Embaixadores do reino
Wellington Barbosa
Os primeiros dias de 2020 foram de grande agitação para a política global. Em 3 de janeiro, uma ação do exército norte-americano, próximo ao aeroporto de Bagdá, matou o general Qasen Soleimani, comandante da Força Quds, uma divisão de elite do exército iraniano. Em questão de minutos, Estados Unidos, Irã e Iraque se tornaram o centro das atenções no mundo, despertando sentimentos polarizados em relação ao ataque.
Em meio ao aumento da tensão entre os países e os impasses diplomáticos resultantes das declarações de apoio e repúdio feitas por vários chefes de Estado, a presença dos embaixadores veio à tona, numa tentativa de encontrar caminhos de pacificação no grande tabuleiro das relações internacionais.
Embora não seja presença constante na mídia, a figura do embaixador é de grande importância para o bom relacionamento entre as nações. Tanto é verdade que Paulo chama os ministros cristãos de “embaixadores em nome de Cristo” (2Co 5:20), a fim de enfatizar o papel que desempenham no âmbito da missão divina. De fato, compreender melhor as lições resultantes dessa comparação proporciona uma série de aplicações úteis para o desempenho do trabalho pastoral.
Diplomatas de Cristo
Curiosamente, o termo utilizado por Paulo para designar um embaixador tem conexão com o ofício da liderança eclesiástica: “presbeuō, literalmente, ‘ser mais velho’, ‘ser um ancião’, ou ‘ser embaixador’”.1 Desse modo, parece ficar ainda mais interessante a relação entre as atividades do diplomata (que também era chamado de legado imperial, em Roma) e do presbítero cristão (ancião itinerante ou local).
Em essência, as atribuições de um embaixador do primeiro século não são tão diferentes das desempenhadas por um diplomata de nossos dias. Esse oficial era designado para ser um alto representante de sua terra natal no local em que estivesse estabelecido. Isso quer dizer que sua conduta, suas mensagens ou decisões deveriam refletir os valores defendidos por seu império. Assim, o embaixador agia e falava “não apenas em nome, mas no lugar do soberano de quem recebeu sua comissão”,2 sendo, portanto, considerado um “porta-voz do rei, de um governante ou de uma comunidade”.3
A fim de ser bem-sucedido, era necessário que ele fosse persona grata em seu local de origem, bem como na região para a qual havia sido designado,4 dando-lhe condições para estreitar laços entre ambos. Com base em antigos documentos diplomáticos do período, David Garland lembra que os embaixadores eram enviados para expressar sinais de “amizade e boa vontade, estabelecer relações, renovar relacionamentos amistosos ou fazer alianças”.5 Assim, o diplomata era obrigado a “observar oportunidades, estudar personalidades e procurar estratégias que pudessem colocá-lo diante de seus ouvintes de maneira cativante”.6 Portanto, os embaixadores deveriam ser elos para promoção dos interesses de seu reino, da paz e das boas relações entre os povos.
Dessa breve descrição do ofício diplomático é possível identificar os seguintes paralelos com o ministério cristão: (1) somos chamados a falar e agir como representantes de Deus (2Co 5:20; 6:1); (2) devemos ser benquistos em nossas relações (Mt 5:13-16; Rm 12:18); (3) temos uma mensagem de reconciliação e paz (Rm 5:10; 2Co 5:18); e (4) precisamos desenvolver estratégias eficientes para compartilhar os valores do reino dos Céus (1Co 10:33; 2Tm 2:15).
O objetivo deste artigo é apresentar as seis principais características que precisamos desenvolver para ser bem-sucedidos como embaixadores de Cristo em nossas relações pessoais, institucionais e sociais. Outras poderiam ser mencionadas, mas, por uma questão de espaço, decidi focalizar os elementos que julgo fundamentais.
Espiritualidade
É impossível ser representante de Cristo e estabelecer bons relacionamentos sem nutrir uma espiritualidade saudável, por meio do estudo dos escritos inspirados e da oração. De fato, somente em comunhão com Ele podemos ser transformados à Sua semelhança. Paulo afirmou que “à medida que o Espírito do Senhor trabalha dentro de nós, somos transformados com glória cada vez maior, e tornamo-nos mais e mais semelhantes a Ele” (2Co 3:18, BV). Quando ocorre esse processo, Cristo passa a viver em nós (Gl 2:20), e essa vivência resulta em frutificação espiritual (Jo 15:1-5; Gl 5:22).
Além disso, a autoridade e o poder para agir “em nome de Cristo” é dada por Ele, como fica evidente em Mateus 28:18. Michael Green destaca que, nesse contexto, Jesus “transmite Sua autoridade a Seus seguidores”, fazendo deles “representantes investidos de poder”.7 Tal privilégio não tem como objetivo a exaltação do ser humano, mas a proclamação da mensagem de salvação a todas as pessoas.
Ellen White destacou a importância da espiritualidade do pastor, e seus efeitos sobre os resultados do trabalho ministerial, ao escrever: “O que ensina a Palavra precisa, ele próprio, viver em consciente e contínua comunhão com Deus pela oração e estudo de Sua Palavra; pois nela está a fonte da fortaleza. A comunhão com Deus comunicará aos esforços do pastor um poder maior que a influência de sua pregação. […] Pelo poder e luz que Ele comunica podem compreender e realizar mais do que seu finito julgamento havia considerado possível”.8
Confiabilidade
Nenhum embaixador consegue se firmar em sua posição diplomática se não conquistar a confiança das pessoas com quem se relaciona. Stephen M. R. Covey, especialista em liderança, foi categórico ao declarar que “a capacidade para estabelecer, fazer crescer, estender e recuperar a confiança […] é a competência-chave dos líderes na nova economia global”.9
Certamente, ao longo dos séculos a confiabilidade tem sido uma das principais virtudes procuradas nos líderes. O profeta Daniel é um bom exemplo de alguém que viveu em um ambiente diplomático desafiador, mas que se destacou por estabelecer relacionamentos sólidos e amparados pela revelação bíblica. Sua história, marcada por qualidades como integridade, fidelidade e sabedoria, destaca o binômio que ajuda a construir o conceito de confiança: caráter e competência.10
É sempre oportuno relembrar que, especialmente na liderança cristã, “as designações de Deus são sempre fundamentadas no caráter – quanto melhor é o caráter, maior é a tarefa.”11 A descrição do perfil dos anciãos/pastores em 1 Timóteo 3:1 a 7 demonstra essa realidade e também indica a importância da competência para o exercício da função. Quanto a essa virtude, a Bíblia nos ensina a fazer o que está sob nossa responsabilidade com toda nossa força (Ec 9:10), diligência (Pv 12:24) e perícia (Pv 22:29). Quando um ministro apresenta caráter ilibado e competência no que faz, dá evidências de confiabilidade e consegue se estabelecer como um elo efetivo nas diferentes relações em que está envolvido.
Conhecimento
Quem deseja atuar como líder diplomático precisa estar disposto a ser um constante aprendiz. James Kouzes e Barry Posner afirmam: “Os melhores líderes são os melhores alunos. Eles têm uma mentalidade de crescimento. Acreditam que são capazes de aprender e crescer no decorrer da vida. Para ser um líder melhor, você deve engajar-se em aprendizado contínuo. Você nunca para de aprender, nunca para de melhorar. O aprendizado contínuo é um estilo de vida.”12
Por isso, como embaixadores de Cristo, devemos valorizar o aprendizado que potencializa nossa utilidade. Assim, precisamos ter amplo conhecimento dos valores do reino, da cultura em que estamos inseridos, do contexto que nos envolve e das pessoas com quem estamos em contato. A soma dessas informações, e uma análise ponderada a respeito delas, proporciona uma visão mais acurada de como podemos agir a fim de promover relacionamentos saudáveis e salvíficos em nossa esfera de ação.
O exemplo de Paulo, o embaixador por excelência, é muito ilustrativo. Em 1 Coríntios 9:20 a 23, ele disse: “Procedi, para com os judeus, como judeu, a fim de ganhar os judeus; para os que vivem sob o regime da lei, como se eu mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo da lei, embora não esteja eu debaixo da lei. Aos sem lei, como se eu mesmo o fosse, não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar os que vivem fora do regime da lei. Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns. Tudo faço por causa do evangelho, com o fim de me tornar cooperador com Ele.” Sem dúvida, ampliaremos a eficácia de nosso trabalho se estivermos dispostos a seguir as pegadas apostólicas.
Sabedoria
Tão importante quanto o conhecimento é a sabedoria prática para saber os limites do que fazer ou do que falar em nossas diferentes relações. O equilíbrio e o bom senso são presentes de Deus que devemos pedir intencionalmente em oração. Tiago escreveu: “Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida” (Tg 1:5).
Derek Kidner ponderou: “A sabedoria deixa sua assinatura em qualquer coisa bem feita ou bem julgada, desde uma observação apropriada até ao próprio Universo, desde uma política sábia (que brota de uma introspecção prática) até uma ação nobre (que pressupõe discernimento moral e espiritual).”13 Assim, um embaixador de sucesso deve ser reconhecido por sua sabedoria.
Especialmente em Provérbios, encontramos muitas orientações precisas de como agir corretamente em várias ocasiões, por exemplo: como desenvolver amizades (Pv 17:17; 27:9, 10, 17; 29:4); como proceder socialmente (Pv 25:17, 20; 26:18, 19; 27:14); e como usar as palavras (Pv 11:12, 13; 15:1, 23; 16:13; 17:28). Esse último ponto, que está no cerne da comunicação, aspecto fundamental para a manutenção dos relacionamentos, demanda uma exposição mais detalhada, que ocorre a seguir.
Comunicação
A comunicação adequada é essencial para o estabelecimento de bons relacionamentos, especialmente no contexto da missão que nos foi confiada. Ellen White afirmou: “A extensão da utilidade de um cristão é medida por seu poder de comunicar o que recebeu e que se tornou experiência para ele.”14
Paul Watzlawick, importante estudioso do assunto, desenvolveu com Janet Beavin e Don Jackson o conceito dos cinco axiomas da comunicação. Conhecê-los pode nos ajudar a ter uma visão mais profunda e cuidadosa desse elemento importante da vida. São eles:
1) É impossível não se comunicar; pois, qualquer comportamento humano expressa alguma coisa.
2) Toda comunicação contém dois aspectos, conteúdo e relação; isto é, além do significado das palavras, a comunicação também envolve o relacionamento entre o emissor e receptor da mensagem.
3) A pontuação das sequências comunicacionais entre os comunicantes impacta a natureza de uma relação; ou seja, emissor e receptor estruturam a comunicação de forma diferente, conforme sua experiência e percepção.
4) A comunicação ocorre em dois níveis, analógico e digital; verbal e não verbal.
5) As interações comunicacionais podem ser simétricas (quando estamos em condição de igualdade com o outro) ou complementares (quando estamos em condições desiguais, mas aceitamos as diferenças e permitimos a interação).15
A partir desses axiomas, precisamos ter alguns cuidados para ser bem-sucedidos em nossa comunicação como embaixadores de Cristo. Em primeiro lugar, nossas palavras e nosso silêncio comunicam; por isso, precisamos saber quando falar e quando calar. Em segundo lugar, nossas palavras ou nosso silêncio serão interpretados a partir do relacionamento que temos com as pessoas; ou seja, mesmo boas informações permeadas por relações desgastadas possivelmente serão mal interpretadas. Em terceiro lugar, não podemos assumir que as pessoas entendam exatamente o que dizemos, pois cada um estrutura a emissão/recepção da mensagem à sua maneira; assim, precisamos ser cuidadosos com os detalhes do que falamos ou deixamos de falar. Em quarto lugar, tão importante quanto as palavras são as expressões corporais, roupas ou imagens utilizadas em nossa comunicação. Finalmente, não podemos nos esquecer de que nossas relações de igualdade (p. ex., pares) ou diferença (p. ex., líder/liderado) influenciam no processo comunicacional.
Em síntese, o que se percebe é que o êxito na comunicação está intimamente relacionado com o bom (ou mau) relacionamento entre as partes comunicantes; portanto, sigamos o seguinte conselho: “Há a maior necessidade de que os homens e as mulheres que têm conhecimento da vontade de Deus aprendam a se tornar obreiros bem-sucedidos em Sua causa. Devem ser pessoas polidas, de entendimento, não com o verniz exterior e o afetado sorriso dos mundanos, mas com aquele refinamento e genuína cortesia que agradam o Céu, e que todo cristão possuirá se for participante da natureza divina.”16
Proatividade
Nenhum embaixador deve ser apático em relação aos interesses de sua pátria. Quanto ao embaixador de Cristo, espera-se que seja proativo em rogar para que as pessoas se reconciliem com Deus (2Co 5:20) e exortar para que elas não recebam em vão a graça divina (2Co 6:1). O chamado ao ministério cristão demanda atitude, coragem e disposição para defender os valores do reino, proclamar a mensagem de salvação e liderar um povo para se encontrar com o Senhor.
Ellen White foi categórica ao dizer: “Aqueles que estão a serviço de Cristo admoestando pessoas a se reconciliarem com Deus devem, por preceito e exemplo, manifestar um incessante interesse em salvar pecadores. Sua diligência, perseverança, abnegação e espírito de sacrifício devem exceder a diligência e o zelo daqueles que lutam por lucros terrenos, assim como a pessoa é de muito mais valor do que a escória da Terra, e o motivo, mais elevado do que empreendimentos terrenos.”17 O exemplo do líder será uma inspiração para que as pessoas que estão sob sua influência direcionem seus esforços para a missão. Quando isso ocorre, as tensões internas tendem a diminuir e os índices de crescimento tendem a aumentar.
Conclusão
Em essência, nós, pastores, somos embaixadores de Cristo em qualquer esfera de relacionamento, seja ele interno ou externo. Para que tenhamos êxito como diplomatas do reino, precisamos nutrir espiritualidade profunda, inspirar confiança genuína, obter conhecimento variado, crescer na sabedoria divina, desenvolver comunicação eficaz e ser destemidamente proativos. Agindo assim, cumpriremos nossa missão em terra estrangeira e seremos recebidos em nossa Pátria Celestial com as palavras de aprovação: “’Muito bem, servo bom e fiel! Você foi fiel no pouco, Eu o porei sobre muito. Venha festejar com o seu senhor!’” (Mt 25:21, BV).
Referências
- Francis Nichol (org.), Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016), p. 958.
- M. E. Thrall, A Critical and Exegetical Commentary on the Second Epistle of the Corinthians (Londres; Nova York: T&T Clark International, 2004), p. 436, 437.
- S. J. Kistemaker, Comentario al Nuevo Testamento: 2 Corintios (Grand Rapids, MI: Libros Desafío, 2004), p. 223.
- A. T. Robertson Word Pictures in the New Testament (Nashville, TN: Broadman Press (1933), ver 2 Coríntios 5:20.
- David E. Garland 2 Corinthians (Nashville, TN: Broadman & Holman Publishers, 1999), p. 295, 296.
- Joseph B. Lightfood, Ordination Addresses and Counsels to Clergy (Londres: MacMillan, 1890), p. 47, 48.
- Michael Green, The Message of Matthew: The kingdom of heaven (Leicester, Inglaterra; Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2001), p. 320.
- Ellen G. White, Atos dos Apóstolos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 362, 363.
- Stephen M. R. Covey, A Velocidade da Confiança (Rio de Janeiro: Elsevier; São Paulo: Franklin Covey, 2008), p. 22.
- Covey, A Velocidade da Confiança, p. 29.
- Henry e Richard Blackaby, Liderança Espiritual: Como impulsionar pessoas para o trabalho de Deus (São Paulo: Bompastor, 2007), p. 72.
- James Kouzes e Barry Posner, Aprendendo a Liderar: Os cinco fundamentos para se tornar um líder exemplar (Rio de Janeiro: Alta Books, 2017), p. 52, 53.
- Derek Kidner, Provérbios (São Paulo: Vida Nova, 2006), p. 13.
- Ellen White, The Voice in Speech and Song (Boise, ID: Pacific Press Publishing Association, 1988), p. 43.
- Paul Watzlawick, Janet Beavin e Don Jackson, Pragmática da Comunicação Humana: Um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação (São Paulo: Cultrix, 2007), p. 44-64.
- Ellen G. White, Serviço Cristão (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 226.
- Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), v. 2, p. 336.
Wellington Barbosa, editor da revista Ministério