A Oratória Sacra como instrument de mobilização

Por Edmilson dos Reis

oratória, inventada pelos gregos por volta do ano 500 a. C. e primeiramente chamada de retórica, pode ser classifi cada em: forense, política, acadêmica e sacra. Os princípios básicos de todas são os mesmos e as diferenças que há entre elas estão relacionadas aos propósitos e enfoques de cada uma. A oratória sacra ou pregação, que é o nosso assunto específi co, é aquela utilizada para propagar o Evangelho à igreja e ao mundo. Pregar o Evangelho anunciando a todos o amor de Deus e Sua salvação, é uma das mais importantes tarefas da Igreja. Os profetas do Antigo Testamento e os apóstolos, evangelistas, profetas e pastores do Novo Testamento e, desde então, uma multidão de fiéis, têm sido dotados de especial capacidade para cumprir essa missão. Mas como alguém pode saber se tem esse dom? A maneira mais efi caz de constatá-lo ocorre depois que o indivíduo pregou. Se algumas pessoas – especialmente os mais experientes e espirituais – se aproximam dele e dizem-lhe que foram abençoados por sua mensagem e o estimulam a rosseguir (não apenas agradecem e dizem que foi um bom sermão), significa que ele tem o dom.

O DOM DEVE SER DESENVOLVIDO

Embora pregar seja um dom outorgado pelo Espírito de Deus, aqueles que o receberam devem desenvolvê-lo e aprimorá-lo, e isso pode ser feito mediante: 1) o uso das ferramentas adequadas elaboradas por servos de Deus (comentários bíblicos, dicionários bíblicos e teológicos, enciclopédias bíblicas, etc.) e 2) o aprendizado e o emprego daqueles procedimentos que foram usados largamente e com sucesso por outros pregadores que os precederam (como introduzir um tema, como fazer apelos, como atingir o intelecto, as emoções e a vontade dos ouvintes, etc.).

Para um indivíduo ter muito sucesso em qualquer atividade e conseguir desenvolver todo o seu potencial e realizar o que Deus planejou para ele, é necessário possuir três elementos: 1) um dom específi co para aquela atividade, 2) o conhecimento na área de atuação, e 3) as técnicas apropriadas. A falta de qualquer uma delas resultará em um trabalho – quando muito – razoável. Os mestres, escritores e experts do assunto poderão nos ajudar a conseguir o conhecimento e as técnicas, mas o dom – que é o elemento de maior importância – somente Deus pode conceder. Isso é verdade tanto para as atividades profi ssionais quanto para espirituais – incluindo a pregação.

O DOM DEVE SER USADO PARA ATINGIR O ALVO: A VONTADE

Como pessoa, o homem possui emoções, razão e vontade. Emoção é a energia que leva o homem a realizar coisas. Podemos dizer que o ser humano é movido por emoções. Razão é a faculdade de julgar, avaliar, conhecer, compreender e raciocinar. Para que nossa energia emocional seja uma força construtiva, utilizada para o bem, ela precisa ser orientada pela razão. É isto que indica a direção correta a ser seguida pela energia emocional, de modo que o indivíduo encontre alívio, mas também satisfação. Embora a razão aponte o melhor caminho, ela não decide seguir ou não esse caminho. Isto é tarefa da vontade. Vontade é a capacidade de tomar decisões. Ela está acima das emoções e do intelecto. É a própria essência da personalidade, é o poder que governa a natureza do homem. É a fonte de todas as ações. É por essa razão que todo pregador deve ter como propósito conquistar a vontade dos seus ouvintes, e não apenas seu intelecto ou suas emoções. Mediante observação, constatou-se que uma pregação muito argumentativa e racional, sem componentes emocionais, resulta em poucas decisões. Por outro lado, quando se manipulam as emoções sem equilibrá-las com os aspectos intelectuais da verdade, facilmente os ouvintes se decidem, mas suas decisões não perduram. Não há um método infalível para cativarmos a vontade de um indivíduo, mas há o melhor método e este consiste em atingir tanto sua mente como seu coração com nossa mensagem. Tratando deste tema, Ellen White escreveu: “A pregação da palavra deve apelar para a inteligência, e comunicar conhecimento, mas cumpre-lhe fazer mais que isso. A palavra do ministro, para ser e_ caz, tem de atingir o coração dos ouvintes.” Assim, a melhor maneira de se atrair a vontade do ouvinte para que se decida ao lado de Deus e aí permaneça é apresentar argumentos que satisfaçam a razão e argumentos que alcancem as emoções.

O DOM DEVE SER USADO PARA CONVENCER E PERSUADIR

Como é sabido, o ser humano foi criado por Deus como um ente social, devendo, portanto, relacionar-se com seus semelhantes. Em nossos relacionamentos estamos constantemente desejando que nossos interlocutors sejam favoráveis às nossas ideias e, por isso, fazemos uso da palavra, tentando ou persuadi-los ou convencê-los. Popularmente, persuadir e convencer têm sido usados como sinônimos, mas, na realidade, não o são. Persuadir vem do latim persuadere e significa “aconselhar até o fim”, ou melhor, aconselhar até que o outro faça o que pretendemos. Portanto, o persuasor é um conselheiro, alguém que recomenda, sem ameaças, nem constrangimento. Ele se preocupa em conquistar a vontade do outro.

A arte que cuida exclusivamente da persuasão e de como descobrir o modo de dirigir a conduta humana é a oratória ou retórica. Aristóteles a chamava de “a arte de persuadir”. Deve ser observado que a moralidade ou imoralidade da persuasão depende exclusivamente do persuasor, da pessoa que dela faz uso. Ela pode ser usada tanto para o bem como para o mal. É como um bisturi, que na mão de um médico pode salvar uma vida, mas na mão de um malfeitor pode ser instrumento para um crime. Em contrapartida, convencer tem outro signifi cado. É derivado do verbo “vencer”. Isso dá a ideia de combate, luta. Assim, o convencido, foi, de fato, vencido. Vencido pelos argumentos, pela demonstração da verdade do que foi exposto. Sua razão foi conquistada.

O melhor veículo para persuadir é a palavra falada e o melhor para convencer é a palavra escrita. Em certo sentido, a palavra falada contém mais coisas que a escrita. Especialmente por causa das infl exões da voz – tom, volume, velocidade – ela transmite com mais facilidade emoções, intenções e estados de alma de quem a pronuncia e costuma encontrar eco correspondente nos ouvintes. Geralmente consegue uma resposta positive mais rápida, mais imediata, obtendo um maior número de decisões, contudo – se ela não atingiu o intelecto, como muitas vezes ocorre – estas decisões podem não perdurar. Por outro lado, embora a palavra escrita leve mais tempo para ser analisada e entendida, e costume conseguir um menor número de adesões, uma vez que ela se enraizou no intelecto, elas tendem a permanecer. A palavra escrita atinge distâncias maiores, quer no espaço, quer no tempo.

Além disso, deve ser considerado que, em termos práticos, aquele que foi persuadido sempre faz o que lhe foi sugerido. Se não fi zer é porque a persuasão não teve êxito e o indivíduo não chegou a ser persuadido. Em contrapartida, aquele que está convencido, nem sempre age de acordo com sua convicção – porque foi alcançada sua razão, mas não sua vontade.

Em nosso trabalho para Deus, precisamos convencer as pessoas, pois, assim, estarão colocando a razão ao lado da verdade. É por essa razão que fazemos uso, também, da palavra escrita e estimulamos as pessoas a examinarem pessoalmente a Bíblia Sagrada. Contudo, como frequentemente a vontade não acompanha a razão e as pessoas se tornam convencidas, mas não decidem favoravelmente, é necessário, também, usar a persuasão para levá-las à decisão e à ação.

O DOM DEVE LEVAR A UMA AÇÃO

Um sermão sempre tem como objetivo levar os ouvintes a uma determinada ação. Nunca se prega um sermão só para informar, ensinar ou explicar uma verdade. Assim, quando o pregador está começando a preparar seu sermão deve se perguntar: “O que eu espero como resultado deste sermão? Que ação específica eu quero que meus ouvintes efetuem, depois de ouvilo?” Tal defi nição servirá de guia para decidir o que sera incluído no sermão. Cada texto, ilustração, comentário e outros dados apenas serão aproveitados no sermão se servirem de ajuda para alcançar esse propósito.

O DOM DEVE SERVIR DE PONTE ENTRE A BÍBLIA E OS OUVINTES

A tarefa da pregação é basicamente a de aplicar o texto bíblico à vida dos ouvintes. Sem aplicação não há sermão. A aplicação tem sido comparada a uma ponte entre o mundo bíblico e o mundo atual. Para construí-la, o pregador deve conhecer bem as duas margens que ela irá ligar: o texto bíblico e seus ouvintes. Se ele conhecer bem e souber interpreter corretamente as Escrituras, mas não conhecer a natureza humana, lutas, provas, tentações, cultura e as condições em que o povo se encontra, sua pregação será semelhante àquelas pontes inacabadas, que começaram a ser construídas a partir de uma das margens e que por qualquer razão são abandonadas, esquecidas a meio caminho, e que para nada servem. O mesmo ocorrerá se ele estiver bem familiarizado com seus ouvintes e conhecer bem a natureza humana, mas desconhecer o correto ensino bíblico. Como pregadores, precisamos conhecer bem as Escrituras, os homens e os dias em que vivemos. Precisamos saber como melhor abordá-los e como levar a eles a Palavra que salva.

Como vimos, a pregação do Evangelho é uma das principais atividades da igreja e Deus dotou alguns dos Seus fi lhos com o dom da oratória sacra ou pregação. Todavia, quem recebeu este dom precisa também adquirir o conhecimento do que irá transmitir e dominar as técnicas necessárias para falar com efi cácia. O uso deste dom tem um endereço certo: a vontade dos ouvintes, que deve ser direcionada para que uma ação seja praticada. O caminho para chegar lá passa por seu intelecto e por suas emoções e requer que nossa mensagem sirva de ponte entre os ensinamentos bíblicos e a realidade da vida deles, de modo que, vendo a relevância da mensagem bíblica, sejam convencidos e persuadidos.

O Dr. Emilson dos Reis é professor de Teologia e diretor da Faculdade Adventista de Teologia no UNASP-EC.