoridade vinda de Deus e 4) Necessidade da disciplina pessoal do pregador  – o despenseiro fi el procura estar a par de todo o conteúdo da despensa.

2. Arauto . Como pregador, o apóstolo Paulo era um arauto. “Para isto fui designado pregador ” (I Tim. 2:7). É interessante ver o contraste entre o despenseiro e o arauto: o despenseiro alimenta a família de Deus; o arauto proclama as boas-novas do evangelho a todo o mundo, mas ambos alimentam.

3. Testemunha . o pregador, como testemunha, fala mediante a influência de seu exemplo. Tem experiência pessoal com Jesus. o pastor não pode falar como alguém que “ouviu dizer”, mas precisa ter a capacidade de falar sobre o que Jesus fez e está fazendo em sua vida.

4. Pai . o relacionamento do pastor com a igreja baseia-se no afeto. A igreja é sua família. Notemos como o apóstolo Paulo considerava o rebanho: “fi lhos meus amados” – I Cor. 4:14; “meus filhos ” – Gál. 4:19; “como pai a seus filhos ” – I Tes. 2:11). o pastor, encarnando a figura do pai, é compreensivo – “ele nos entende ”; é gentil – “nos tornamos carinhosos entre vós ” (I Tes. 2:7). Há, porém, uma séria advertência para os pastores que não vivem a figura do pai: “Ai dos pastores que destroem e dispersam as ovelhas do Meu pasto! – diz o Senhor. ” Jer. 23:1.

Para ser pai, o pastor deve ser simples. Agostinho disse: “A chave de madeira não é tão bonita quanto à de ouro, mas se ela abre uma porta que a chave de ouro não consegue abrir, é muito mais útil.”

Além dessas qualidades, o pai se interessa pelos fi lhos. No Expositor’s Greek Testament , sobre II João 12, há o seguinte relato:

“o dr. dale, de Birminghan, tinha preconceitos contra o evangelista Moody. Mas, após ouvi-lo, sua opinião foi alterada. Ele passou a encará-lo com grande respeito, considerando que ele tinha o direito de pregar o evangelho, ‘pois era incapaz de falar de uma alma perdida sem lágrimas nos olhos’.”

A promessa de Deus aos pastores é claramente expressa em Jeremias 3:15:

“dar-vos-ei pastores segundo o Meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência.”

Não nos esqueçamos, porém, de que todo pai responsável delega funções aos fi lhos mais velhos para ajudar os mais novos ou mais fracos. Assim, o pastor alimenta o rebanho por meio da participação de ovelhas mais experientes: os oficiais da igreja em todos os níveis.

5. Servo . Em I Coríntios 3:5, lemos: “Quem é Apolo? E quem é Paulo? Servos por meio de quem crestes, e isto conforme o Senhor concedeu a cada um .” A vida de um pastor humilde e serviçal desautoriza o culto de personalidades humanas. o mesmo apóstolo adverte: “Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor. ” I Cor. 1:31. Na sacristia da igreja de Mary-at-Quay Ipswich, lê-se o seguinte:

Quando eu estiver proclamando Tua graciosa salvação, oh vem dominar todo o meu coração; E quando  odos estiverem maravilhados Com a palavra de Jesus, Esconde-me, então, atrás de Tua cruz

O apóstolo Pedro, cuja confiança residia no fi o cortante de uma espada, aceitou, finalmente, a força do amor em sua vida. Por isso estava apto para ouvir a ordem de Jesus: “Apascenta as Minhas ovelhas. ” João 21:17.

É fácil ser um pastor bem-sucedido? Não. david Fisher, autor do livro o Pastor do Século 21 , afirma: “Ser pastor nos dias atuais é mais difícil do que em qualquer outra época de que se tem lembrança .”4

Ele afirma que muitos de seus colegas na América estão abandonando o ministério, e pergunta: “Por que tantos de nós começamos tão esperançosos e sonhadores e acabamos exaustos e desanimados ?” E então cita a opinião do psiquiatra Louis McBurney: “A falta de auto-estima é o problema número um que os pastores enfrentam .”5  Se a cultura norte-americana não valorize o ministério pastoral, algo está errado.

Aumentando o rebanho

Se apascentar o rebanho é uma tarefa solene, aumentá-lo é um dever da mais alta significação. Jesus foi bem claro: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações[…] ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado”  (Mat. 28:19), Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a Mim Me convém conduzi-las ” (João 10:16).

Num artigo publicado na revista o Ministério Adventista , o Pastor Aeschlimann pergunta: “Qual é a genuína missão do pastor? Nem mais, nem menos que pôr a igreja a trabalhar, atribuindo uma tarefa a cada membro, segundo os seus dons. ”6

O exemplo do pastor coreano Paul Yonggi Cho é por demais convincente. No primeiro ano, pediu ao Senhor que lhe desse 150 almas, e as obteve. No Segundo ano, pediu 300, e também conseguiu. No terceiro ano, orou por 600, e o Senhor lhas concedeu. Por último, pastoreava uma igreja de 2.400 membros.

Pouco tempo depois, adoeceu gravemente. Qual a causa? Ele mesmo responde: “Eu cria que devia fazer tudo por mim mesmo. Considerava-me um vaso escolhido por Deus e pensava que Deus só podia usar a mim”.

Mas, durante os anos em que ficou prostrado, estudou a Bíblia e em especial a organização da igreja apostólica. Como resultado, ressuscitou para um ministério totalmente renovado.”7

Iniciativas e atitudes que podem ajudar a expandir o rebanho:

1. Ter alvos e metas bem definidos, com a participação dos membros . Como líder, o pastor ensina e inspira os membros a construir o barco e fazê-lo navegar. Não adianta pintar o barco e deixá-lo atracado no porto.

2. Treinar a igreja para o serviço . A maioria dos pastores se preocupa com a tarefa de batizar, mas se esquece da missão de fazer discípulos. os novos conversos devem ser treinados até se tornarem discípulos.

“o Mestre por excelência escolheu homens humildes, iletrados, para proclamarem as verdades que deviam abalar o mundo. Ele Se propôs preparar e educar esses homens[…]. Eles, por sua vez, deviam educar outros e enviá-los com a mensagem evangélica.”8

“Toda igreja deve ser uma escola missionária para obreiros cristãos.”9

“É intento de Cristo que Seus ministros sejam educadores da igreja na obra evangélica. Cumpre-lhes ensinar o povo a buscar e salvar os perdidos.”10

Transformar cada membro em discípulo, levando-o a:

1) Aceitar o chamado de Jesus e seguir Seu exemplo (Luc. 5:27 e 28);

2) Negar-se a si mesmo e carregar a Sua cruz (Mat. 16:24);

3) Renunciar tudo por Cristo (Luc. 14:33);

4) Manter íntima comunhão com o Mestre (João 15:4 e 5);

5) Permanecer fiel à Palavra de Deus (João 8:31);

6) Estar pronto para testemunhar por Cristo (Rom. 1:15);

7) Nutrir amor pelo semelhante (João 13:35);

8) Sentir paixão pela conquista de almas (I Cor. 9:16);

9) Produzir frutos (João 15:8);

10) Estar disposto a fazer novos discípulos (II Tim. 2:2).

Conclusão

Deus precisa de homens dotados com sabedoria para o êxito da missão da igreja. Sabedoria, neste caso, é o jeito certo de fazer as coisas, sob a direção do Espírito Santo. Tal obra requer líderes espirituais, cuja qualifi cação é bem definida por Sanders:

A liderança espiritual só pode ser exercida por homens cheios do Espírito Santo.”11

Além de poder, o Espírito Santo propicia a todo pastor sincero e humilde uma visão otimista do ministério evangélico. Como disse Powhatan James, “o homem de Deus é capaz de ver as montanhas cheias de cavalos e carruagens de fogo”.

Rubens S. Lessa é redator-chefe da Casa Publicadora Brasileira.

1. Citado por Sanders, Liderança Espiritual (Editora Mundo Cristão: São Paulo, SP, 1985), pág. 20.

2. Stott, John, o Perfil do Pregador (Editora Sepal: São Paulo, SP, 1991), págs. 11-133.

3. Ibidem, pág. 20.

4. Fisher, david, o Pastor do século 21 (Editora Vida: São Paulo, SP, 1999), pág. 5.

5. Ibidem, pág. 7.

6. Aeschlimann. Carlos E., “morte e ressurreição de um pastor”, o Ministério Adventista (Casa Publicadora Brasileira; Tatuí,

SP, julho-agosto, 1986.

7. Ibidem.

8. White, Ellen, Atos dos Apóstolos (Casa Publicadora Brasileira: Tatuí, SP, 1994), pág. 17.

9. ____ , serviço Cristão (Casa Publicadora Brasileira: Santo André, 1981), pág. 59.

10. ____ , o Desejado de Todas as Nações (CPB: Tatuí, SP, 1995), pág. 825.

11. Sanders, J. oswald, op. Cit., pág. 69.