AO MINISTRAR PARA A SOCIEDADE PÓS-MODERNA, DEVEMOS SER PÓS-MODERNOS?

AO MINISTRAR PARA A SOCIEDADE PÓS-MODERNA, DEVEMOS SER PÓS-MODERNOS?

ADVENTISMO EM DEBATE

Ao Ministrar para a Sociedade Pós-moderna, Devemos Ser Pós-modernos?

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Eduardo M. Velardo

Pastor em La Matanza, Buenos Aires

 

Durante os séculos XVIII e XIX, o pensamento científico empírico produziu mudanças e substituições nos fundamentos filosóficos do pensamento cristão sustentado por séculos. O adventismo surgiu em meados do século 19, quando a cultura ocidental experimentava um processo acelerado de secularização. Sem dúvida, a cultura ocidental sofreu alterações em sua perspectiva filosófica. Em harmonia com esses antecedentes, Gilles Lipovetsky faz referência a uma nova modernidade que coincide com a “civilização do desejo”, que foi construída durante a segunda metade do século XX.

 

A civilização do desejo

Hoje a cultura ocidental desafia o perfil moderno de pensamento, que enfatizava a objetividade e a certeza absoluta. As distinções da modernidade entre sujeito e objeto, conhecimento e opinião, e ciência e superstição, estão sendo apagadas no ambiente pós-moderno contemporâneo. Durante a modernidade o “dever” estava acima do desejo, ou seja, face à uma responsabilidade que um indivíduo devesse cuidar, não importava sexualidade e idade, e inclusive, se lhe agradava ou não cumprir, este se responsabilizava porque era “seu dever”. Hoje, o desejo e o prazer parecem ter tirado do foco o compromisso e o “dever”.

O homem pós-moderno, que habita na civilização do desejo e do prazer, é descrito por Enrique Rojas como o “homem light”. Alguém que se interessa por tudo, mas a nível fútil; não é capaz de fazer a síntese daquilo que toma conhecimento. Tudo se torna para ele delicado, leve, banal e permissivo; já viu tantas mudanças, tão rápidas e em um tempo tão curto que defende para a sua vida a frase “tudo vale”, “o que que tem” ou “as coisas mudaram”.

Ao se referir à pós-modernidade, Miroslav Pujic explica: “O termo ‘pós’ significa ‘depois’; e ‘moderno’ significa ‘atual’, ‘agora’; algo que pertence ao tempo presente. Dessa forma, podemos definir a expressão pós-moderno como ‘depois do tempo presente’; ou seja, identifica as pessoas que vivem a experiência de constante mudanças”. No decorrer das décadas, a sociedade consumista alterou os estilos de vida e os costumes, implementou uma nova hierarquia de objetivos e uma nova forma de se relacionar com as coisas e com o tempo, consigo mesmo e com os demais.

 

Implicações culturais pós-modernas

 

O pós-modernismo representa o polo “superestrutural” de uma sociedade que emerge de um tipo de organização uniforme, controladora e que, para ele, mescla os últimos valores modernos, realça o passado e a tradição, revaloriza o local e a vida simples, dissolve a preeminência da centralidade, dissemina os critérios do verdadeiro e da arte, legitima a afirmação da identidade pessoal conforme os valores de uma sociedade personalizada, na qual o importante é ser você mesmo, e onde qualquer um tem direito à cidadania e ao reconhecimento social, já que nada deve se impor de uma maneira imperativa e permanente, onde todas as opções e todos os níveis podem coabitar sem contradição e postergação.

Eduardo A. Kuckelkorn, em seu artigo “Jó, ou a teologia por uma perspectiva da dignidade humana. Anotações imprescindíveis”, descreve o sofrimento de Jó pela ótica da concepção cultural da honra. Por exemplo, destaca que hoje o valor cultural dominante no Ocidente é a dignidade humana, estampada em códigos como “os direitos humanos universais”, “os direitos da criança”, e outros afins. No mundo pós-moderno o valor é o êxito. Por outro lado, no Oriente, o valor supremo da vida humana é a honra. Honra e vergonha são “os valores centrais no mundo mediterrâneo em geral e na Bíblia”. A honra é, por isso, uma percepção social, inseparável do que conhecemos como reputação, que é expressa como “seu bom nome”. Kuckelkorn finaliza seu pensamento dizendo que Jó, na fase onde perde seus bens, sente que nem sequer Deus está ao seu lado, já que a prosperidade era considerada uma bênção divina, e reafirmava a honradez. Segundo Rojas, o pensamento pós-moderno é indiferente, não se prende a nada, não tem verdades absolutas, nem crenças firmes, e apenas demanda informação excessiva, ainda que não saiba para quê. A frivolidade e a ascensão do egoísmo humano constituem alguns dos males do nosso tempo (ex. a instabilidade conjugal, a ausência de ideais, a perda de valores etc.). Zygmunt Bauman declara: “O habitat pós-moderno oferece poucas oportunidades de agir conforme a sabedoria pós-moderna. Os meios para agir de forma coletiva e global foram desacreditados, desmantelados ou perdidos”. O ideal moderno de subordinação do indivíduo às regras racionais coletivas foi pulverizado, o processo de personalização foi promovido e encarnado massivamente em um valor fundamental, o da realização pessoal.

Os pós-modernistas utilizam o termo “narrativa” para descrever um sistema de crenças e valores que legitimam uma sociedade e que age como uma força que une a essa sociedade. Uma narrativa (ou seja, o sistema de crenças que mantém unida a sociedade) é “magnífica” quando é integral para explicar e proporcionar significado ao que a sociedade faz e crê.

Com respeito às implicações culturais pós-modernas, o adventismo não é exceção. Fernando Canale disse que “na atualidade, administradores da igreja, professores universitários e pastores estão enfrentando os desafios filosóficos, científicos e culturais da modernidade e pós-modernidade. Atraídos por essas correntes de pensamentos, alguns líderes pressionam a igreja buscando infiltrar um estilo de vida estranho e híbrido no seio teológico adventista”. Desta maneira a contextualização deve ser considerada, e não subestimada, no momento de realizar a missão.

 

Pós-modernismo: um desafio evangelizador

Como o pensamento e a conduta pós-moderna poderia atrair aos líderes de um movimento internacionalmente fundado sobre a base das Sagradas Escrituras? Com certeza, isso não acontece de forma repentina. Segundo Canale, seria possível dizer que o processo de secularização no adventismo deva levar, pelo menos, uns cinquenta anos. A contextualização ou adaptação da mensagem adventista à cultura pós-moderna, em primeiro lugar, deve ser um desafio relevante no momento da evangelização. Por outro lado, se algo não está claro, a mensagem adventista corre o risco de ser seduzida, ao ponto de terminar em um fracasso missional.

 

Evangelização adaptativa

Ao instrumentar adaptações evangelizadoras à mensagem de salvação, lembre-se das Crenças Fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia, e as expectativas de contaminação teológica e eclesiástica serão de menor incidência. Por sua vez, se não se for teologicamente rigoroso na hora de interagir com o pós-modernismo, os índices de exposição ao fracasso serão muito elevados. 

A dificuldade mais acentuada se encontra na interpretação ou reinterpretação dos Escritos Sagrados. As Crenças Fundamentais estão sujeitas a uma revelação progressiva. Isso não significa que, na busca por encontrar uma clareza teológica maior, se caia, em detrimento da mensagem adventista. Muito pelo contrário. Por exemplo: se os temas em questão são apresentados com o uso do protocolo eclesiástico correspondente, não haverá dificuldade, tanto para a liderança, quanto para a membresia, em aceitar o previsto pela Igreja Adventista mundial. 

O alcançar o próximo com um fim salvífico requer uma instrução teológica equilibrada, sabendo-se que a sociedade pós-moderna à qual nos dirigimos conta com algumas características peculiares. Em relação ao homem light, Enrique Rojas descreve seis características distintivas de seu perfil que descrevem o ser humano ocidental de maneira assombrosa: (1) É um ser materialista pelo fato de ganhar muito dinheiro; (2) hedonista: em busca de estar bem, custe o que custar, levando à morte dos ideais; (3) permissivo: devasta os melhores propósitos e ideais; (4) revolucionário sem finalidade e sem programa: a ética permissiva substitui a moral; (5) relativo: tudo é relativo e subjetivo; (6) consumista: representa a fórmula pós-moderna da liberdade. Este perfil, evidentemente, discorda do pretendido “estilo de vida adventista”.

Antônio Cruz mostra a variação e inconstância religiosa do homem pós-moderno, ao dizer: “Hoje há abundância de indivíduos religiosos que são um tempo cristãos, algumas vezes budistas, alguns anos discípulos de Krishna…”. Considerando a pós-modernidade e o modelo de missão, In Sik Hong disse: “Já que nos tempos pós-modernos as pessoas perdem sua confiança no até agora ‘crível e confiável’ e se dirige em direção ao ‘inacreditável’, nossa questão é: como recuperar a credibilidade perdida?”. Frente a esta problemática, Hans Küng diz contar com uma mente aberta e disposta a sair das estruturas das denominações religiosas em busca do ecumenismo como solução para a problemática pós-moderna. Então, o homem pós-moderno é inalcançável? De maneira nenhuma, é necessário elaborar uma estratégica que concorde com a necessidade, sem que por ela a teologia da vida adventista seja alterada.

 

Apostasia crescente, um efeito pós-moderno?

O pós-modernismo assume muitas formas diferentes, mas todas essas variações podem ser usadas de forma produtiva como tentativas de explicar a incapacidade da razão de resolver as perguntas fundamentais da vida humana”. O homem light pode mudar sua “filosofia de vida”, optando pela lealdade aos princípios, pela perseverança aos nobres ideais, pela tenacidade em manter os critérios de conduta, apesar das mudanças sociais abruptas e cotidianas. Qualquer observador dos sucessos históricos e do estilo de vida adventista do sétimo dia reconhece que hoje não é o que costumava a ser.

Para a Igreja Adventista do Sétimo Dia, em geral, a apostasia é um motivo de preocupação e estudo. A secretaria da União Argentina dos Adventistas do Sétimo Dia adverte, em seus registros de membros, uma elevada porcentagem de apostasia em todos os campos eclesiásticos durante os últimos cinquenta anos. É importante destacar que a igreja adventista não é uma “igreja apóstata”, mas que sofre apostasia. O secularismo está na sociedade e a membresia não está isenta de se ver afetada pelo pós-modernismo: “O homem light, não é um religioso nem um ateu, mas alguém que construiu uma forma particular de espiritualidade, segundo sua perspectiva. É ele quem decide o que é certo e errado, e seu anelo pelo infinito começa por uma satisfação materialista e acaba fabricando uma ética à sua medida”.

Ángel M. Rodriguez, mostra sua preocupação ao analisar a polarização de ideias dentro do adventismo. Ele também adverte sobre os perigos do sincretismo religioso, apontando alguns deles: (1) diferenças litúrgicas; (2) ênfases na interpretação profética; (3) diferenças em relação ao estilo de vida; (4) a unidade em relação às Crenças Fundamentais e à missão da igreja; (5) os riscos do crescimento da igreja; e (6) o perigo do congregacionalismo.

Adventismo e pós-modernismo: pontos convergentes e divergentes

 

Pontos convergentes

Podemos observar dentro da proposta pós-moderna alguns pontos convergentes com o adventismo: (1) o respeito pelos direitos humanos; (2) o respeito pela vida privada; (3) a ênfase sobre o cuidado do meio ambiente; (4) a contribuição para a saúde preventiva; (5) a ênfase na alimentação light ou de baixa caloria e o exercício físico; e (6) a luta pela liberdade de expressão, entre outros. O adventismo apoia, difunde e trabalha, desde os seus distintos departamentos eclesiásticos, essas propostas. Então, qual é o perigo? Para responder, devemos observar também os pontos divergentes que estão unidos com os pontos convergentes.

 

Pontos divergentes

Podemos observar dentro da proposta pós-moderna alguns pontos divergentes com o adventismo: (1) a concepção relativa das Sagradas Escrituras; (2) a perda dos valores; (3) a relatividade e subjetividade na hora de avaliar os sucessos da vida; (4) a falta de credibilidade em uma liderança que demande compromisso; (5) o estilo de vida “a la carte”, baseado no desejo e no prazer; (6) a desqualificação da vida conjugal prolongada no tempo; (7) a composição de uma família que não necessariamente concorde com o modelo bíblico; (8) falar de revolução sem propósito e sem programa; (9) a ética permissiva substitui a moral; e (10) o uso da sexualidade sem limites, entre outros aspectos que poderiam somar-se a esta lista.

Resumindo, entre os pontos convergentes e divergentes, nota-se no pós-modernismo um foco dualista ao expressar sua filosofia de vida. Por exemplo, ao falar de liberdade de expressão, acredita-se contar com o direito de dizer qualquer coisa, sem reparar quando, onde, a quem e de que forma foi dita uma verdade ou uma difamação, inclusive, sem medir ou avaliar suas consequências. Os pontos convergentes do pós-modernismo são o suporte que busca justificar seus pontos divergentes. Desta maneira, evita-se a recriminação ao não se considerar responsável ou comprometido com as situações que o rodeiam. 

 

Resumo e conclusões

Nos últimos quinze anos, aproximadamente, a América Latina, e nos últimos cincos anos, a Europa Ocidental, sofreram os devastadores efeitos da política neoliberal. Esta crise de instituições políticas e comerciais, entre outras, não exime as instituições religiosas. A globalização possibilitou, entre tantas outras coisas, conseguir transferir soluções e conflitos. Nesta ocasião ela transferiu o descrédito da liderança em todos os níveis, questionando a credibilidade e a procedência do mensageiro e da mensagem. Por isso, as novas gerações exigem hoje reivindicar os espaços perdidos em razão de uma liderança contestada em todos os âmbitos. 

Zygmunt Bauman, declara que é difícil assistir esse vazio devido às crises pós-modernas que mostram suas falências corporativas, e o que Gilles Lipovetsky confirma ao dizer que as regras racionais coletivas foram pulverizadas devido ao individualismo excessivo. In Sik Hong também aponta que nos tempos pós-modernos, as pessoas perdem a confiança no que até agora era “crível e confiável”. Por sua vez, Eduardo A. Kuckelkorn, a partir de sua análise da vida de Jó, descreve a diferença existente entre a mentalidade oriental, que induz o homem a viver pela honra, em contraste com a mentalidade ocidental, que promove, como prioridade, ser um homem de sucesso.

Heath White explica a incapacidade da razão para resolver as perguntas fundamentais da vida humana. Antonio Cruz afirma que o homem pós-moderno está em busca de um cristianismo “a la carte”. Hans Küng afirma possuir uma mente aberta e disposta para trabalhar em busca do ecumenismo. Enrique Rojas vê com preocupação o estilo de vida pós-moderno e, sugere realizar um plano de recuperação do homem light.

Miroslav Pujic sugere, com base na Bíblia e na sua experiência com grupos pós-modernos, que o evangelismo da amizade é um caminho altamente eficaz para alcançar a mente pós-moderna. Fernando Canale, embora alerte sobre os perigos do secularismo e do pós-modernismo dentro e fora do âmbito eclesiástico adventista, propõe alcançar o homem pós-moderno sem prejudicar o adventismo. Humberto Rasi expressa que o trabalhar com o secularismo e o neopanteísmo parece ser muito difícil, mas destaca que apenas por meio de uma fé cristã e um estilo de vida coerente o evangelho pode ser muito eficaz. E em relação à polarização, Ángel M. Rodríguez nos previne sobre as causas e tendências, convidando a liderança da igreja a permanecer fiel ao adventismo no momento de abordar o indivíduo contemporâneo.

Eu acredito que o adventismo conta com uma proposta bíblico-teológica evangelizadora e salvífica que pode preencher o vazio existencial da geração “pós-moderna”. A Bíblia nos apresenta Deus entrando na história humana, se apresentado como Salvador e Senhor. Por mais de uma década de ministério pastoral, observei na sociedade e na população eclesiástica uma necessidade motivacional e real sobre a qual colocar seus fundamentos. O pós-modernismo, o secularismo, entre outras filosofias de vida, não cobrem o vazio existencial do qual o homem contemporâneo reclama. Assim como não é necessário consumir drogas para saber seus efeitos nocivos, em contrapartida, acredito que é imperdoável exercer adaptações no momento da apresentação do plano da salvação no pós-modernismo. As mudanças acontecem quando o “homem light” ou “pós-moderno”, ao enfrentar as crises, pode contar com um adventismo próximo na assistência, mas longe em seus princípios. 

O adventismo pode, à partir da valorização cultural e regional, convidar o homem pós-moderno a abandonar sua “filosofia de vida”. Porque o ser humano, por natureza, necessita viver sob uma estrutura de normas que contribua com o seu dia a dia, inclusive contra a sua vontade. É por isso que o segredo, por assim dizer, está no “estilo de vida” ou, melhor dizendo, em uma “teologia de vida” com base nas Sagradas Escrituras.