Além da teoria

Teologandos colocam em prática o aprendizado da sala de aula e plantam igrejas

O Império Romano consistia em um mundo de cidades autogovernadas, dividido em províncias e sujeito ao governo centralizado do imperador. Naquela civilização nasceu o cristianismo como um movimento urbano,[1] liderado principalmente por jovens, embora isso não significasse desmerecimento do trabalho em áreas

rurais, realizado por pessoas adultas. O próprio Jesus “tinha cerca de trinta anos de idade quando começou Seu ministério” (Lc 3:23). Seus discípulos eram jovens e Ele os identificava como “filhos” (Jo 21:5). Assim, a ênfase no trabalho dos jovens apenas chama a atenção para dois aspectos efetivos da missão cristã do primeiro século.

A missão compassiva do Messias estava centralizada principalmente nas aldeias e cidades. “Jesus ia passando por todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando as boas-novas do reino e curando todas as enfermidades e doenças” (Mt 9:35).

Saulo, outro jovem (At 7:58), posteriormente chamado Paulo, continuou o ministério compassivo de Jesus nas cidades-chave do Império (At 13–28). Participou da confirmação da igreja de Antioquia que, por sua vez, converteu-se em um grande centro do cristianismo e base do estabelecimento de igrejas nas cidades importantes.[2] O critério de chegar às cidades-chave levou Paulo a Pafos, cidade portuária de Chipre; Perge, da Panfília; Antioquia, da Pisídia; Icônio, de Listra, e Derbe, do sul da Galácia (At 13, 14).

Essas cidades estavam ligadas estrategicamente pelos caminhos romanos, como Filipos, pelos quais o comércio fluía de leste a oeste. Pela “Via Ignacia”,[3] chegou a Tessalônica; porém, não se deteve em Anfípolis, tampouco em Apolônia, porque mantinha a estratégia de “escolher cidades importantes, e convertê-las em grandes centros para propagação do evangelho”.[4] Seguindo esse mesmo critério, o apóstolo foi a Bereia, Atenas e Corinto (At 17, 18).[5] Todas essas cidades “eram importantes centros comerciais e políticos. Portanto, na mente de Paulo, eram lugares estratégicos a partir dos quais o evangelho de Cristo podia se espalhar por todo o Império”.[6]

Podemos notar o que fez Paulo, quando viajou pela Galácia e pela Frígia confirmando na fé os irmãos. Ele permaneceu três anos em Éfeso. Essa cidade era um centro administrativo e religioso da província romana da Ásia. Por isso, era importante estabelecer ali uma igreja forte que ajudasse a impulsionar a disseminação do evangelho. Paulo trabalhou acompanhado por Barnabé, João Marcos, Áquila e Priscila, Apolo, Tíquico, Timóteo e outros missionários, em sua maioria, jovens (At 13–15; 18:24-28; 2Tm 4:12; 1Tm 4:12).[7] Em Éfeso, foram queimados livros de magia, por 50 mil dracmas, e se arruinou o comércio dos artífices da deusa Diana (At 18:18–19:41).

Chamado à evangelização

À semelhança dessa estratégia, no século 21, devemos focalizar as maiores cidades com uma investida que inclua especialmente os estudantes de Teologia e outros missionários jovens. Devemos estabelecer igrejas que, por sua vez, estabeleçam outras igrejas nos bairros e áreas de influência dessas cidades. Ellen G. White aconselhou a formação de um grupo de sete pessoas para atender as necessidades das grandes cidades com um ministério compassivo. Escreveu ela em 1910:

“Sete homens deviam ter sido escolhidos para, juntos com o presidente, iniciar um trabalho nas grandes cidades… Esses sete homens deviam ser pessoas ativas, humildes, ternas e mansas de coração. Nunca as cidades deveriam ter sido negligenciadas como estão agora…

“Não menos de sete homens devem ser escolhidos, para que assumam as grandes responsabilidades da obra de Deus nas cidades populosas. E estes homens devem se humilhar diariamente, buscando fervorosamente o Senhor, para receberem santa sabedoria. Devem ligar-se a Deus como homens que desejam ser ensinados. Devem ser homens de oração, que estejam cônscios do perigo em que se encontram. Qual deve ser o trabalho destes sete homens? Eles devem verificar as necessidades das cidades e empregar os mais decididos e fervorosos esforços, no sentido de desenvolver a obra.”[8]

Em 11 de novembro de 2010, a liderança da Igreja Adventista do Sétimo Dia reconheceu as falhas que têm impedido a evangelização do mundo. Somente o Espírito Santo pode terminar a obra, mas a igreja deve colaborar. Por isso, foi publicado o documento “Chamado ao Reavivamento, ao Discipulado, à Reforma e à Evangelização”. Nesse documento é declarado o seguinte: “Reconhecemos em forma especial que Deus usará crianças e jovens neste último poderoso reavivamento, e animamos nossa juventude a participar na busca de Deus, por reavivamento espiritual em sua vida e, assim, receber o poder do Espírito Santo, a fim de poder compartilhar a fé com os demais.”[9]

Então, com a humildade motivada pelo Espírito Santo, todos os missionários, especialmente os jovens, devem se interessar em atender as necessidades das pessoas, à semelhança do que Jesus fazia. Porque “unicamente os métodos de Cristo trarão verdadeiro êxito no aproximar-se do povo. O Salvador Se misturava com as pessoas como alguém que lhes desejava o bem. Manifestava simpatia por eles, ministrava-lhes às necessidades e granjeava-lhes a confiança. Ordenava então: ‘Segue-Me!’”[10]

Durante o ano 2010, houve diferentes congressos festejando o centenário do Congresso Mundial de Evangelização, realizado em Edimburgo, em 1910. O Congresso de Evangelização de Boston, em 2010, foi realizado sob o lema “Os contornos mutantes da missão e o cristianismo mundial”. Em sua palestra intitulada “Boston, estudantes e as missões, de 1910 a 2010”, Dana Robert enfatizou “a importância da liderança do estudante na missão” e citou vários estudos de casos. Sua conclusão foi de que “os estudantes permanecem nas fronteiras dos desafios de transformar o mundo nesta geração”.[11]

Há mais de vinte anos, C. Peter Wagner desafiava seus alunos a estabelecer igrejas. Ele dizia: “Os jovens que ainda têm mais opções e mais flexibilidade são muito mais propensos a ter êxito neste aspecto.”[12] A melhor equipe para estabelecer igrejas é formada com estudantes de teologia e outros jovens, pastores ou não. O Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia tem como prática obrigatória o estágio em evangelização pública. Essa matéria implica em participar de uma campanha evangelística que, quase sempre, dá origem a várias igrejas. Durante os últimos 35 anos, a sede argentina do Seminário tem participado anualmente do estabelecimento de umas 15 igrejas.

Realidade sul-americana

A União Nordeste Brasileira investiu mais de cinco milhões de dólares anuais em novas capelas, das quais igrejas eram abertas com o apoio dos alunos da Faculdade Adventista de Teologia da Bahia. Dessa maneira, os estudantes participam anualmente do estabelecimento de aproximadamente 70 igrejas. Como requisito da Prática Pastoral, eles devem participar do estabelecimento de, pelo menos, uma igreja.[13]

Na Divisão Sul-Americana, estão surgindo vários projetos jovens de missão global, que resultam no estabelecimento de igrejas. Entre eles estão os seguintes: Projeto Calebe, surgido na União Nordeste Brasileira, tem se espalhado pelo mundo, Projeto Antioquia, dos teologandos da Bahia, Projeto Macedônia, da União Peruana do Norte, Projeto de Missão Global, dos estudantes de Teologia do Equador, voltado para o estabelecimento de igrejas apenas em lugares novos.[14] De acordo com o pastor Christian Álvarez Zaldúa, diretor da Faculdade de Teologia do Equador, caso o projeto equatoriano contasse com mais recursos financeiros, em seis anos, seria possível estabelecer igrejas em cada um dos 76 municípios não alcançados de seu país.[15] Em 2011, foram estabelecidas 77 igrejas e congregações no Equador, e se espera que, até 2015, o adventismo esteja presente em todos os 217 municípios.[16]

O relatório de missão global da Divisão Sul-Americana, de maio de 2008, mostrou que os adventistas estavam presentes em 5.554 (59%) dos 9.395 municípios da América do Sul. O desafio é alcançar os 3.831 municípios (41%) sem a presença adventista. Se todas as Uniões focalizarem os municípios não alcançados e derem o apoio necessário aos estudantes de Teologia, em cinco anos, estarão plantando igrejas nesses municípios ainda sem a presença adventista da DSA.

Porém, para que isso aconteça, uma mudança é necessária. Ainda que os adventistas sejam reconhecidos por estabelecer igrejas através do evangelismo público, na DSA, somente 13% das igrejas surgem por esse método. No quinquênio de 1990 a 1995, foram abertas 1.600 igrejas na Divisão Sul-Americana. Apenas 200 delas (13%) foram estabelecidas pelo evangelismo público. As 1.400 igrejas restantes (87%) foram estabelecidas graças ao trabalho dos membros.[17] Geralmente, essas igrejas são abertas nas mesmas regiões das igrejas-mães. Ou seja, estão sendo fundadas mais igrejas nos municípios já alcançados.

Entre 2010 e 1015, projeta-se o estabelecimento de dez mil igrejas na Divisão Sul-Americana.[18] Se 13% delas forem abertas em municípios não alcançados, em cinco anos chegaríamos apenas a 1.300 dos 1.831 municípios sem a presença adventista, sendo necessários 15 anos para alcançarmos todos os municípios. Porém, se todas as Uniões da DSA apoiarem especialmente a evangelização em novos municípios, será possível conquistar os ainda não alcançados. Então, em 2015, poderemos parafrasear o apóstolo Paulo: “Desde o Equador arredores, até Ushuaia, Argentina, proclamamos plenamente o evangelho de Cristo” (Rm 15:19).

Referências:

1 Rodney Stara, The Risk of Christianity: A Sociologist Reconsiders History (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1996), p. 147; Cleber de Oliveira Gonçalves, A Critique of the Urban Mission of the Church in the Light of an Emerging Postmodern Condition (Berrien Springs, MI: Andrews University, 2005), p. 143.
2 Christian Álvarez Zaldúa, Teologia e Metodologia da Missão (Elias Brasil de Souza, ed.), (Cachoeira, BA: Salt, 2001), p. 523, 537.
3 Siegfried Horn, Diccionário Bíblico Adventista del Séptimo Dia (Buenos Aires, AR: Aces, 1995), p. 1.151.
4 Comentário Bíblico Adventista del Séptimo Dia, v. 7, p. 231, 232.
5 Christian Álvarez Zaldúa, Op. Cit., p. 533.
6 Ibid., p. 531.
7 Comentário Bíblico Adventista del Séptimo Dia v. 6, p. 313.
8 Elen G. White, Evangelismo, p. 37, 38.
9 Llamado Urgente al Reavivamento, la Reforma, el Discipulado y la Evangelización (Buenos Aires, AR: Aces, 2011), p. 12.
10 Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver, p. 143.
11 Norman E. Thomas, “2010: The Changing Contours of World Mission and Christianity”, IBMR, v. 35, no 1, (janeiro 2011), p. 10, 11.
12 Peter C. Wagner, Plantando Iglesias Para una Mayor Cosecha, p. 17.
13 Roberto Pinto e Daniel Rode, Entrevista a líderes da União Nordeste Brasileira, Faculdade de Teologia da Bahia, 16 a 19 de julho de 2009.
14 Christian Álvarez Zaldúa, Op. Cit., p. 537.
15 Ibid., p. 523, 537.
16 Revista Adventista, 4 de fevereiro de 2012 (Aces), p. 22, 23.
17 Alejandro Bullón, Entrevista em maio de 1996.
18 Objetivo de Misión Global del Quinquenio 2010-2015.