A Necessidade de Reavivamento e Reforma na Igreja

Desde o sermão de apresentação do Pastor Ted Wilson como presidente da igreja mundial no final do mês de julho de 2010 em Atlanta, os dois temas interligados – reavivamento e reforma – tem acompanhado as reflexões da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Suas primeiras palavras foram claras e incisivas e mostraram a necessidade de levar a igreja a um movimento de revitalização espiritual e missionária. 

O reconhecimento desta necessidade ganhou corpo no concílio anual da Associação Geral, nos Estados Unidos, onde cada ano se reúne mais de 300 líderes representando a igreja em todo o mundo. Neste primeiro concílio dirigido pelo novo presidente foi apresentado, analisado e votado o documento mais honesto já publicado na história do adventismo.

Na introdução do documento “Apelo Urgente por Reavivamento, Reforma, Discipulado e Evangelismo”, a liderança mundial da igreja, após confessar a singularidade do movimento adventista, reconhece a necessidade de uma “mudança dramática”[1] para cumprir com o chamado de Deus – “viver e proclamar Sua mensagem de amor e verdade para os últimos dias do mundo (Apocalipse 14:6-12)”. 

Sem dúvida, “um reavivamento da verdadeira piedade entre nós” é “a maior e a mais urgente de todas as nossas necessidades. Buscá-lo, deve ser nossa primeira ocupação.”[2]

Essa busca não significa trazer algo novo, mas antes recuperar algo que se perdeu. A ideia de reavivamento e reforma presume pelo menos duas realidades[3]: (1) que há um padrão pelo qual se espera que o povo de Deus viva; (2) que um afastamento desse padrão exige arrependimento e retorno.

O objetivo do presente artigo é sinalizar fatores que denunciam a necessidade de reavivamento e reforma na igreja.

O ENFRAQUECIMENTO DA VISÃO APOCALÍPTICA.

O primeiro fator que aponta a necessidade de reavivamento e reforma na igreja é o enfraquecimento da visão apocalíptica. 

O adventismo considera-se um povo chamado e que possui uma missão profética. Nunca se viu como apenas mais uma denominação. É essa compreensão que dá identidade e poder ao movimento adventista. Apesar de ser evangélica, nunca foi meramente evangélica. É um movimento profético com uma mensagem centralizada no “Cordeiro sacrificado, assentado no trono”[4]  apresentado no apocalipse. George R. Knight  diz que a maior ameaça do adventismo atual é:  

Perder sua compreensão da visão apocalíptica responsável por nos tornar um povo singular e vital. Os primeiros adventistas liam Apocalipse 14:6, a proclamação do evangelho eterno a “toda nação, e tribo, e língua, e povo”, e concluíam que haviam recebido o chamado de Deus para levar as três mensagens angélicas de Apocalipse 14:6-12 ao mundo inteiro em preparação para o advento retratado imediatamente após essas mensagens (versos 14-20) [5]

E acrescenta:

A compreensão dessa visão apocalíptica literalmente levou os membros da igreja a sacrificar a vida e os recursos para disseminar o que costumavam chamar de “mensagem”.[6]

O fato é que, ao longo da história da Igreja Adventista do Sétimo Dia, gradualmente, a ênfase no “cordeiro crucificado, assentado no trono” no contexto do grande conflito cósmico tem sido substituída pelo que os pragmáticos chamam de “apenas o evangelho”. Esquecem que a “visão apocalíptica”[7]  é o próprio evangelho. Para muitos a igreja é meramente mais outra denominação, apenas um pouco diferente das demais por ensinar a guarda do sábado e uma dieta alimentar restritiva. Já pode ser visto uma grande massa de adventistas com pouca ou nenhuma consciência de seu chamado histórico, superficiais na compreensão das grandes verdades bíblicas, buscando na igreja formas de entretenimento religioso, missionalmente irrelevantes e teologicamente imaturos. O grande desafio que o adventismo tem de enfrentar é o de afirmar a centralidade da morte do Cordeiro e Seu ministério assentado no trono como nosso intercessor no santuário celestial, pois assim,

poderá dar vida à pregação, poder e identidade ao estilo de vida de cada membro da Igreja Adventista no século 21.[8]

Todo o esforço da Igreja, todo o labor teológico, toda a eficiência do discipulado devem, em última instância, conduzir os membros da igreja a dar o sonido certo à trombeta, conscientes de sua singularidade e relevância para esses últimos dias. 

FALHA NA CONSTRUÇÃO DA GRAMÁTICA DA VIDA

O segundo fator denunciante tem haver com a falha na harmonia entre a profissão de fé e o estilo de vida.

A Igreja Adventista chega ao início do século 21 carregando em sua bagagem avanços institucionais dignos das instituições mais bem organizadas. Tem dado uma enorme contribuição para a fé cristã e para sociedade. No entanto, tem falhado na construção de uma gramática que estabeleça uma relação real entre o que seus membros professam crer e a vida. A crise espiritual é fruto da ausência de gramática. Da mesma forma como é necessária uma gramática para dar sentido à linguagem, precisa-se de uma gramática que dê sentido à fé.

Esta falta de harmonia entre o que os membros professam crer e a vida, muito provavelmente tenha surgido pela falta de determinação espiritual para pôr em prática o que já se conhece, por parte daqueles que lideram a igreja. 

Embora não seja a posição oficial da igreja, uma mentalidade racional e cartesiana na compreensão da conversão das pessoas tem ganhado espaço nas práticas pastorais e eclesiásticas, isto é, o que importa é a conversão das convicções, do pensamento ou das crenças. Tornou-se muito comum expressões que ligam conversão ao mero assentimento intelectual a doutrina. É certo que a conversão pressupõe uma mudança de convicções, mas, seguramente, implica muito mais que isto.  Ricardo Barbosa, mostra sua preocupação a esse respeito ao citar Julia Gatta:

A totalidade do ser está envolvida no processo de união com Cristo. Tanto nossa mente como nossos sentimentos precisam caminhar em direção à conversão, à progressiva purificação e, finalmente, à transformação. A renovação intelectual, se não é mais fácil, no mínimo é um assunto relativamente mais simples comparado com a redenção da afetividade. A emoção, especialmente a emoção religiosa, é um fenômeno complexo. O fruto do Espírito não pode ser igualado a um simples “sentir-se bem”.[9]

E conclui: 

Como em todos os outros aspectos da natureza humana, a afetividade precisa ser interpretada, disciplinada e, finalmente, redimida.[10]

Consciente disso, Ellen Gould White aconselha os pastores a não se sentir contentes e

 nem achar que sua obra findou enquanto os que aceitaram a teoria da verdade não compreenderem de fato o efeito de seu poder santificador, e estiverem verdadeiramente convertidos a Deus. Ele Se agradaria mais de ter seis pessoas realmente convertidas à verdade como resultado do trabalho deles, do que sessenta que fazem profissão de fé nominal, mas não se converteram de todo. Esses pastores devem dedicar menos tempo a pregar sermões, e reservarem parte de suas energias para visitar e orar com os que estão interessados, dando-lhes piedosa instrução, a fim de poderem apresentar “todo homem perfeito em Cristo Jesus”. Col. 1:28.

E mais:  

A aquisição de membros que não foram renovados no coração e reformados na vida é uma fonte de fraqueza para a igreja.[11] 

Convém, portanto, questionar o significado de conversão no contexto prático do ministério adventista. No afã de fazer novos convertidos, princípios fundamentais da fé são sacrificados no altar do suposto “crescimento da Igreja” e, como conseqüência, enfraquecendo-a. Números incríveis são citados para provar o aparente sucesso.  

A conversão envolve a totalidade da vida, como o pecado e a queda corromperam todos os aspectos da existência humana. No entanto, apesar das declarações oficiais da igreja contidas no manual da igreja concordar em número, gênero e grau com esta realidade; a igreja, na sua prática ministerial destaca a conversão das convicções como sendo a experiência por excelência. Para muitos, a conversão significa apenas uma mudança de mentalidade religiosa.  Contudo, ao olhar para as Escrituras Sagradas e, particularmente, para os encontros de Jesus, percebe-se que o foco do Mestre não estava apenas nas convicções, mas na gramática da vida.

Um exemplo claro dessa preocupação está no encontro de Jesus com o “jovem rico”. Ele se apresenta como uma pessoa de convicções claras e sólidas. Desde a infância, aprendera a guardara os mandamentos, mas, para Jesus, faltava-lhe algo fundamental: amar a Deus e ao próximo de todo coração – um amor que o libertaria da tirania de seu egoísmo. 

Outro encontro que aponta para a totalidade da conversão foi o de Jesus com o publicano Zaqueu. Em sua conversa reservada com Jesus, Zaqueu responde não apenas com um conjunto de declarações confessionais, mas com um gesto que deixa claro para Cristo que ele compreendera a natureza da mensagem. Jesus estava atento à gramática da vida.  

As convicções são extremamente importantes, todavia há necessidade de integrá-las a vida e, essa integração, dará sensibilidade espiritual e redefinirá o estilo de vida de cada membro da Igreja. Porém, isso não acontecerá enquanto os pastores e demais líderes estiverem contando cabeças ao invés de olhar nos olhos.

O INFILTRAMENTO DE PARADIGMAS DISTORCIDOS

Outro fator que sinaliza a necessidade de reavivamento e reforma na igreja é a  infiltração de paradigmas distorcidos. 

É interessante notar que White declara que

Precisa haver um reavivamento e uma reforma, sob a ministração do Espírito Santo. Reavivamento e reforma são duas coisas diversas. Reavivamento significa renovação da vida espiritual, um avivamento das faculdades da mente e do coração, uma ressurreição da morte espiritual. Reforma significa uma reorganização, uma mudança nas ideias e teorias, hábitos e práticas. [12] 

Ao significar “reforma” como “reorganização” e “mudança nas ideias e teorias, hábitos e práticas”, ela está também alertando da necessidade de desfazer paradigmas distorcidos. A mudança de paradigmas ocorre em grande parte pela influencia das mudanças culturais e, a mais atual delas é a que os estudiosos costumam chamar de “mundo pós-moderno”.

O mundo pós-moderno, diante dos avanços tecnológicos e suas ferramentas, que criam as possibilidades e a funcionalidade, valoriza mais o “fazer” que o “ser”, invertendo a contemplação pela ação, e a sabedoria pela tecnologia. 

A igreja, influenciada por este mundo que vem produzindo técnicos extraordinários, tem hoje ferramentas técnicas para fazê-la crescer, para organizar um programa de discipulado em sete ou dez lições, para fazer gestão de qualidade, para fazer do pastor um ministro de sucesso etc. Essa lógica de que a igreja cada vez mais precisa de ferramentas e tecnologia que a tornem eficaz, apenas mostra o quanto os seus líderes tem se tornado tecnocratas impessoais e alienados, pragmáticos obcecados com o resultado e a funcionalidade. 

Nessa lógica, pessoas são trocadas por programas, relacionamentos por tarefas. O que vale é o papel que se exerce – se a pessoa está sendo útil ou não, se é competente ou não. Busca-se a produtividade, enfatizam-se os sistemas de organização e os resultados quantificáveis. Há pessoas que enxergam isso com clareza. Outras negam a realidade e pioram a situação, caminhando precipitadamente na direção errada, mesmo que as intenções sejam boas. No meio dessa confusão de paradigmas, os que têm voz profética são vistos como arrogantes, ao passo que as vozes pragmáticas são consideradas realistas. Assim, essas mudanças tem atingido em cheio o coração da vocação e do ministério pastoral. Esta mudança é de natureza semântica e traz desdobramentos, nem sempre percebidos, que afetam grandemente pastores e, por conseqüência, a igreja.

O caminho de volta, ou de “reorganização” e “mudança nas ideias e teorias, hábitos e práticas”, é um processo que exige coragem moral e desprendimento para confrontar os desafios culturais, oferecendo resistência às pressões insidiosas que podem nos levar a depender de técnicas, e não do amor e do Espírito Santo de Deus.  Esse desvio constitui um dos maiores desafios à igreja adventista e ocorre não apenas do lado de fora, mas também dentro de nós.

Por isso, acertadamente o Pastor Ted Wilson, presidente mundial da igreja, declarou em entrevista a revista Ministério:

Necessitamos aprender a depender mais completamente do Senhor, de modo que nossa experiência seja igual ao modelo bíblico de Atos 2, Joel 2 e Oseias 6. [13]

A mudança de paradigmas distorcidos para as ideias, teorias e práticas bíblicas necessariamente levará a igreja e seus membros a dependerem “mais completamente do Senhor” e menos de técnicas que não se constituem na vocação.  

SITUAÇÃO DE RISCO E ESPERANÇA

Portanto, o primeiro e maior desafio não é terminar a obra por meio da elaboração de planos e projetos, mas fazer com que a Igreja experimente um movimento de reavivamento e reforma, pelo arrependimento, confissão de pecados e o desfrutar a paz de Cristo e sua visão missionária para com o mundo que perece nas trevas. 

A necessidade desta experiência é denunciada principalmente pelo (1) enfraquecimento da visão profética, (2) a falha na construção da gramática da vida, e pelo (3) infiltramento de paradigmas distorcidos provocado pelas influências modernas e pós-modernas. 

A Igreja está em um tempo em que a obra singular de Cristo no santuário celestial no contexto do grande conflito cósmico precisa ser anunciada como nunca antes.  O “cordeiro sacrificado, assentado no trono” precisa ser proclamado e os seus princípios internalizados para que os membros da igreja tenham uma gramática de vida integrada à fé. A Igreja Adventista do Sétimo Dia alcançou significativos avanços institucionais, porém estes avanços não significam maior profundidade ou maior interesse na missão e obra redentora de Cristo. 

Contudo, a promessa está feita. O cumprimento da promessa de Cristo para a Igreja do tempo do fim está mais próximo do que nunca. O documento “Apelo Urgente por Reavivamento, Reforma, Discipulado e Evangelismo” lembra:

O derramamento do Espírito Santo no Pentecostes, na chuva temporã, foi apenas um prelúdio do que está para acontecer. Deus prometeu derramar Seu Espírito Santo em abundancia nos últimos dias (Joel 2:23; Zacarias 10:1).  A Terra será iluminada “com Sua glória” (Apocalipse 18:1) e a obra de Deus neste mundo será rapidamente concluída (Mateus 24:14; Romanos 9:28). A Igreja experimentará um reavivamento espiritual e a plenitude do poder do Espírito Santo como nunca ocorreu antes em sua história. Falando do derramamento do Espírito Santo no Pentecostes, Pedro nos dá esta certeza: “Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar” (Atos 2:39). Ellen White acrescenta: “Antes de os juízos finais de Deus caírem sobre a Terra, haverá, entre o povo do Senhor, tal avivamento da primitiva piedade como não fora testemunhado desde os tempos apostólicos. O Espírito e o poder de Deus serão derramados sobre Seus filhos. Naquele tempo, muitos se separarão das igrejas em que o amor deste mundo suplantou o amor a Deus e à Sua Palavra. Muitos, tanto pastores como leigos, aceitarão alegremente as grandes verdades que Deus providenciou fossem proclamadas no tempo presente, a fim de preparar um povo para a segunda vinda do Senhor”(O Grande Conflito, p. 464). [14]

A tarefa que a Igreja tem pela frente é grande, e exigirá de todos firmeza e perseverança. A exortação para “vigiar e orar” é a que mais se adapta à realidade. De certa forma, precisa orar com os olhos bem abertos e permanecer atenta ao que Deus já está realizando e compreender as mudanças do nosso tempo.

A igreja necessita de um movimento de revitalização espiritual e missionária; porém, como diz Ariovaldo Ramos:

Para que um fenômeno possa acontecer, nós precisamos das condições suficientes e necessárias. A presença do Espírito Santo é suficiente; o meu e o seu arrependimento são necessários.[15]

Referências:

  1. O texto integral do documento pode ser encontrado na Revista Adventist World, janeiro de 2011.
  2. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2004, vol.1), p. 121.
  3. Estas duas realidades são apresentadas por Paulo Godinho no artigo “A Necessidade e Importância do Apelo ao reavivamento e reforma na igreja do século 21”.
  4. Para um estudo mais detido sobre o significado da expressão “Cordeiro sacrificado, assentado no trono”, ver Roberto Pereyra, “Significado de Minneapolis para os Adventistas Modernos”, Revista Parousia, 2009, p. 103-113.
  5. George R. Knight, A Visão Apocaliptica e a Neutralização do Adventismo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010), p. 55.
  6. Ibidem.
  7. Para uma análise minuciosa do significado e importancia da expressão “Visão Apocalíptica”, ver George R. Knight, A Visão Apocaliptica e a Neutralização do Adventismo, (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010), principalmente o capítulo 2, p. 29-52.
  8. Pereyra, Significado de Minneapolis para os Adventistas Modernos, p. 111.
  9. Ricardo Barbosa de Sousa, ao prefaciar o livro de James Houston, A fome da Alma (São Paulo, SP: Abba Press , 2003), p. 5 e 6.
  10. Ibidem.
  11. Ellen G. White, Evangelismo, (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1994), p. 308.
  12. Idem, Mensagens Escolhidas, (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, vol 1, 2000), p. 128.
  13. Declaração do Pastor Ted Wilson em entrevista para a Revista Ministério, jan-fev 2011, p. 5-7.
  14. Revista Adventist World, janeiro de 2011.
  15. Anotações de um sermão ouvido em janeiro de 2007.