Excelência espiritual

O exemplo de Daniel nos motiva e ajuda em nossa busca de reavivamento e reforma

Embora seja sempre necessário, o chamado ao reavivamento não é novo. Ellen G. White o apresentou nas seguintes palavras: “Um reavivamento da verdadeira piedade entre nós, eis a maior e a mais urgente de todas as nossas necessidades. Buscá-lo, deve ser nossa primeira ocupação. Importa haver diligente esforço para obter a bênção do Senhor, não porque Deus não esteja disposto a outorgá-la, mas porque nos encontramos carecidos de preparo para recebê-la.”[1]

Como líderes do povo de Deus, esse convite deve encontrar resposta primeiramente em nós, para que o processo alcance a igreja, capacitando-a para concluir sua missão. A vida de Daniel nos oferece lições cuja prática pode nos ajudar a ser líderes reavivados, guiados pelo Espírito de Deus.

No fim do sétimo século a. C., o mundo estava agitado. O poderoso império assírio havia entrado em declínio[2] e Babilônia despontava como novo poder dominante no cenário político daquela região. Essa agitação afetava diretamente o povo de Deus, visto que Israel estava situado na encruzilhada das nações, no caminho de Babilônia para o Egito e vice-versa. Daniel, um jovem entre 15 e 18 anos,[3] foi tirado de sua terra e de seu povo, da proximidade da casa de Deus em Jerusalém, e levado cativo para um lugar estranho. Esse foi um momento de crise na vida daquele filho de Deus. Mas foi em meio à crise que sua conduta começou a revelá-lo como alguém profundamente espiritual.

Um homem diferente

A primeira referência à espiritualidade de Daniel é encontrada no capítulo 4 de seu livro. Diante do fracasso dos conselheiros em interpretar o sonho que teve Nabucodonosor com uma grande árvore, o profeta foi chamado para resolver o impasse. Nesse episódio, o rei a ele se referiu como alguém que possuía “o espírito dos deuses santos” (Dn 4:8, 9, 18). A palavra aramaica aqui traduzida como “deuses” é ’elahin, que se refere a deuses falsos, mas também pode ser aplicada ao Deus verdadeiro. Talvez por isso, a versão de Teodócio traduziu o texto enfatizando que Daniel tinha “em si o Santo Espírito de Deus”.[4] Noutras palavras, “a qualificação de Daniel para interpretar sonhos era que Deus habitava nele, e esse é o pré-requisito para o discernimento espiritual hoje”.[5]

Posteriormente, a incompetência dos sábios de Babilônia para decifrar uma inscrição misteriosa na parede deixou o rei Belsazar aterrorizado (Dn 5). Então, a rainha-mãe o aconselhou a chamar Daniel para dar a explicação, visto que nele havia “o espírito dos deuses santos” (Dn 5:11). Observe a semelhança com a expressão anteriormente usada por Nabucodonosor. Assim, Daniel era reconhecido por suas habilidades oriundas do próprio Deus. Entre os episódios dos capítulos 4 e 5, haviam se passado aproximadamente trinta anos. Mas Daniel ainda era conhecido como homem em quem havia o Espírito de Deus.

Finalmente, no capítulo 6, o rei Dario reconheceu que em Daniel “havia um espírito excelente” (Dn 6:3). Por isso, o rei decidiu promovê-lo ao maior nível hierárquico possível no reino. As qualidades espirituais daquele servo de Deus foram consideradas essenciais para a nova administração. Em geral, quando as empresas desejam em seus quadros um executivo à altura de grandes responsabilidades, avaliam nos candidatos aspectos como proatividade, qualificações acadêmicas ou gerenciais, especializações, competência atestada pela realização ou implementação de projetos, entre outros. Raramente o aspecto espiritual é levado em consideração.

Entretanto, um indivíduo comprometido com Deus, guiado pelo Espírito, pode ser a pessoa certa para enfrentar os desafios. Se nos dias de Dario, tal pessoa era necessária, muito mais em nossos dias. Hoje, o desafio é derrubar as fortalezas da incredulidade, do ateísmo, do agnosticismo, do materialismo, do secularismo, do desinteresse pelo evangelho e reorganizar vidas afetadas por esses conceitos, introduzindo nelas princípios celestiais que lhes darão novo sentido. Para esse desafio, são necessários homens e mulheres que tenham em si o Espírito Santo de Deus.

É nossa convicção que a experiência de Daniel pode nos apontar alguns passos práticos nessa jornada em busca de mais espiritualidade, reavivamento e reforma.

Firmemente decidido

O texto bíblico diz que Daniel “resolveu firmemente não se contaminar” (Dn 1:8). Dessa expressão podemos salientar que, primeiramente, Daniel tomou uma decisão que deu evidências de suas profundas convicções. Na versão Almeida Revista e Atualizada, a força da expressão original foi traduzida como “resolveu firmemente”. Isto é, foi uma decisão nascida no coração; não uma consequência de pressões externas. Daniel foi um jovem guiado pela consciência do que é correto diante de Deus e de sua fidelidade a esse Deus.

Em segundo lugar, é-nos dito que foi uma resolução “firme”, que deveria ser mantida independentemente das consequências. Finalmente, essa decisão envolvia a fuga da “contaminação”. O verbo “contaminar”, do hebraico gá’al, aparece onze vezes no Antigo Testamento e se refere à contaminação moral ou cerimonial.[6] Daniel não estava disposto a sofrer nenhuma forma de contaminação disponível em Babilônia.

As implicações são claras para os fiéis de Deus em todos os tempos e lugares. Sempre estaremos sujeitos a situações em que deveremos decidir firmemente não nos contaminarmos. A facilidade com que hoje o indivíduo pode contaminar a mente deve levar a uma reflexão sobre a correção de nossos atos. Ligar-se à internet pode ser o primeiro passo rumo à queda espiritual. É verdade que esse moderno instrumento tecnológico oferece muitos recursos úteis, mas também é verdade que a oferta de “comida e bebida de Babilônia” é quase ilimitada. Esse é apenas um exemplo, e cada pessoa sabe o que representa, para si, o banquete de Babilônia.

Esse “banquete” pode incluir até métodos ilícitos de trabalho e liderança. Lembremo-nos de que Daniel ocupou função administrativa, mas em nenhum momento usou inadequadamente o poder; jamais se deixou contaminar por procedimentos incorretos que, de alguma forma, o levassem a trair seu compromisso com Deus. Se queremos ser reconhecidos como homens do Espírito, a primeira coisa a fazer é seguir o exemplo de Daniel.

Homem de oração

Depois da graduação, Daniel enfrentou outra crise, quando Nabucodonosor sonhou com uma estátua (Dn 2). Se na primeira o desafio era se manter incontaminado em um ambiente adverso, na segunda, a própria vida estava em risco. Não foi consultado sobre o problema que perturbava o rei, mas mesmo assim, foi condenado à morte com os sábios de Babilônia. Que fez Daniel? Além do fato de buscar informação sobre o assunto e pedir tempo, o que é enfatizado no texto é o clamor que ele fez a Deus. O profeta exortou os companheiros “para que pedissem misericórdia ao Deus do Céu sobre este mistério”, a fim de que todos fossem poupados (Dn 2:18). Como sabemos, a oração foi atendida.

Quase no fim da vida, Daniel enfrentou outra crise ameaçadora (Dn 6). Ao saberem que ele estava para ser promovido, pessoas influentes no reino se uniram para derrubar o idoso servo de Deus. Na famigerada busca de poder, camuflaram seus verdadeiros desígnios sob pretenso interesse religioso. Usaram a religião para satisfação de interesses pessoais escusos. Percebe-se não ser novidade pessoas utilizarem a religião para autopromoção ou auferir vantagens imediatas. Aqueles homens eram movidos pela inveja profissional e não permitiriam que alguém de fora do seu círculo desfrutasse da posição, condição e consideração que eles entendiam como exclusividade do grupo. Assim raciocinando, os conspiradores se uniram e apresentaram ao rei o plano de um decreto que feria os hábitos de comunhão mantidos por Daniel (Dn 6:7-9). Ao perceberem que o profeta não se intimidou (v. 10), pressionaram o rei a cumprir o decreto e cobraram a execução de Daniel (Dn 6:7, 12, 16).[7] Não custa lembrar que juntos foram atirados aos leões (v. 24).

Na malfadada trama, “os inimigos do profeta contavam com o firme apego de Daniel ao princípio para o sucesso de seu plano”.[8] Ou, como afirmou William Shea, “Daniel tinha fé em seu Deus, mas seus colegas tinham fé em Daniel”.[9] Isso era simplesmente consequência de uma vida de consagração e confiança em Deus. Em sua adolescência, quando chegou a Babilônia, Daniel decidiu se manter fiel aos princípios nos quais havia sido educado e, na velhice, as ameaças de morte não foram suficientes para que ele se rendesse.[10]

Assim, Daniel manteve a vida devocional, não alterando “sua conduta num mínimo que fosse”.[11] Para ele, a oração não era “um último recurso… mas uma parte integrante de sua vida”.[12] Em outro episódio, ao orar em favor de seu povo, a intensidade com que ele orou a Deus é revelada nos termos “jejum, pano de saco e cinza” (Dn 9:3). Olhando esse exemplo, devemos ter em mente que “só podemos esperar um reavivamento em resposta à oração”.[13]

Estudante da Bíblia

No fim do capítulo oito, encontramos Daniel perturbado com a revelação recebida. Afinal, como harmonizar os 70 anos de cativeiro preditos pelo profeta Jeremias com as 2.300 tardes e manhãs?

Diante disso, Daniel tomou uma atitude notável, considerando que era um profeta privilegiado, a quem o Senhor tinha revelado importantes profecias e que recebeu explicações detalhadas de um anjo, a respeito da visão. Tinha comunicação com o Céu. Mas isso não o tornou preguiçoso nem presunçoso. Não esperava receber de forma sobrenatural o que podia ser adquirido naturalmente, embora entendamos que o Espírito Santo ilumina a mente de quem se aplica ao estudo da revelação escriturística. Perplexo, diante da aparente incongruência entre a profecia das 70 semanas de Jeremias e a visão das 2.300 tardes e manhãs, o profeta determinou-se a estudar as Escrituras, em busca de respostas.

Se, num momento de perplexidade, um profeta escolhido por Deus se dedicou a estudar a Bíblia com fervorosa oração, quanto mais deveríamos nos demorar em profunda pesquisa e reflexão sobre as verdades comunicadas pelo Céu! Nesse estudo, podemos nos apegar às promessas contidas no Sagrado Livro, encontrando segurança para continuar a jornada e antecipar seu glorioso final. “Há necessidade de mais íntimo estudo da Palavra de Deus; especialmente devem Daniel e Apocalipse merecer a atenção como nunca antes na história de nossa obra.”[14]

Ao mesmo tempo, não devemos nos esquecer de que “o estudo das Escrituras é o meio divinamente ordenado para levar o homem a mais íntima comunhão com seu Criador e dar-lhe mais claro conhecimento de Sua vontade”.[15] “Dá estabilidade de propósitos, paciência, coragem e fortaleza; aperfeiçoa o caráter e santifica a alma”.[16]

Testemunha humilde

É uma prática reprovável o indivíduo capitalizar para si todos os êxitos e compartilhar apenas os fracassos. Na verdade, devia fazer justamente o contrário: compartilhar o êxito com os colaboradores e assumir os fracassos. Infelizmente, egos inflados não permitem que o verdadeiro Autor das proezas seja revelado. Às vezes, por trás de expressões piedosas, esconde-se um coração orgulhoso dos próprios feitos, e Deus é usado apenas como trampolim para o indivíduo alavancar a própria carreira, conquistando posições que lhe permitam desfrutar status elevado e até benefícios materiais.

Mais uma vez, o exemplo de Daniel merece nossa consideração. Lembremo-nos de que, por ocasião da primeira “realização” (Dn 2), ele não tinha mais que 21 anos. Poderia ter-se deixado levar pela inexperiência,

e aproveitado a chance para exaltação diante da corte babilônica, mas não o fez. Tinha consciência da fonte de sua sabedoria e das revelações recebidas (Dn 2:20, 30). Daniel não procurou chamar a atenção para si mesmo, mas para o “Deus nos Céus, o qual revela os mistérios” (Dn 2:28), que “enviou o Seu anjo, e fechou a boca dos leões” (Dn 6:22).

Como resultado desse testemunho, Nabucodonosor foi levado a reconhecer a superioridade do Deus de Daniel (Dn 2:47), que o “Altíssimo… vive para sempre” e que Seu “domínio é sempiterno, e cujo reino é de geração em geração” (Dn 4:34), sendo impelido a bendizer, louvar, exaltar e glorificar ao Rei do Céu (Dn 4:34, 37). Semelhantemente, Dario, o medo, reconheceu que “Ele é o Deus vivo e que permanece para sempre… Ele livra e salva, e faz sinais e maravilhas no céu e na Terra; foi Ele quem livrou Daniel do poder dos leões” (Dn 6: 26, 27).

O “eu” deve desaparecer diante da grandeza e majestade do Senhor do Universo, e nosso único desejo deve ser fazer o que estiver ao nosso alcance para que Seu nome e Suas obras sejam conhecidos, e as pessoas se rendam ao Seu poder.

Referências:
1 Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, v. 1., p. 121.
2 David S. Vanderhooft, The Neo-Babylonian Empire and Babylon in the Latter Prophets (Atlanta, GA: Scholars Press, 1999), p. 64-68.
3 Zdravko Stefanovic, Daniel: Wisdom to the Wise: Commentary on the Book of Daniel (Nampa, Idaho: Pacific Press, 2007), p. 52.
4 Comentario Bíblico Adventista del Séptimo Dia, v. 4, p. 816.
5 Stephen R. Miller, Daniel, ed. eletrônica (Nashville: Broadman & Holman Publishers, 2001, c1994 [Logos Library System: The New American Commentary]), p. 131.
6 Ibid., p. 66.
7 John E. Goldingay, Word Biblical Commentary: Daniel (Dallas: Word, Incorporated, 2002), p. 125.
8 Ellen G. White, Profetas e Reis, p. 540.
9 William H. Shea, Daniel 1-7: Prophecy as History (Boise, Idaho: Pacific Press, 1996), p. 121
10 Gerhard Pfandl, Daniel: Vidente de Babilonia (Buenos Aires: Aces, 2004), p. 57.
11 Ellen G. White, Profetas e Reis, p. 541.
12 Jacques Doukhan, Secrets of Daniel (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2000), p. 91.
13 Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 121.
14 ___________, Testemunhos Para Ministros e Obreiros Evangélicos, p. 112.
15 ___________, O Grande Conflito, p. 69.
16 Ibid., p. 94.