Evangelho da Prosperidade: Breve Análise Crítica

Evangelho da Prosperidade: Breve Análise Crítica

Evangelho da Prosperidade: Breve Análise Crítica

Alberto R. Timm

Muitos pregadores pentecostais têm arrecadado grandes somas de dinheiro através de tentadoras promessas de prosperidade material aos seus doadores. Baseado nas palavras de Malaquias 3:10 (“Trazei todos os dízimos…, e provai-Me nisto…”),1 um desses pregadores costuma assegurar aos seus telespectadores que, se forem realmente generosos em suas dádivas, eles poderão até escolher antecipadamente as “bênçãos” a serem reivindicadas de Deus. Entre as várias opções estão o tipo específico de casa que desejam ter, a marca de carro que gostariam de possuir, e mesmo o saldo da conta bancária que mais lhes agrada. Tudo isso, e muito mais, eles receberão se tão somente forem generosos, e então “provarem” a Deus no cumprimento de Suas promessas!

O Bispo Edir Macedo, fundador e líder da Igreja Universal do Reino de Deus, é outro destacado pregador contemporâneo do Evangelho da Prosperidade. Em seu livro Vida com Abundância, Macedo argumenta que
Dar o dízimo é candidatar-se a receber bênçãos sem medida, de acordo com o que diz a Bíblia, sob os aspectos físicos, espiritual e financeiro.
Quando pagamos o dízimo a Deus, Ele fica na obrigação (por que prometeu) de cumprir a Sua Palavra, repreendendo os espíritos devoradores que desgraçam a vida do homem, atuando nas doenças, nos acidentes, nos vícios, na degradação social e em todos os
setores de atividade humana, fazendo com que o homem sofra eternamente. Quando somos fiéis no dízimo, além de nos vermos livres desses sofrimentos, passamos a gozar de toda a plenitude da Terra, tendo Deus a nosso lado nos abençoando em todas as coisas.2

Na obra O Poder Sobrenatural da Fé, o mesmo autor acrescenta:
É claro também que os que são fiéis nos dízimos têm o privilégio de poderem exigir de Deus o cumprimento da Sua promessa em suas vidas e, obrigatoriamente, o Senhor tem de cumpri-la. …
Pessoalmente acho mais do que justa a contribuição, quer de dízimos ou de ofertas, porque quanto mais nós damos, mais Deus nos devolve multiplicado. 3

Enquanto Macedo procura endosso bíblico para suas ideias, Kenneth E. Hagin (1917- 2003), pai do Movimento Palavra de Fé, até mesmo reivindica revelações para seus próprios pontos de vista. Em seu panfleto Como Deus Me Ensinou a Respeito da Prosperidade, Hagin
declara, “O próprio Senhor me ensinou a respeito da prosperidade. Eu nunca li a respeito de ela num livro. Eu a recebi diretamente do Céu.”4

As ambições financeiras do movimento do evangelho da prosperidade5 são bem expressas por Bill Hamon em seu livro Profetas e Profecia Pessoal. Ele argumenta, “o Espírito Santo tornou conhecido que agora é o tempo para o exército do Senhor se levantar e possuir a riqueza do mundo.” De acordo com Hamon, este alvo deveria ser alcançado com a assistência dos profetas modernos, que podem revelar “palavras concernentes a problemas que estão impedindo um negócio, bem como novas direções, atividades, e alvos. Muitos homens de
negócio procuram o profeta para confirmação antes de tomarem decisões importantes em seus empreendimentos.”6

De qualquer forma, se tais declarações estão corretas, então tornar-se rico é muito fácil! Basta dar o dízimo e ofertas generosas para os cofres das igrejas desses pregadores, e o suposto “retorno financeiro” será bem mais rendoso do que os juros da caderneta de poupança
ou de quaisquer outras aplicações no mercado financeiro! Agora, se a tal “devolução multiplicada” não acontece como prometida, a culpa é sempre atribuída aos próprios doadores que não exerceram a “fé” necessária para receber a bênção. Milhares têm crido nesse tipo de interpretação das bênçãos que Deus prometeu dar aos que Lhe são fiéis (ver Ml 3:10). Mas existem, por outro lado, também aqueles que, antes de acreditar em promessas humanas, preferem examinar acuradamente a Palavra de Deus para ver se as coisas são “de fato assim” (At 17:11). Estes últimos costumam justificar a sua atitude não apenas no ensino apostólico de que “antes, importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5:29), mas também nas advertências de Cristo a respeito dos falsos pregadores que falam em nome de Cristo sem que seus ensinos estejam em plena conformidade com a Palavra de Deus (ver Mt 4:4; 7:20-23; ver também Gl 1:8, 9; Ap 22:18, 19).

O propósito do presente artigo é analisar criticamente os postulados básicos do Evangelho da Prosperidade à luz das Escrituras.7 O conteúdo desta matéria está dividido em  duas partes distintas. A primeira delas consta de uma breve exposição sobre Malaquias 3:7-12, em cujo texto são mencionadas as principais bênçãos prometidas aos que forem fiéis na devolução dos dízimos e das ofertas. Na segunda parte, é apresentada uma breve análise crítica do Evangelho da Prosperidade e de suas implicações sobre alguns dos ensinos fundamentais
das Escrituras.

Maldições e Bênçãos em Malaquias 3:7-12

O livro do profeta Malaquias foi escrito aproximadamente no ano 425 a.C.,8 numa época caracterizada por um significativo declínio espiritual entre os israelitas que haviam retornado do exílio babilônico e entre os seus descendentes. Nessa época “o santuário do Senhor” estava
sendo profanado tanto pelos sacerdotes (1:6-2:9) como pelo povo (2:11). Haviam aqueles que se casavam com mulheres pagãs (2:11) e os que eram infiéis “para com a mulher da sua mocidade” (2:14, 15). Alusões são feitas também à existência de feiticeiros e de pessoas que defraudavam “o salário do jornaleiro”, que oprimiam “a viúva e o órfão” e que torciam “o direito do estrangeiro”  (3:3). O povo não guardava os “estatutos” divinos (3:7), chegando até mesmo a roubar a Deus “nos dízimos e nas ofertas” (3:8).

Maldições decorrentes da infidelidade

O afastamento de Deus e a infidelidade generalizada nos dízimos e nas ofertas acarretaram grandes maldições para o povo. O profeta Malaquias assevera em seu livro: “Com maldição sois amaldiçoados, porque a Mim Me roubais, vós, a nação toda” (3:9). Entre as
maldições estavam o “devorador” que consumia “o fruto da terra” e a “vide no campo” que se tornara “estéril” (3:11).
As colheitas estavam sendo frustradas, não como resultante de distúrbios climáticos acidentais ou de qualquer infertilidade natural do solo, mas em decorrência da atrevida desobediência do povo aos mandamentos e estatutos divinos (ver Dt 11:16, 17; 28:15-68; 1Rs
8:35). O povo era indesculpável, pois, há quase mil anos, vinham sendo ecoados os castigos que o povo receberia por sua infidelidade ao concerto com Deus, registrados em Deuteronômio 11:16e 17:

Guardai-vos não suceda que o vosso coração se engane, e vos desvieis, e sirvais a outros deuses, e vos prostreis perante eles; que a ira do Senhor se acenda contra vós outros, e feche Ele os céus, e não haja chuva, e a terra não dê a sua messe, e cedo sejais eliminados da boa terra que o Senhor vos dá.

Igualmente conhecidas eram as admoestações de Deuteronômio 28:15-68, onde aparecem as seguintes palavras: Será, porém, que, se não deres ouvidos à voz do Senhor, teu Deus, não cuidando em cumprir todos os Seus mandamentos e os Seus estatutos que, hoje, te ordeno, então, virão todas estas maldições sobre ti e te alcançarão; maldito serás tu na cidade e maldito serás no campo. […] Os teus céus sobre a tua cabeça serão de bronze; e a terra debaixo de ti será de ferro. Por chuva da tua terra, o Senhor te dará pó e cinza; dos céus, descerá sobre ti, até que sejas destruído. […]
Lançarás muita semente ao campo; porém colherás pouco, porque o gafanhoto a consumirá. Plantarás e cultivarás muitas vinhas, porém do seu vinho não beberás, nem colherás as uvas, porque o verme as devorará. Em todos os teus limites terás oliveiras;
porém não te ungirás com azeite, porque as tuas azeitonas cairão. […] Todo o teu arvoredo e o fruto da tua terra o gafanhoto os consumirá. […]
Todas estas maldições virão sobre ti e te perseguirão, e te alcançarão, até que sejas destruído, porquanto não ouviste a voz do Senhor, teu Deus, para guardares os mandamentos e os estatutos que te ordenou.

O próprio conteúdo do livro de Malaquias deixa claro que tais “maldições” estavam sobrevindo aos israelitas daquela época, não apenas por roubarem a Deus “nos dízimos e nas ofertas” (v. 8) mas também por haverem se desviado de outros “estatutos” divinos (v. 7; cf. 1:6-
3:5). Dada à magnitude do problema, a mera restituição dos dízimos e ofertas não seria suficiente para remediar o desfavor divino. Aos escribas e fariseus, que dizimavam fielmente a hortelã, o endro e o cominho, Cristo declarou que deveriam observar também “os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fé” (Mt 23:23; cf. Lc 11:42). À semelhança destes, também os contemporâneos de Malaquias necessitavam uma reconsagração completa e incondicional da vida a Deus e aos seus estatutos.

Bênçãos resultantes da obediência
Mas se os israelitas do tempo de Malaquias abandonassem os seus maus caminhos,  voltando-se incondicionalmente para Deus, sendo fiéis também nos dízimos e nas ofertas, o Senhor abriria “as janelas do céu” e derramaria sobre eles “bênção sem medida” (3:10).
Envolvido na bênção estava a promessa de que o Senhor repreenderia “o devorador” para que não mais consumisse “o fruto da terra”, bem como a certeza de que a “vide no campo” não mais seria “estéril” (3:11). Consequentemente, a terra dos israelitas seria “uma terra deleitosa” e “todas as nações” os chamariam de “felizes” (3:12).

Tais bênçãos refletem claramente as recompensas da obediência ao concerto mencionadas em Deuteronômio 11:13 e 14:
Se diligentemente obedecerdes a Meus mandamentos que hoje vos ordeno, de amar o  Senhor, vosso Deus, e de O servir de todo o vosso coração e de toda a vossa alma, darei as chuvas da vossa terra a seu tempo, as primeiras e as últimas, para que recolhais o
vosso cereal, e o vosso vinho, e o vosso azeite. Bênçãos semelhantes são também prometidas em Deuteronômio 28:1-14, dentre as
quais destacamos as seguintes:

Se atentamente ouvires a voz do Senhor, teu Deus, tendo cuidado de guardar todos os Seus mandamentos que hoje te ordeno, o Senhor, teu Deus, te exaltará sobre todas as nações da terra. Se ouvires a voz do Senhor, teu Deus, virão sobre ti e te alcançarão todas estas bênçãos: Bendito serás tu na cidade e bendito serás no campo. […]
O Senhor determinará que a bênção esteja nos teus celeiros e em tudo o que colocares amão; e te abençoará na terra que te dá o Senhor, teu Deus.
O Senhor te constituirá para si em povo santo, como te tem jurado, quando guardares osmandamentos do Senhor, teu Deus, e andares nos Seus caminhos. […]
O Senhor te abrirá o Seu bom tesouro, o céu, para dar chuva à tua terra no seu tempo epara abençoar toda obra das tuas mãos; emprestarás a muitas gentes, porém tu não tomarás emprestado.

Tanto o livro de Deuteronômio como o de Malaquias deixam claro que as maldições e as bênçãos acima mencionadas eram resultantes da atitude negativa ou positiva do povo para com as expectativas do concerto de “servir a Deus” e de “guardar os Seus preceitos” (Ml 3:14). Mas
as próprias calamidades naturais decorrentes da desobediência tinham o propósito redentivo de levar o povo de volta a Deus (ver Am 4:6-11; comparar com Jr 18:7, 8; Ap 3:19).

Embora Deus prometesse abençoar, inclusive materialmente, aos que Lhe fossem fiéis (Ml 3:10-12), a evidência do favor divino não pode ser restrita a essa esfera, pois a prosperidade material parece ser mais comum entre os ímpios do que entre os justos. Os israelitas da época
de Malaquias reconheceram esse fato ao declarar: “Ora, pois, nós reputamos por felizes os soberbos; também os que cometem impiedade prosperam, sim, eles tentam ao Senhor e escapam” (Ml 3:15). E o Salmo 73 trata especificamente dessa mesma realidade:
Quanto a mim, porém, quase me resvalaram os pés; pouco faltou para que se desviassem os meus passos. Pois eu invejava os arrogantes, ao ver a prosperidade dos perversos. Para eles não há preocupações, o seu corpo é sadio e nédio. […]
Eis que são estes os ímpios; e, sempre tranquilos, aumentam suas riquezas. Com efeito, inutilmente conservei puro o coração e lavei as mãos na inocência. Pois de contínuo sou afligido e cada manhã, castigado.

A realidade aparentemente antitética da prosperidade dos perversos e da aflição dos
justos só foi esclarecida para o salmista quando ele entrou “no santuário de Deus” e entendeu qual seria “o fim” dos ímpios (Sl 73:17). O livro de Malaquias, por sua vez, esclarece que essa realidade só seria completamente revertida por ocasião do “grande e terrível Dia do Senhor”
(4:5), quando os justos seriam preservados como “particular tesouro” para o Senhor (3:17, 18; 4:2, 3) e os soberbos e os perversos seriam completamente abrasados, sem lhes ser deixado “nem raiz nem ramo” (4:1).

Mas, a despeito dos ensinamentos bíblicos anteriormente apresentados, existem aqueles que ainda assim continuam insistindo que Deus deve recompensar “obrigatoriamente” com prosperidade material e financeira a todos aqueles que forem fiéis no pagamento dos seus dízimos e ofertas. Diante disso, passaremos a considerar criticamente o Evangelho da Prosperidade à luz de alguns dos ensinamentos básicos da Palavra de Deus.

O Evangelho da Prosperidade e Suas Implicações
Existem sérias tensões entre o Evangelho da Prosperidade, como ensinada por muitos pregadores populares contemporâneos, e algumas das doutrinas fundamentais das Escrituras. Analisaremos, a seguir, cinco aspectos nos quais essa teologia distorce os ensinamentos bíblicos.

1. O Evangelho da Prosperidade Distorce o Caráter de Deus.
As Escrituras revelam a Deus como Alguém imparcial em Seu trato com os seres humanos, que é misericordioso e justo inclusive para com aqueles que não O amam. Com respeito ao plano de salvação, sabemos que “Deus amou ao mundo” (Jo 3:16) ao ponto de dar o
Seu próprio Filho para morrer por nós quando ainda éramos “pecadores” e “inimigos” Seus (Rm 5:8, 10). A mesma imparcialidade é manifesta também na forma como Deus preserva ainda hoje as condições necessárias para a vida neste planeta (ver Gn 8:22), a despeito das consequências degradantes do pecado (ver Gn 3). Cristo mesmo disse que Deus “faz nascer o Seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos” (Mt 5:45).

Devemos reconhecer também que, dentro da grande moldura do trato imparcial de Deus com os seres humanos, Ele precisa, muitas vezes, punir os ímpios e castigar os professos cristãos por permitirem que o pecado os afaste dEle (Is 59:2). Mas mesmo esse processo
punitivo está impregnado pelo amor redentivo que busca conduzir o pecador de volta a uma vida de plena comunhão com Deus e obediência à Sua vontade. A despeito de ser um “fogo consumidor” para o pecado (Hb 12:29), Deus continua amando os pecadores ao ponto de não
querer “que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” (2Pe 3:9). O mesmo Cristo que sempre amou os Seus inimigos e que ofereceu o Seu perdão até aos que O haviam crucificado (Lc 23:34), ainda continua concedendo o dom da vida e muitas outras dádivas para milhões e milhões de pessoas que não O amam e que até zombam do Seu nome.

Desconhecendo o caráter de Deus revelado nas Escrituras, muitos pregadores do Evangelho da Prosperidade não se constrangem em apresentar às pessoas um deus caricaturizado pelo nepotismo e por grandes barganhas financeiras com seus seguidores. Um
deus mais interessado em possuir os recursos financeiros dos seus adoradores, do que em conduzi-los a uma vida de plena e incondicional conformidade com “toda a palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4:4). Um deus capaz até de aceitar propostas agiotas como as do tipo:
“Nós lhe emprestaremos tanto, na condição de que você nos devolva essa quantia ‘multiplicada’!…” Por mais tentadoras que possam parecer, tais barganhas representam uma clara distorção populista do caráter santo e imaculado de Deus como revelado nas Escrituras.

2. O Evangelho da Prosperidade Apresenta uma Imagem Utópica da Existência Humana no
Contexto do Grande Conflito Cósmico.

A História humana é um longo processo dramático, que iniciou com os seres humanos se afastando de Deus e que terminará com o escatológico reencontro deles com Deus. Cada passo desse processo tem sido caracterizado por um ininterrupto conflito entre as forças do bem e os poderes do mal. Paulo referiu-se a esse conflito ao afirmar que a “nossa luta não é contra o sangue e a carne e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes” (Ef 6:12). E Cristo declarou que os agentes do mal buscam “enganar, se possível, os próprios eleitos” (Mt 24:24).

Satanás, qualificado nas Escrituras como “pai da mentira” (Jo 8:44) e “acusador de nossos irmãos” (Ap 12:10), não mede esforços para denegrir o caráter de Deus e para dificultar a vida dos filhos de Deus. Jó, a despeito de ser um homem íntegro e temente a Deus, sofreu
privações e padeceu injustamente, não porque houvesse pecado, mas para que o nome de Deus fosse glorificado (ver Jó 2). Em relação com o “homem cego de nascença”, Cristo esclareceu que “nem ele pecou, nem seus pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus” (Jo 9:2,

3). E o próprio Cristo nasceu em uma humilde manjedoura (Lc 2:7) e viveu uma vida humilde, de
sofrimento e de privação dos bens materiais (ver Mt 8:20; Lc 9:58).

A despeito disso, os adeptos do Evangelho da Prosperidade continuam pregando que aqueles que possuem genuína fé e que entregam as suas posses sem reservas aos cofres da igreja receberão um retorno material e financeiro multiplicado. Se esse é realmente o caso, por
que então Deus não concedeu uma dessas grandes “bênçãos financeiras” também ao Seu próprio Filho, mas acabou deixando-O mesmo sem ter “onde reclinar a cabeça” (Mt 8:20; Lc 9:58)? Por que Deus permitiu que o apóstolo Pedro chegasse ao ponto de ter de confessar que
não possuía mais “nem prata nem ouro” (At 3:6)? Por que o consagrado e dedicado apóstolo Paulo foi deixado a passar por tamanhas “privações” que outros tinham que suprir, por vezes, o que lhe “faltava” (2Co 11:9)? Será que o deus do Evangelho da Prosperidade é mais generoso do que o Deus da igreja apostólica (cf. Tg 1:17)?

Alguns pregadores do Evangelho da Prosperidade ensinam que a doença e a pobreza são causadas por demônios que podem ser expulsos definitivamente da vida, de forma que o cristão passe a gozar de plena saúde e prosperidade material. É certo que a doença e a miséria
nunca foram parte do plano de Deus para a raça humana. Mas essa espécie de “exorcismo” da doença e da pobreza, advogada pelos pregadores da prosperidade, sugerem inegavelmente uma espécie de evangelho sem cruz (cf. Mt 10:38; 16:24; Mc 8:34; Lc 9:23; 14:27). Se as coisas são realmente tão fáceis assim, por que o próprio apóstolo Paulo não conseguiu que o seu “espinho na carne” fosse removido (2Co 12:7-10)?

A Bíblia é clara em afirmar que os conflitos com os poderes das trevas jamais cessarão para o cristão enquanto ele estiver neste mundo de pecado e de privações (ver Ef 6:10-18; 1Pe 5:8, 9). É, portanto, uma grande utopia afirmar: “Aceite a Cristo, e todos os seus problemas vão
acabar!” Cristo mesmo declarou que os Seus seguidores passariam por muitas dificuldades (ver Mt 10:34-39). E o apóstolo Paulo também advertiu que “todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos” (2Tm 3:12). A realidade, como disse alguém,
é que “Cristo não prometeu remover todas as tempestades da nossa vida, e sim, estar conosco em meio às tempestades” (cf. Mt 8:23-27; Mc 4:35-41; Lc 8:22-25).

3. O Evangelho da Prosperidade Distorce a Própria Essência dos Ensinos de Cristo.

A essência do verdadeiro cristianismo é a conversão que resulta da negação do próprio eu e da entrega completa da vida a Cristo (Mt 16:24; Mc 8:34; Lc 9:23). Nessa experiência os pecadores, naturalmente egocêntricos (centralizados em si mesmos), são transformados em
cristãos alterocêntricos (centralizados em Deus e no próximo). Em Filipenses 3:4-9, Paulo fala da transformação ocorrida em sua própria vida:

Bem que eu poderia confiar também na carne. Se qualquer outro pensa que pode confiar na carne, eu ainda mais: circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu, quanto ao zelo, perseguidor da
Igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível.
Mas o que, para mim, era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo. Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as cousas e as considero como refugo, para
conseguir Cristo e ser achado nEle, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé.

Os pregadores do Evangelho da Prosperidade pretendem levar seus ouvintes a uma vida altruísta por meio de verdadeiros sacrifícios financeiros. Mas essa intenção altruísta é completamente neutralizada pelas constantes promessas de prosperidade material feitas por
esses mesmos pregadores. Como resultado dessa motivação egoística, os fiéis acabam dando dízimos e ofertas generosos porque creem que quanto mais derem, maior será o retorno financeiro “multiplicado” que acabarão recebendo!

Além dessa motivação egoística, é importante ressaltarmos também que o ego dos doadores acaba sendo exaltado ainda mais por meio de testemunhos públicos a respeito dos donativos efetuados e da consequente prosperidade recebida. (Não podemos nos olvidar de que
muitos dos testemunhos divulgados pela mídia são depoimentos remunerados financeiramente!) Por trás de tudo isso pode estar a melhor das intenções, mas uma coisa é certa: essa prática está em direta oposição ao exemplo de Cristo e aos Seus ensinos! No relato da oferta da viúva
pobre (ver Mc 12:41-44; Lc 21:1-4) e na parábola do fariseu e do publicano (ver Lc 18:9-14) Cristo reprovou claramente esse tipo de “testemunhos” exibicionistas. O mesmo princípio da doação discreta é também enaltecido por Cristo em Mateus 6:2-4:

Quando, pois, deres esmola, não toques trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém, ao dares a esmola, ignore a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita; para que a tua esmola fique em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.

4. O Evangelho da Prosperidade Aplica à Igreja do Novo Testamento Muitas das
Promessas de Prosperidade Teocrática do Antigo Testamento.

Para entendermos melhor o assunto da prosperidade material nas Escrituras, devemos fazer uma clara distinção entre a natureza missionária centrípeta da Teocracia-Monarquia do Antigo Testamento e o propósito missionário centrífugo da Igreja do Novo Testamento.9 No
período do Antigo Testamento, Deus escolhera a Abraão e aos seus descendentes para fazer  deles uma nação próspera e exemplar, que atraísse centripetamente os demais povos e nações à adoração ao verdadeiro Deus (ver Gn 12:1-3; 15:13, 14; 22:16-18). Israel chegou perto de atingir esse ideal durante os reinados prósperos de Davi e Salomão (ver 1Rs 4 e 10), mas acabou se afastando desse mesmo ideal com as crescentes manifestações de apostasia e idolatria que culminaram na queda do Reino do Norte (2Rs 17) e no exílio do Reino do Sul (2Rs
25; 2Cr 36:17-21; Jr 39 e 52).

Já sob o Novo Testamento, encontramos a Igreja de Cristo com a missão centrífuga de sair para pregar o evangelho do reino a todo o mundo (ver Mt 24:14; 28:18-20; Mr 16:15, 16; Lc 24:45-49; At 1:8). Essa é uma missão deveras desafiadora, pois o “campo é o mundo” (Mt 13:38)
e “os trabalhadores” continuam sendo proporcionalmente poucos (Mt 9:37; Lc 10:2). Em face dessa realidade, devemos considerar como pertinentes, ainda hoje, as clássicas palavras de Cristo registradas em Mateus 6:19-21:

Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está
o teu tesouro, aí estará também o teu coração. É certo que os pregadores da prosperidade buscam, por um lado, fazer com que as
pessoas se desfaçam dos seus bens materiais, em favor da Igreja. Mas, por outro lado, eles prometem aos fiéis grande prosperidade material e financeira nesta vida. Tais promessas ignoram a realidade do grande conflito e o fato que mesmo o justo pode experimentar sofrimento e privação, como demonstrado na experiência de Jó.

5. O Evangelho da Prosperidade Desvirtua o Amplo Espectro da Obediência Cristã.

Tanto no livro de Malaquias quanto no do Deuteronômio (caps. 11 e 28), a condicionalidade para o recebimento das bênçãos divinas está relacionada não apenas com a fidelidade nos dízimos e ofertas (Ml 3:10-12), mas também com a dedicação da vida a Deus, em plena obediência à Sua vontade. Cristo referiu-Se à essa mesma realidade em Mateus 5:21-23, quando disse:

Nem todo o que Me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de Meu Pai, que está nos céus. Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em Teu nome, e em Teu nome não expulsamos demônios, e em Teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade.

Embora Cristo enfatize reiteradas vezes, ao longo dos Seus ensinos, que é muito mais importante ser do que ter, os pregadores do Evangelho da Prosperidade colocam, de acordo com Caio Fábio, mais ênfase no ter do que no ser.
10 A maior preocupação deles, não é saber se os crentes estão mantendo limpas as mãos e puro o coração (ver Sl 24:3-5), nem se estão vivendo em conformidade com “toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4:4) e nem mesmo se estão permitindo que o verdadeiro Espírito Santo os guie “a toda a verdade” (Jo 16:13; cf. 1Jo 4:1; At 5:32); mas sim, se estes conseguiram falar em línguas estranhas, se em sua vida ocorreu algum milagre sobrenatural e se eles estão multiplicando as suas posses materiais.

Lamentavelmente, a religião ensinada por muitos dos pregadores da prosperidade não passa de uma religião de marketing populista para conseguir aumentar, a qualquer custo, o número de adeptos e os recursos financeiros de suas respectivas denominações. O falar em línguas estranhas é encarado, por grande número deles, como muito mais importante do que conter a própria língua (ver Tg 3:1-12; 1Co 14:18, 19); as curas por meio de milagres sobrenaturais, como muito mais relevantes do que viver preventivamente em conformidade com os princípios bíblicos de saúde (ver 1Co 3:16, 17; 6:19, 20); e a pregação da prosperidade temporal, como bem mais importante do que conduzir os pecadores à “herança dos santos na luz” (Cl 1:12). Esses pregadores se entusiasmam bem mais em serem capazes de ordenar como Pedro: “levanta-te e anda” (At 3:6, ARC), e bem menos em advertir como Cristo: “vai e não peques mais” (Jo 8:11; cf. 5:14).

Resumo e Conclusões

Tanto o livro de Malaquias como o de Deuteronômio deixam claro que inúmeras bênçãos ou maldições resultariam da atitude positiva ou negativa do povo para com as expectativas do concerto de “servir a Deus” e de “guardar os Seus preceitos” (Ml 3:14). Embora Deus prometesse abençoar, inclusive materialmente, aos que Lhe fossem fiéis (Ml 3:10-12), a evidência do favor divino não pode ser restrita a essa esfera, pois a prosperidade material parece ser mais comum entre os ímpios do que entre os justos (ver Ml 3:15; Sl 73:2-17).

O Evangelho da Prosperidade, ensinada hoje por muitos pregadores populares, (1) distorce o caráter de Deus, (2) apresenta uma imagem utópica da existência humana no contexto do Grande Conflito Cósmico, (3) distorce a própria essência dos ensinos de Cristo, (4) aplica à
Igreja do Novo Testamento muitas das promessas de prosperidade teocrática do Antigo Testamento e (5) desvirtua o amplo espectro da obediência cristã.

Uma vez que “o amor do dinheiro é raiz de todos os males” (1Tm 6:10) e que os cristãos são aconselhados pelo próprio Cristo a não acumularem para si “tesouros sobre a terra” (Mt 6:19), cremos que os postulados do Evangelho da Prosperidade distorcem os ensinos do Novo Testamento sobre o relacionamento do cristão com os bens materiais. Se a dedicação da vida a Deus sempre resulta na bênção da “prosperidade financeira”, por que então nem Cristo e nem os apóstolos foram agraciados com essa bênção? Será que nenhum deles cumpriu as condições necessárias para que isso ocorresse?

Os pregadores da prosperidade procuram levar os crentes a se tornarem cada vez mais altruístas em seus donativos em favor da Igreja. Mas a motivação empregada para atingir esse fim acaba reforçando ainda mais o instinto egoísta dos crentes. As pessoas acabam dando grandes donativos, não por um amor desinteressado pela causa do evangelho, mas porque creem que com tais donativos conseguirão um retorno financeiro altamente lucrativo (“multiplicado”). Esse tipo de incentivo egocêntrico à prosperidade, pregado em nome de Deus (cf. Mt 7:21-23), nega a própria essência dos ensinos de Cristo (ver Mt 16:24; Mc 8:34; Lc 9:23).
______________________
1 Todas as referências bíblicas sem a indicação de uma tradução específica foram extraídas da Versão
Revista e Atualizada no Brasil (2ª edição), de João Ferreira de Almeida. 2 Bispo Macedo, Vida com Abundância, 12ª ed. (Rio de Janeiro: Editora Gráfica Universal, 1996), 79, grifos
acrescentados. 3 Bispo Macedo, O Poder Sobrenatural da Fé, 3ª ed. (Rio de Janeiro: Editora Gráfica Universal, 1997), 145-
146, 147, grifos acrescentados. 4 Kenneth E. Hagin, How God Taught Me About Prosperity (Tulsa, OK: Kenneth Hagin Ministries, 1985), 1. 5 Para uma história abrangente do evangelho da prosperidade Americano, veja Kate Bowler, Blessed: A
History of the American Prosperity Gospel (New York, NY: Oxford University Press, 2013). Para uma vista geral da
riqueza e rápido crescimento da Igreja Universal do Reino de Deus no Brasil, veja Leonildo Silveira Campos, Teatro,
Templo e Mercado: Organização e Marketing de um Empreendimento Neopentecostal, 2ª ed. (Petrópolis, RJ, Brasil:
Vozes; São Paulo, Brasil: Simpósio Editora; São Bernardo do Campo, SP, Brasil: Unesp, 1999). 6 Bill Hamon, Prophets and Personal Prophecy: God’s Prophetic Voice Today: Guidelines for Receiving,
Understanding, and Fulfilling God’s Personal Word to You (Shippensburg, PA: Destiny Image, 1987), 124, 126. 7 Para uma análise crítica detalhada do evangelho da prosperidade, veja e.g., Gordon D. Fee, The Disease
of the Health & Wealth Gospels (Vancouver, British Columbia: Regent College Publishing, 2006); David W. Jones
and Russell S. Woodbridge, Health, Wealth & Happiness: Has the Prosperity Gospel Overshadowed the Gospel of
Christ? (Grand Rapids, MI: Kregel, 2011). Veja também Bruce Shelley and Marshall Shelley, Consumer Church: Can
Evangelicals Win the World Without Losing Their Souls? (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1992), 109–121. 8 Francis D. Nichol, ed., Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, ed. rev. (Tatuí, SP, Casa
Publicadora Brasileira, 2013), vol. 4, p. 1121. 9 Para um estudo mais detalhado do assunto, veja e.g., Johannes Blauw, The Missionary Nature of the
Church: A Survey of the Biblical Theology of Mission (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1974). 10 Veja Caio Fábio, A Crise de Ser e de Ter, ed. rev. e au. ([Rio de Janeiro]: Vinde, 1995).

Copyright © Biblical Research Institute General Conference of Seventh-day Adventists®