Evangelizando com as portas fechadas

Como nossas igrejas abraçam os adoradores? O que pregam para a comunidade, mesmo quando não há ninguém lá dentro?

Ultimamente, especialistas em crescimento de igreja têm olhado a experiência do cristão de modo mais amplo, incluindo até seu relacionamento com as estruturas físicas. “Igrejas que crescem também dedicam significativa quantia de tempo se preparando para receber companhia – os visitantes. Para elas, isso envolve atividades como preparar um culto atrativo, organizar equipes de recepção, limpar as dependências do templo, oferecer refrescos e, principalmente, criar um ambiente acolhedor. Essas igrejas acreditam que só têm uma chance de causar uma primeira impressão, e querem que os visitantes sintam uma atitude amistosa de boas-vindas.”[1]
A necessidade de um distrito no interior de São Paulo, em 2007, me despertou para a importância de melhor compreensão do papel da estrutura física da igreja na vida dos membros e da comunidade. Das cinco igrejas do distrito, três estavam em construção. Por diversos fatores, essas igrejas estavam em obras, em média, havia dez anos. Uma tinha sido inaugurada dois anos antes, mas ainda precisava ser finalizada. A outra havia sido inaugurada há mais tempo e não necessitava ser construída. Cada uma estava num estágio diferente do processo, mas tinham algo em comum: a influência daquela condição sobre os membros e a comunidade.
Posteriormente, percebi que aquela não era uma situação isolada, já que as estatísticas apontavam para uma tendência geral. No início do ano passado, o jornal O Globo divulgou que “a cidade de São Paulo ganhou, em média, um novo templo religioso a cada dois dias, nos últimos quatro anos”. Números da prefeitura apontavam 3.584 templos e igrejas. Quatro anos antes, havia 2.675, o que significa um acréscimo de 227 igrejas a cada doze meses. Na ponta do lápis, há um local de oração para cada três mil moradores dessa metrópole.[2] Essa avalanche de construções a adaptações de edifícios destinados ao culto e ao evangelismo é consequência da expansão das denominações, combinada com incentivos fiscais e uma reflexão maior sobre a influência da estrutura física nos crentes. Isso ocorre em todos os lugares, em maior ou menor ritmo. Neste artigo, pretendo estimular a discussão sobre a influência significativa do aspecto físico das igrejas locais na experiência dos adoradores e no testemunho. Se você está plantando uma igreja; ou ela está em processo de reforma ou construção; ou talvez jamais tenha sido finalizada; ou mesmo se há muito tempo não se tem preocupado com a aparência; estas reflexões talvez se tornem um incentivo para você e sua igreja.
Teologia do espaço
O espaço influencia o ser humano. Os projetistas comerciais há muito têm se dedicado a entender esse relacionamento. Numa loja ou supermercado, a sequência das prateleiras e a disposição dos produtos são calculadas e estudadas para que consumidores sejam expostos ao maior número de produtos e sejam “tentados” a comprar mais do que a intenção inicial.
Na Bíblia, os espaços designados para a adoração foram projetados com intenções claramente definidas. Seja no tabernáculo ou nos templos, o tamanho, a matéria-prima, a decoração, tudo contribuía para o objetivo final. Posteriormente, as catedrais se tornaram exemplos de projetos com características voltadas para o propósito de adoração, com plantas em formato de cruz, posicionamento em relação à iluminação do sol, características verticais exteriores (torres, abóbadas, pináculos), móveis, entre outras partes.
Richard Kieckheffer aponta que a arquitetura das igrejas é condicionada pelas preferências estéticas, as atividades, a identidade eclesiástica, a etnologia, os valores, mas também, pela teologia. Segundo ele, podemos analisar os vários aspectos de estrutura física de uma igreja, de acordo com três modelos básicos de arquitetura eclesiástica, em quatro categorias: dinâmica espacial, foco centralizador, impacto estético e ressonância simbólica.[3]
Paul L. Metzger, professor de teologia cristã e teologia da cultura, sugeriu recentemente que devemos pensar além da capacidade da igreja e considerar como os espaços estão formando, reforçando e até transformando os valores daqueles que neles penetram.[4] Como parte dessa discussão, a teologia do espaço poderia considerar a apresentação de atributos divinos como beleza, harmonia, detalhismo, reverência e santidade, mas certamente um aspecto se torna central: a proximidade de Deus. Jesus explicou esse princípio na conversa com a mulher samaritana (Jo 4:21-24).

Deus criou o ser humano para um relacionamento próximo. Buscou manter esse ideal em relação ao povo de Israel através da construção do tabernáculo (Êx 25:8). Ofereceu a salvação através da Sua encarnação (Jo 1:14). E possibilitou que cada pessoa se tornasse um templo do Espírito Santo (1Co 3:16, 17). A igreja continuou se reunindo nas dependências do templo (At 2:42-47). Chegará o dia em que Deus novamente poderá Se reunir face a face com Seu povo (Ap 21:3). Essa centralidade da presença de Deus é chamada, por Mark Torgerson, de arquitetura da imanência, por causa da ênfase teológica intencional na presença de Deus na arquitetura, e expressada através do Seu povo.[5]

“O líder habilidoso estudará não somente seu programa, mas aqueles para quem eles ministrará, e então planejará tudo para suprir as necessidades do grupo. Não somente o programa precisa ser planejado, mas a aparência da casa de adoração em si é importante. Nada deve distrair os adoradores… Organismos físicos dependem da atmosfera. Sem atmosfera eles morreriam.”[6]

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Usando esse termo para nossa vida espiritual, Ellen G. White afirma que todos os nossos encontros “deveriam estar envolvidos com a atmosfera do Céu”.[7]
Portanto, é o momento de questionar: Como a adoração, nas suas igrejas, é influenciada pela sua teologia do espaço?
Evangelismo arquitetural
Recentemente, a influência da arquitetura eclesiástica passou a ser estudada não somente em relação à adoração, mas também em relação ao evangelismo. Em 2005, Aaron Zephir, da Escola de Arquitetura da Universidade de Maryland, Estados Unidos, desenvolveu uma tese sobre o evangelismo arquitetural, buscando explorar como uma igreja pode comunicar sua missão e seus valores numa sociedade cada vez mais secular.[8]
Os extremos na visão sobre o modo de ser uma igreja apontam para o prédio imponente, com rampas, escadas e pequenos vitrais ou para um prédio de quatro paredes que simplesmente proteja as pessoas da chuva, durante o culto. A nova versão dessa segunda ideia são os galpões que comportam muitas pessoas para que entrem e permaneçam durante os poucos minutos do culto, indo embora imediatamente.
De um lado, ficam as catedrais que apresentam um Deus transcendente e impessoal; do outro, os edifícios voltados exclusivamente para a celebração das pessoas, esquecendo-se da razão do encontro. Moyra Doorly chega a dizer que “a era moderna testemunhou a construção das igrejas mais banais e não inspiradoras de toda a história”.[9]
O ideal está num modelo equilibrado, que seja funcional e, ao mesmo tempo, capaz de favorecer a inspiração. Esse local deve denotar a intenção das escolhas, comunicar a história de Cristo e apontar para a esperança da Sua segunda vinda. Tem que inspirar o adorador a se aproximar de Deus e ainda ser receptivo para abraçar a comunidade. Por isso, “deveríamos privilegiar um conceito mais utilitarista para os locais ou edifícios que servem à igreja. Hoje a igreja precisa de locais de uso múltiplo, abrangentes, simples e funcionais. Em vez de templos, necessitamos de centros de evangelismo, comunhão e serviços comunitários”.[10]
O que foi uma tendência na era moderna, a de minimizar ou excluir a maioria dos símbolos cristãos sagrados, deixou de ser relevante no pós-modernismo. Os mais jovens são atraídos por um envolvimento mais integral na adoração. Um estudo da LifewayResearch demonstrou que, para 54% das pessoas, a arquitetura impacta sua experiência (22% disseram que o impacto é forte).[11]
Embora somente a arquitetura de uma igreja não possa determinar completamente a experiência de alguém, ela pode provocar associações e facilitar a revelação de verdades e a integração com as pessoas. Os edifícios semiconstruídos ou em obras por vários anos, do distrito anteriormente mencionado, desanimavam os membros no planejamento de maiores esforços evangelísticos, não facilitavam os convites dos amigos para conhecerem a igreja nem retratavam com fidelidade o Deus adorado naqueles ambientes.
“A maioria das pessoas que passam na frente de uma igreja nunca entra. Mas elas formam uma impressão da igreja através da igreja física. Existem perguntas que surgem na mente das pessoas, consciente ou inconscientemente: ‘Este prédio e seu propósito são relevantes para mim? Ou de nenhum interesse particular?’ As pessoas estão inclinadas a imaginar se a instituição que o prédio representa tem algo a dizer para elas que valha a pena escutar.”[12]
Buscando mudar essa situação, uma outra igreja em que trabalhei, nos Estados Unidos, decidiu sair num determinado sábado para agradecer os mais próximos pela boa vizinhança e convidá-los a conhecer a igreja. Não que o prédio fosse novo, mas que ele nunca estivera à disposição deles. Em 2005, foi feito um esforço junto à Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Turismo de Campinas, SP, para incluir a igreja adventista central no roteiro turístico da cidade, por causa de sua arquitetura atrativa e localização estratégica no miolo da cidade.

As igrejas precisam ser construídas onde as pessoas estão. Elas devem facilitar o encontro de umas com as outras, a comunhão dos irmãos. Além da localização, várias igrejas têm salas, auditório e quadra que podem ser utilizados pela comunidade para programas que não aconteçam em horários de culto, como aulas para adultos, treinamentos comunitários, campanhas de vacinação, reuniões da associação de moradores do bairro, e outras atividades.

Em 1976, Neville Clouten, doutor em arquitetura, expôs na revista Ministry um projeto que refletia essa compreensão sobre o papel da arquitetura eclesiástica, para a igreja adventista Golden Coast, em Queensland, Austrália. Nesse projeto de construção, ele trabalhou com seis princípios: 1) Expressar a crença em Cristo como resposta para todos os problemas; 2) refletir a missão da Igreja Adventista do Sétimo dia; 3) enfatizar a disposição dos membros em testemunhar para o mundo e congregar como adoradores; 4) criar uma atmosfera que atraia o mundo, em vez de repeli-lo; 5) relacionar com o clima da localização geográfica específica; 6) economizar nos espaços, onde for possível.[13]

Segundo o arquiteto Mel McGrowan, outro especialista em projetos de igrejas, a pergunta mais importante é: “Para quem estamos projetando esta igreja?” Ele conclui: “Tenho me convencido de que as paredes da igreja são a maior barreira entre a igreja e os de fora, os perdidos e os salvos, Cristo e a comunidade.”[14]

“A construção da igreja é uma ajuda ou um empecilho primordial para a construção do Corpo de Cristo. E o que o prédio diz, frequentemente, proclama algo completamente contrário àquilo que estamos buscando expressar através da liturgia. O prédio sempre vai ganhar – a não ser e até que o façamos dizer algo diferente.”[15]

“Em se despertando qualquer interesse numa vila ou cidade, esse interesse deve ser apoiado. Os lugares devem ser completamente trabalhados, até que se erga uma humilde casa de culto como sinal, como monumento do sábado de Deus, como uma luz entre as trevas morais. Esses monumentos devem aparecer em muitos lugares, como testemunhos da verdade.”[16] “Não temos nenhuma ordem de Deus para construir um edifício que se compare ao templo em riqueza e esplendor. Mas cumpre-nos construir uma humilde casa de culto, simples, correta e perfeita em sua construção.”[17]
Somente construir ou reformar uma igreja não vai resultar em crescimento automático. E nenhuma igreja está verdadeiramente pronta para lidar com assuntos de propriedade e construção até que tenha desenvolvido uma estratégia detalhada de crescimento. Mas, ignorar o aspecto físico, como se não existisse relação nenhuma com o desenvolvimento e crescimento da igreja, também é um erro. Estudos mostram que o espaço e o prédio são fatores importantes em padrões de crescimento sustentável.[18]
Nesse contexto, o arquiteto Gary Nicholson sugere que a estrutura física é uma ferramenta para fazer a igreja crescer, e é importante que seja a ferramenta certa para o projeto certo.[19] Se a igreja toda estiver consciente da necessidade de criar uma imagem do local de adoração que amamos (na mente dos amigos, vizinhos e da comunidade em geral), então poderá ocorrer um impacto que jamais imaginamos.[20] “Livraria, exposições, cursos, escritório de aconselhamento pastoral, sala de música, sala de vídeo, capela de oração e tudo o mais que possa facilitar a comunicação integral do evangelho, ampliar as oportunidades de convivência entre os membros e atrair a comunidade na qual a igreja está inserida, devem ser considerados elementos de missão.”[21]
O segundo grupo de perguntas de maior impacto, portanto, é: Como a comunidade vê a sua igreja? A aparência da sua igreja convida ou rejeita a comunidade? Qual tem sido a contribuição da arquitetura da sua igreja no evangelismo?
Além da estética
Após dois anos, quando as quatro igrejas daquele meu distrito foram terminadas e a quinta foi reformada, com o apoio da Associação e da União, doadores externos e membros das igrejas, o impacto sobre eles e na comunidade foi visível. Aumentou a frequência aos cultos, planos foram desenvolvidos pelos oficiais, mais reverência e zelo foram demonstrados. A comunidade não escondeu a curiosidade. As autoridades locais também manifestaram apreço pelo desenvolvimento da igreja. Em tudo isso, vimos uma atmosfera renovada e propícia para o cumprimento da missão. Christian Schwarz menciona que essa espiritualidade contagiante é um dos fatores que mais influenciam as igrejas no seu crescimento.[22] Esse é um resultado da santa reverência com a qual nos deparamos quando estamos na presença de Deus, o misterium tremendum, a mais profunda experiência humana.[23]
“Riqueza ou elevada posição, caros equipamentos, arquitetura ou mobiliários, não são essenciais ao progresso da causa de Deus; tampouco as realizações que atraem o aplauso das pessoas e fomentam a vaidade. As exibições mundanas, conquanto imponentes, são de nenhum valor aos olhos de Deus. Acima do que é visível e temporal, Ele aprecia o invisível e eterno. O primeiro só tem valor na medida em que exprime o segundo. As mais belas produções de arte não possuem beleza que se possa comparar à beleza de caráter, que é o fruto da operação do Espírito Santo na pessoa.”[24]

Fico imaginando o poder do testemunho produzido pela igreja que tem Jesus como a pedra angular, fundamento “no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, no qual também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito” (Ef 2:21, 22) e que prega através daqueles que fazem parte do corpo, enquanto esses vão em busca dos perdidos. A igreja educa a mente, mas deve educar também os sentidos.[25] Os olhos veem os revestimentos e não são direcionados para o conflito cósmico concreto. A mão é obrigada a encontrar outra mão, muitas vezes, num cumprimento frio que não lembra, nem de longe, as mãos dadivosas do Salvador ou as mãos esperançosas dos vizinhos necessitados. O nariz é despertado pelo odor de mofo de um local que fica fechado durante a maior parte da semana e encobre a fragrância da vitalidade de um corpo que exala o perfume do evangelho. Os ouvidos são obstruídos pelo nível de ruído e não atentam para o som das águas e a harmonia das vozes que introduzem o adorador à realidade eterna.

No fim de 2008, havia 6.109 igrejas e 6.306 grupos adventistas no Brasil,[28] nem todos com sede própria. Que oportunidade de apresentar a mensagem numa realidade multidimensional, transformando as palavras em realidade que apele consistente, coerente e persistentemente àqueles que avistam e entram na igreja de Deus!

Nota: Devido à limitação de espaço, o autor disponibilizou três recursos práticos complementares relacionados à implementação desses conceitos (“Cinco princípios práticos”; “Dez aspectos de um local de adoração apropriado”; “Pesquisa sobre aspecto físico da igreja”), e também as referências bibliográficas no seguinte endereço: http://mecdiasarticles. blogspot.com/2010/03/recursos-complementares-para.html