Discipulado – Complexidade Irredutível da Missão

Discipulado – Complexidade Irredutível da Missão

Discipulado – complexidade irredutível da missão

Pr. Elieser Ramos

 

Introdução

Já ouviu falar em complexidade irredutível[i]? Esse é um dos argumentos usados por cientistas que não se alinham com a teoria da evolução. Eles veem a necessidade de um criador ao mirar alguns sistemas complexos que compõem a vida que não poderiam subsistir por meio de um processo evolutivo. Ou seja, se todas as partes não estiverem presentes, o sistema simplesmente entra em colapso.

A grande comissão de Mateus 28:19-20 é um sistema assim. Por mais que se tente a separar em partes, a ordem de Cristo não pode ser cumprida sem que todos os elementos interajam juntamente. A linguagem usada por Jesus revela uma atividade contínua e interdependente. Os três elementos da ordem de fazer discípulos dependem um do outro. Para fazer discípulos é preciso ir, é preciso batizar, é preciso ensinar. Os três são um resumo do processo de discipulado de maneira contínua.

 

Discípulo sinônimo de Cristão

A ordem foi dada aos primeiros discípulos para que eles fizessem outros discípulos. “Fazer discípulos” é a grande comissão a qual Dallas Willard, ironicamente, chamou de “grande omissão”[ii]. Seria possível ser cristão sem ser discípulo, ou sem fazer discípulos?

Isso funcionou na igreja primitiva. No início da igreja cristã, o termo discípulo era usado como sinônimo de seguidor de Cristo. Pode-se ver isso no livro de Atos, por exemplo, quando o termo discípulo é frequentemente usado como um termo intercambiável com “novos conversos” (veja 6:1, 7; 9:1, 10, 19, 38; 11:26, 29; 13:52; 14:20, 22, 28; 15:10; 16:1; 18:23, 27; 19:1, 9, 30; 20:1, 30; 21:4, 16), ou seja, os crentes eram inicialmente chamados de “discípulos”, do grego mathetes.

Com o crescimento da igreja e entrada da apostasia, a ideia de discípulo foi sendo substituída e ser cristão não é mais sinônimo de ser discípulo, embora a ordem de Cristo permaneça inalterada.

Os três elementos da ordem de fazer discípulos dependem um do outro. Para fazer discípulos é preciso ir, é preciso batizar, é preciso ensinar. Os três são um resumo do processo de discipulado num círculo contínuo. A linguagem usada por Jesus revela uma atividade ininterrupta, um estilo de vida[iii].

No texto da grande comissão de Mateus 28:19-20, o único verbo que está no imperativo é o verbo “fazer”. Os outros verbos indicam os componentes dela; cada aspecto do discipulado deve ser cumprido para que o discipulado aconteça. A complexidade irredutível do discipulado.

Talvez haja alguém que pense que pode fazer as três partes de forma separada, esperando que, de alguma forma, ao acaso, surja um novo discípulo. Isso até é possível na visão de um evolucionista, embora demoraria milhões de anos, mas, do ponto de vista cristão, é impossível.

 

Discipulado: o Centro das Atividades da igreja

A visão de fazer discípulos deve ser o centro de todas as atividades da igreja e de seus departamentos. Em cada área da igreja deve haver discipulado, considerando os três aspectos que Jesus destacou: ir, batizar e ensinar. É importante lembrar que Jesus disse “ensinando a guardar”, ligando teoria e prática. A separação entre os aspectos cognitivos e os aspectos práticos, resultado do pensamento grego, não tem base bíblica. A verdade bíblica é um conteúdo que deve ser transmitido, mas esse conteúdo não pode ser desconectado da vivência. O verbo precisa se fazer carne. A palavra de Deus não é apenas teoria, ela é ativa, produz vida, transformação.

Em sua oração sacerdotal, Cristo afirma que havia consumado a sua obra, embora ainda não houvesse morrido (Joao 17:4). Ou seja, Cristo tinha uma obra para fazer com sua morte. Mas tinha também uma obra para fazer com sua vida. Com sua morte, proveu um Salvador para ser humano, mas em sua vida, formou discípulos para refletirem seu caráter.

Anunciar um Salvador sem fazer discípulos para Ele, é pregar a morte de Cristo sem a valorizar a vida dele. “O cristianismo sem o Cristo vivo é inevitavelmente o cristianismo sem discipulado, e o cristianismo sem discipulado é sempre o cristianismo sem Cristo.”[iv] Sem discipulado não há testemunho de vidas transformadas, não há crescimento espiritual, não há frutos.

Tendo isso em mente, o Manual da igreja estabelece que toda igreja tem como sua primeira atividade desenvolver “um plano de discipulado ativo”[v]. Infelizmente, parece que isso não é tomado em conta em muitos lugares. Ao invés de um plano de discipulado muitas igrejas têm um plano de programas que visa conquistar o apreço do público, produzir um espetáculo. Os programas para os membros, com o objetivo de atrair a audiência, produzem o efeito temporário e a cobrança para a sequência do show é cada vez maior e menos satisfatória.

Envolver cada aspecto da grande comissão nos diferentes departamentos ou ministérios da igreja local é a grande tarefa do pastor, dos anciãos e da liderança da igreja. “Há uma grande necessidade de educar as pessoas para que façam sua parte na obra que lhes foi designada”[vi]. Isso deve abranger as atividades de comunhão, relacionamento e missão, não como elementos separados, mas como um todo indivisível da vida da igreja.

 

Discipulado Centrado em Deus

A necessidade de comunhão aponta para o fato de que o processo de discipulado é centrado em Deus, e não no homem. Cristo declarou: “toda a autoridade me foi dada” (Mateus 28:18), ou seja, enquanto esteve aqui na terra, ele foi, antes de tudo, um discípulo do Pai (Isaías 50:4). O serviço de adoração do público deve refletir a comunhão individual e levar cada discípulo moderno a entender que Deus é o discipulador. O discípulo precisa aceitar as condições do discipulado numa entrega completa a Deus (Mateus 10:37), dependência completa Dele (João 15:5).

A ligação vertical do discípulo com Deus é fundamental para sua relação horizontal, do discípulo com seu semelhante, seu próprio discípulo, sua missão. Em outras palavras, sua comunhão impacta diretamente seu relacionamento e sua missão. Cristo enfatizou esse aspecto quando disse aos seus discípulos: “permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lucas 24:49). O Espírito Santo é indispensável ao discipulado (Lucas 4:18; João 17:7 a 13).

Deus não lida conosco de forma coletiva, e sim individual. Por isso, para fazer discípulos, é necessário trabalho individual. Não há como produzir discípulos em série. Cristo separou um grupo de doze e tinha, dentro desse grupo, um grupo menor de apenas três.

Por isso, a igreja deve fazer do discipulado o centro unificador de todas as suas ações. Não dá para formar uma classe de discipulado. Não pode haver um ciclo, no qual uma pessoa possa entrar e sair. Discipulado é para a vida toda. É o coração pulsante da missão da igreja. Além disso, discipulado não é uma opção, é um mandamento.

De acordo com a Mateus 28:19 e 20, não há dicotomia entre discipulado e batismo, ou entre discipulado e as disciplinas espirituais. O batismo é um dos elementos fundamentais do discipulado, assim como ir e “ensinar a guardar todas as coisas”.

 

O discipulado envolve o desenvolvimento dos dons

A comissão da igreja é a responsável pelo discipulado, e os vários ministérios da igreja são as ferramentas para formar discípulos segundo seus dons. Cada discípulo deve ir segundo seus dons, ensinar segundo seus dons e, assim, levar pessoas ao batismo.

A igreja é um organismo vivo. Portanto, ela segue o plano de reprodução e desenvolvimento de tudo o que é vivo. Na divisão celular, por exemplo, a herança genética passa da célula “mãe” para a célula “filha”. Na família, passa dos pais para o filho. Da mesma forma, o processo de discipulado replica o discipulador. Assim, pessoas apaixonadas por Cristo produzem discípulos apaixonados por ele, enquanto crentes consumidores não farão discípulos – apenas atrairão outros consumidores.

 

Conclusão

A igreja não pode replicar o que não existe. Seja um discípulo de Cristo, encontre pessoas para discipular. Assim, você poderá se replicar nelas e elas em outros discípulos. É preciso estabelecer um processo de discipulado que se mova sempre para frente e envolva todos os ministérios da igreja.

 

[i] Para mais informações ver Michael J Behe, A caixa preta de Darwin (São Paulo: Editora Mackenzie, 2020).

[ii] Dallas Williard, A Grande Omissão (São Paulo: Editora Mundo Cristão, 208).

[iii] Indicates proceeding, with an idiomatic meaning that indicates practicing a lifestyle. (2014). Travel. D. Mangum, D. R. Brown, R. Klippenstein, & R. Hurst (Orgs.), Lexham Theological Wordbook. Bellingham, WA: Lexham Press.

[iv] Bonhoeffer, Dietrich: The Cost of Discipleship. (New York: Touchstone, 1995), p. 59

[v] Associação Geral da IASD, Manual da Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 132.

[vi] Ellen White, O Ministério Pastoral (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 155.

 

 

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