Precisamos nos dedicar mais ao ensino, treinamento e capacitação dos membros, transformando-os em discípulos amadurecidos
À semelhança da igreja apostólica, como igreja adventista, queremos e precisamos crescer; pois a expansão da igreja significa a expansão do Reino de Deus. Contudo, para que a igreja cresça em número e na influência sobre o mundo, é preciso haver crescimento espiritual na vida de cada membro. Afinal, “a menos, porém, que os membros da igreja de Deus hoje estejam em viva associação com a Fonte de todo o crescimento espiritual, não estarão prontos para o tempo da ceifa. A menos que mantenham suas lâmpadas espevitadas e ardendo, deixarão de receber a graça adicional em tempos de especial necessidade”.[1]
Percepções distorcidas
Porém, necessitamos atentar para alguns fatores que dificultam o crescimento cristão individual. Um deles é a influência da coletividade. Nesse caso, a pessoa não empreende seu crescimento (cf. Fp 2:12), aguardando uma ação coletiva nesse sentido. Caso imagine que nada está acontecendo na igreja, o indivíduo envereda pela frustração.
A expectativa por acontecimentos coletivos faz com que a igreja comece a olhar para si mesma, com a tendência de se concentrar em uma espiritualidade egoísta. Assim, perde o foco, paralisa e eventualmente morre.[2]
Há também o fator da transferência de responsabilidade. A maioria das pessoas sofre sob o peso da luta pela sobrevivência, somando-se a isso a expectativa clientelista estimulada pelo consumismo. A primeira parte produz fadiga da vontade. No segundo caso, vê-se a igreja como agência prestadora de serviços. Por isso, muitos a procuram em busca de receber um “empurrão espiritual”, para melhorar. Se não recebem o que esperam, as pessoas sucumbem à frustração, esquecidas de que cada pessoa é responsável pela iniciativa do próprio crescimento espiritual.[3]
Um pensamento fatalista, com feições de crenças medievais, também contribui para o retardamento do crescimento espiritual. A máxima: “Quem tem, já o tem instantaneamente” marca o cristianismo estagnado.
Quando pessoas creem que há uma espécie de predestinação embutida na conversão, excluindo o empenho individual na busca do conhecimento de Jesus e Seu propósito para a vida, são levadas à estagnação espiritual. Ocorre que, quando as pessoas que alimentam essa percepção observam outras tendo vida espiritual abundante, atribuem a essas o status de escolhidas ou privilegiadas, descartando assim o empenho na manutenção do relacionamento com Cristo.
Outro fator que impede o crescimento individual é a atitude de espectador dos acontecimentos, em vez de agente deles. Somos espectadores de tantos fatos, que nos acomodamos à ideia de assisti-los. Esse comportamento pode ser atrativo e sedutor, mas é altamente nocivo para o crescimento espiritual.
Inveja espiritual é outro obstáculo para o crescimento cristão. Por um lado, o desejo de ser ou ter o que outros têm ou são pode ser um estímulo, mas também pode se tornar pedra de tropeço. A cobiça gera diferentes males que minam a base da experiência pessoal com Deus. Cada cristão é único, e Deus tem um plano para cada um de nós. Descobri-lo requer persistência, confiança, submissão, perseverança e fidelidade crescente.
O cristianismo vigoroso está fundamentado sobre dois aspectos: Busca intensiva de Cristo, como Salvador e Senhor, e dedicado empenho na tarefa que Ele nos confiou (cf. Tg 2:14, 17, 18, 20, 22, 24, 26). Quem atuar nessas duas frentes experimentará vigor e crescimento espiritual, e desfrutará a vida abundante prometida por Jesus (Jo 10:10).
Crescimento passo a passo
M. Scott Peck descobriu que, na caminhada espiritual, as pessoas se movem por quatro fases. Diz ele: “Assim como existem fases discerníveis no desenvolvimento físico e psicológico do ser humano, assim também há fases no crescimento espiritual.”[4] De acordo com Peck, as mencionadas fases são estas:
Anomia. É a fase em que a pessoa não quer saber de Deus ou tem apenas vaga percepção dEle e da religião. O centro da vida é o “eu”, e qualquer coisa que coopere para a satisfação dele pode ser aceita. Nessa moldura está incluído o cristão que usa Deus como item de consumo para satisfação própria.
Ao andar sem luz (cf. Sl 119:105), esse cristão tropeça, machucando-se bem como aos demais. Em prejuízo do bom funcionamento das engrenagens da vida e dos relacionamentos, acumulam-se pecado e culpa. O caos estabelecido gera cansaço, por causa das feridas deixadas atrás de si; mas, nesse ponto, pode ter início uma transição.
O pecador percebe que algo está errado, mas não sabe o que é. Às vezes, nem quer saber, até que Deus alcance o coração e lhe dê nova perspectiva. Num momento de choque entre desespero e esperança, Deus Se revela ao indivíduo; e aquilo que antes não fazia sentido se torna o mais profundo desejo do coração. O solo está preparado para receber a boa semente que produzirá frutos.
Legalismo. Na fase legalista, a pessoa se rende a Deus e inicia sua jornada de relacionamento com Ele e com a igreja. Nessa caminhada, o crente reconhece que foi criado por Deus e viverá bem, se submeter-se às leis divinas. O esgotamento da vida sem Deus foi tão intenso, que o descanso nEle parece o início da própria eternidade. Os mandamentos do Senhor são inscritos no coração e lhe são prazerosos. Intenso desejo de reconciliação, remoção da culpa e do pecado, perspectiva de pureza e esperança de nova vida marcam essa fase.
Porém, nessa fase o converso tende a ser levado a nutrir expectativas irreais sobre a natureza da igreja e do poder do pecado no ser humano. Quando bem preparado, ele entende a luta entre as naturezas carnal e espiritual; mas tal compreensão tende a ficar no nível teórico. A percepção da realidade cristã somente ocorre por meio da experiência guiada e calibrada pela Palavra.
Sendo uma fase emocional, o novo crente tende a ver as coisas com desequilibrado absolutismo. O empenho em cumprir as leis de Deus pode levá-lo a criticar os que aparentemente não têm o mesmo “fervor”.
Decepção. Com o passar do tempo, novas percepções entram em vigor. Os irmãos antigos passam a ser observados pelo novo crente, que se depara com algumas perguntas: “Como é a vida de um cristão experiente? É isso o que eu quero para mim?” Vê defeitos em outros irmãos, nos líderes e na instituição. Torna-se crítico, mas reconhece que é impotente para mudar as coisas. As disciplinas espirituais são negligenciadas,[5] o choque entre as expectativas elevadas e a realidade da falácia humana é inevitável. Como se não bastasse, se o crente for honesto consigo mesmo e não se deixar ofuscar pelo perfeccionismo, vê as próprias lutas e derrotas, e o castelo de sonhos se desmorona. A ilusão dá lugar à realidade; a expectativa, ao factual; e a experiência cristã definha.
Nessa fase, alguns querem controlar e supervisionar para ter certeza de que as coisas não estão fora de rumo, como se o seu rumo fosse o melhor. Muitos que entram nessa fase de “areia movediça” perdem o vigor espiritual e, se permanecem na igreja, tornam-se passivos, desistem de progredir no discipulado e ficam marginalizados.
A situação se agrava, porque, ao enfrentar essa fase, a pessoa a torna visível para outros, assume atitude cética e cínica, tem dificuldade para aceitar ajuda bem como dificuldade de crer na operação de Deus na vida dela. Tanto da parte da igreja como da parte da pessoa que enfrenta a fase da decepção, há desconfianças. “A igreja não muda”, diz o crente decepcionado. “Ninguém consegue mudar alguém”, diz a igreja.
Aqui, a atenção pastoral é indispensável, imprescindível! O pastor deve se aproximar da pessoa, levá-la novamente para dentro da rede de afeto e atenção da igreja, explicando-lhe a fase pela qual passa e reafirmando a possibilidade de crescimento.
Maturidade. Nesse ponto, o crente passa a desfrutar equilibradamente a vida com Deus. Sabe que as coisas não são perfeitas, nem tenta usar a lei como ferramenta para consertar o que está errado. Não precisa mais criticar, pois percebe a falibilidade de tudo e todos, inclusive de si mesmo. Aprende a se importar com as pessoas e com Deus em sua vida.
Essa é a fase do serviço maduro: a Deus, a si mesmo e ao próximo. Aqui o crente conhece os próprios dons e sabe utilizá-los. Suporta a falácia humana em suas diversas manifestações, embora possa se ferir e reagir aos abusos que sofre ao tentar servir. Porém, sabe se impor e colocar limites, mesmo quando se sente ferido. Aprende a ver a imagem maior. Com os olhos fixos no grande conflito e a volta de Jesus, tem motivos e motivação suficientes para avançar no serviço. Não sente falta de reconhecimento nem aplauso. Sabe lidar com a crítica e com o elogio, sem prejuízo da comunhão com Deus e Sua igreja. Como escreveu Deci, “a motivação intrínseca é associada a uma experiência mais rica, a uma compreensão conceitual melhor, a maior criatividade e melhor resolução de problemas”.[6] Apesar disso, não se trata de um supercristão. A caminhada continua.
Fenômeno cíclico
Na experiência cristã, parece que não há linha de chegada. “Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia” (1Co 10:12). O processo de santificação parece nos levar circunstancialmente por essas fases. Aqueles que são mais proativos estarão menos sujeitos aos solavancos e guinadas na sucessão dessas fases.
Os altos e baixos não deixam ninguém fora. Quando pensamos que estamos intocáveis pelas fases vencidas, Deus nos permite experiências por meio das quais temos que reaprender a lidar com elas. A realidade é que todos temos que chegar à conclusão à qual Paulo foi conduzido: “A Minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2Co 12:9). Há cristãos que desanimam com a incessante luta. Novamente, uma garantia de Paulo: “Estou bem certo de que Aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até o dia de Cristo Jesus” (Fp 1:6). Que ninguém ouse desistir. Um dia, poderemos dizer como Paulo: “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé (2Tm 4:7). Depois, ouviremos de Jesus: “Muito bem, servo bom e fiel” (Mt 25:21).
Por mais que avancemos na jornada e amadureçamos na experiência cristã, cada situação nos faz reiniciar as fases. Ao passar por elas uma vez, parece que estaremos despertos para o ciclo. A maturidade consiste em conhecer esse ciclo e lidar equilibradamente com ele.
Avanço ou estagnação
O cristão deve crescer de uma fase para outra, perdendo a percepção mágica de religião e encarando as novas fases com equilíbrio, melhorando o relacionamento com Deus, consigo mesmo e com o semelhante. Deve ser cada vez mais capaz de abandonar o egoísmo, servindo conforme os dons que recebeu.
Eventualmente, por falta de instrução ou por causa de estruturas psicológicas ainda não curadas, o novo crente fica estagnado em alguma das fases, podendo até retroceder. Isso lhe fará mal, por não contribuir para que avance na aquisição da beleza do caráter de Deus, em plenitude crescente, e pode ser danoso à igreja, por causa das críticas e da insatisfação.
Segundo estimativa de John Dybdall,[7] entre 35% e 40% dos adventistas do sétimo dia estão estagnados na segunda fase (legalismo), e outros 40%, na terceira fase (decepção). Apenas entre 20% e 25% conseguem alcançar a fase de maturidade.
Lidando com a realidade
Com tal bagagem, como podemos avançar para a pregação da última mensagem ao mundo? Como acelerar o passo dessa embarcação chamada igreja, quando uma parte significativa da tripulação está parada em seu desenvolvimento, incapacitada para trabalhar? O que precisamos fazer para que maior número de membros avance rumo à maturidade; para que pessoas espiritualmente sadias e equilibradas preguem o evangelho com vigor e ousadia?
O que sabemos nós a respeito da condição de nossos irmãos? Como podemos conduzir os membros de nossas igrejas até à maturidade espiritual? Necessitamos de um ministério semelhante ao de Cristo. Ele investiu mais tempo curando do que pregando, e ainda muito mais tempo capacitando. Diariamente, Ele capacitava os discípulos para que fizessem parte da obra por Ele iniciada e para que delegassem parte dessa tarefa a outros discípulos, aos quais eles deveriam capacitar.
Quanto mais membros amadurecidos tem uma igreja, maior seu empenho na causa do Senhor, cada um conforme o dom recebido. Assim, estou certo de que precisamos nos dedicar mais ao ensino, treinamento e capacitação dos membros, transformando-os em discípulos, levando-os à maturidade em Cristo (Ef 4:10-16).
Referências:
1 Ellen G. White, Atos dos Apóstolos, p. 55.
2 Lon Allison & Anderson Mark, Going Public with the Gospel (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2003), p. 30.
3 Robert Mulholland, Jr, Invitation th a JHourney, (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1993), p. 30.
4 M. Scott Peck, The Different Drum: Community Making and Peace (Nova York: Touchestone Editions, 1987), p. 187.
5 Richard J. Foster, Celebração da Disciplina (São Paulo: SP: Editora Vida, 1983), p. 36.
6 Edward L. Deci, Por Que Fazemos o que Fazemos: Entendendo a Automotivação (São Paulo: Negócio Editora, 1998), p. 59.
7 John Dybdall, Siritual Formation, anotações em sala de aula, no Newbold College, julho de 2002.