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O pregador deve evitar os extremos do sermão sem doutrinação e estudo profético e do sermão doutrinário e profético sem o apelo do evangelho

Alguém disse que “o púlpito não é um trono – não ‘domina’ o povo. Não é tribunal – não condena. Não é tenda de leilão – não compra nem vende. Não é palco de teatro – não se exibe. Mas é a mesa de Deus para pessoas famintas, bálsamo para corações feridos, apoio para quem carrega fardos e aflições. O mais elevado serviço do ministério requerido pelo grande Pastor é: ‘Apascenta as Minhas ovelhas!’”

Apascentar ovelhas é cuidar delas, protegê-las, conduzi-las, encorajá-las, alimentá-las, tendo em vista o crescimento espiritual dos crentes e o desempenho deles no cumprimento da missão evangelizadora. Nutrir o rebanho é um dos propósitos da pregação. É triste quando ouvintes voltam para casa tão famintos como quando de lá saíram para ir à igreja.

Para que a pregação cumpra seus propósitos, o equilíbrio é fundamental. John Duncan afirmou que “uns pastores pregam pura doutrina; isso faz da congregação apenas cabeças, semelhantes a monstros. Outros pregam somente experiências, o que torna as ovelhas puro coração – outro fenômeno. Ainda outros pregam pura prática, e os membros se tornam apenas mãos e pés, resultando noutra classe de monstros. Esforcem-se, pois em pregar a doutrina, a experiência e a prática, de maneira que, pela graça de Deus, os cristãos tenham cabeça, coração, mãos e pés, e sejam perfeitos em Cristo”.[1]

A graça em Jesus e por meio dEle é o critério final da pregação apropriada e oportuna. O referido pensamento toca essa realidade, ao qualificar o púlpito de “cristão”, ou seja, o que nele é exposto corresponde à mensagem cristã. Essa envolve o apelo evangélico do Novo Testamento, doutrinas e material profético declarados em toda a Bíblia.

Cristianismo e pregação

Esse tríplice envolvimento é condizente com o próprio significado de cristianismo. Portanto, para consolidar o púlpito como foro de onde a mensagem bíblica é proclamada, é crucial determinar o que é cristianismo. Essa conceituação é própria quando se considera os dois sentidos do cristianismo: essencial e decorrente. O segundo sugere diferentes conceitos que dão forma e conteúdo à sua essencialidade, a qual é primeiramente cristológica, e então, soteriológica. A essencialidade do cristianismo se resume na fórmula: cristianismo é Cristo, como a análise de conceitos decorrentes o comprovam.

Quando definido filosoficamente, cristianismo é tomado como a religião dos cristãos, sendo comparável a qualquer outra grande religião no mundo: budismo, islamismo e outras. Porém, não se faz justiça a ele se o conceituamos apenas em termos filosóficos, posto que a fé avança para além da razão, ainda que não seja contrário a ela. Por natureza, cristianismo é mais que uma religião.

Cristianismo é revelação e religião. A primeira, porque se origina no que Deus faz pelo homem; portanto, ressalta as profecias e seu cumprimento. A segunda, porque indica como o homem deve reagir à ação de Deus, o que ressalta as doutrinas bíblicas. Tal ação é observada na pessoa de Jesus, e é considerada em Seu propósito de restaurar a humanidade à comunhão com Deus. Assim definido, o cristianismo tem a solução para o maior problema do mundo: o pecado.

A igreja integra o conceito institucional do cristianismo. Ela efetiva o ideal cristão que deve permear a sociedade. Mas não é próprio confundir cristianismo com cristandade, já que, no sentido bíblico, a igreja é mais que a sociedade cristã. Igreja e cristianismo não se equivalem plenamente. A primeira é um elemento essencial do segundo, mais restrito em seu escopo e atribuição. Ela incorpora o cristianismo, mas não é tudo o que ele representa.

Cristianismo pode também ser definido doutrinalmente, em termos das confissões de fé formuladas no transcurso da era cristã, comuns na pretensão de se fundamentarem na verdade, mas distintas em particularidades oriundas de diferentes interpretações dela. Precisamos reconhecer que uma doutrina só é válida se estiver fundamentada nas Escrituras, única regra de fé e prática do cristianismo. Não podemos igualmente restringir cristianismo a um corpo doutrinário, ainda que bíblico. Implica realidade maior, embora o inclua.

O conceito ético toma o estilo de vida ensinado e exemplificado por Jesus como expressão do cristianismo. Vive o cristianismo quem copia o modelo de vida legado por seu Fundador. Ser cristão é ser e fazer o que Ele foi e fez. Daí o valor da pregação doutrinária e profética, o qual se destaca ao se admitir que doutrina, ética e profecia inferem mais naturalmente o sentido primordial de cristianismo, embora também não expressem tudo o que ele é. Por esse ângulo, cristianismo é uma religião que envolve doutrinas e cumprimento profético; mas vai além, salientando a atuação do Espírito Santo que gera fé e propicia ao pecador viver a vida de Cristo (Gl 2:20).

Somente viveremos a vida de Jesus, normatizada por Seu ensino, se Ele viver em nós. Cristianismo aqui é salvífico, para então se revelar ético, num estilo de vida em harmonia com a Bíblia. Antes de ser exemplo, Cristo tem que ser Salvador pessoal, como estabelece o conceito experiencial de cristianismo.

Vida cristã autêntica começa e prossegue com a aceitação de Jesus como Salvador e Senhor. Pela fé, os recursos divinos são alcançados pelo crente; arrependido, ele recebe perdão dos pecados; justificado, tem paz com Deus; pelo Espírito Santo, é gerado para uma vida nova de justiça e santidade. Membro da igreja, ele desfruta companheirismo sadio com os irmãos; com novo senso de valor e missão, se torna uma bênção para todos. A vida do reino divino se torna sua vida sob o domínio do amor.

Portanto, cristianismo é matéria de cristologia e soteriologia. É cristológico por ter em Cristo seu fundamento e conteúdo. Não havendo Cristo, não há cristianismo. Igualmente soteriológico, o cristianismo envolve um processo completo de revelação, reconciliação e restauração da comunhão entre Deus e o homem. Aqui entram as profecias

e doutrinas. As primeiras porque descortinam o plano da redenção e convidam pecadores a se valer dele. E as segundas porque normatizam a vida cristã. Ao contrário de excluir doutrinas e profecias, o púlpito adventista as inclui, pois ambas são componentes do cristianismo.

Doutrina, profecia e pregação

Naturalmente, há um conjunto de ensinos bíblicos que a igreja tem de incorporar e comunicar. A grande comissão estabelece que a multiplicação de discípulos é fruto do ensino (Mt 28:20). Portanto, doutrinação é fundamental.

Doutrinas e profecias relacionam-se entre si. Várias doutrinas são confirmadas em nossa maneira de interpretar determinadas profecias. Tome-se a guarda do sábado como exemplo. Não é verdade que, quando a contrastamos com a guarda do primeiro dia da semana, valemo-nos das profecias de Daniel 7 e Apocalipse 13? E quando anunciamos a doutrina do santuário, recorremos a Daniel 8? Como pregar escatologia, a doutrina dos últimos acontecimentos, sem profecias?

A importância da pregação doutrinária e profética se deve ao fato de que o pecador convertido deve crescer no conhecimento e prática da vontade de Deus. Caso contrário, a vida dele não corresponderá à experiência da salvação, o que será uma incoerência. Pecado é desarmonia com a vontade de Deus (1Jo 3:4).

As profecias incluem o benefício adicional de confirmar a fé, fortalecer o ânimo e assegurar que Deus conduz a história e a igreja, e o fará até o triunfo final. Não é por acaso que, “quando os livros de Daniel e Apocalipse forem bem compreendidos, os crentes terão uma experiência religiosa inteiramente diferente”[2], ocorrendo “entre nós grande reavivamento”.[3]

Portanto, é impróprio pregar sobre Cristo como Salvador sem referência às doutrinas e profecias bíblicas. Isso seria o mesmo que apresentá-Lo como Salvador sem exaltá-Lo como Senhor. As profecias sustentam essas duas qualidades de Cristo, enquanto a igreja, ao viver as doutrinas, confessa tê-Lo recebido e ser a Ele submissa.

Doutrinação deficiente

O sentido essencial do cristianismo permeia os conceitos derivados de seus elementos. Em todo aspecto, dentro do que é bíblico, cristianismo é Cristo. Então, ao ocupar o púlpito, o pastor se empenhará em aplicar tais princípios, evitando os extremos da pregação sem doutrinação e estudo profético, bem como da pregação doutrinária e profética sem o apelo do evangelho.

O primeiro caso, por se tratar de algo mais subjetivo, será um risco para o autêntico viver cristão. O crente não doutrinado e alheio ao conhecimento profético será mais vulnerável às pressões do mundo. Ele estará propenso a abdicar de determinados aspectos da vida cristã, se não de todos, tão logo surgirem a dúvida e o desinteresse. E o resultado será desastroso, ocorrendo na melhor das hipóteses a mornidão laodiceana, que talvez seja pior que a apostasia total.

Além disso, multiplicam-se hoje os falsos profetas, pregadores oportunistas, dissidentes, que encontram nos crentes despreparados terreno fértil para alastrar seus erros.

Como alguém viverá de acordo com a vontade de Deus, se desconhecer a Bíblia, o manual dessa vontade? Como será testemunha da verdade, se pouco souber sobre ela? Como amadurecerá a fé, visando alcançar a semelhança com Cristo, se não desenvolver a salvação “com temor e tremor” (Fp 2:12)? Como avançará “para o alvo” (Fp 3:14), sem estudar e conhecer profecias? Até quando continuará sendo bebê espiritual (Hb 5:12-14)? “Os ministros devem apresentar a firme palavra da profecia como o fundamento da fé dos adventistas do sétimo dia.”[4]

Pode ser alegado que, na classe batismal, já se estudam doutrinas e temas proféticos. Mas, é inegável que precisam de contínuo repasse; doutrinas e profecias aguardam novas “descobertas”.

A vida cristã é marcha para a frente e para o alto; é batalha que exige adestramento e amadurecimento. Artur H. Stainback, líder batista, escreveu em favor da pregação doutrinária (e eu incluiria a profética), dizendo o seguinte: “É triste ter de afirmar que muitos dos membros de nossa igreja são infantis em questão de doutrina. Jamais teremos uma igreja adulta, amadurecida, ou um cristianismo forte, enquanto não tivermos cristãos amadurecidos. Para ser amadurecidos, precisamos conhecer doutrina… preguem doutrina e estarão limpando o pó dos assentos.

“Acomodem-se em seus sermões para agradar homens, e estarão lesando sua eficácia para Cristo. Adociquem seus sermões ao mundo que os homens gostam, e estarão levando a congregação ao diabetes espiritual. Preguem ideias populares e o rebanho procurará o caminho do mundo e trará seus entulhos para suas portas. Preguem as grandes doutrinas e deixem que veja como Deus é rico em Sua Palavra, e conhecerá Deus e Suas riquezas.”[5]

Doutrinação excessiva

Pregação doutrinária e profética sem o apelo salvífico do evangelho resultará em mero proselitismo, alargando o espaço para membros convencidos da verdade, mas não convertidos a ela. O resultado será presunção dosada com exclusivismo, radicalismo, triunfalismo, criticismo, farisaísmo, mundanismo e outros “ismos” deploráveis.

Jamais podemos esquecer que somos uma igreja cristã, evangélica, comissionada a cumprir uma missão profética, a proclamação da derradeira mensagem de misericórdia ao mundo: “o evangelho eterno” (Ap 14:6-12). Ellen G. White lembra que “às vezes homens e mulheres sem estarem convertidos, se decidem em favor da verdade devido ao peso das provas apresentadas”.[6] Convencer sem converter não é a função do Espírito Santo. “Deus quer desviar a mente da convicção da lógica para uma convicção mais profunda, elevada, pura e gloriosa… Alguns ministros erram em tornar seus sermões inteiramente argumentativos.”[7]

É claro que o povo de Deus possui temas doutrinários e interpretação profética, incomuns, sobre os quais devem pregar. Crentes e interessados devem assimilá-los e vivê-los. Mas precisam ser ensinados corretamente, como Cristo fazia. Ele não procurava mero assentimento, mas visava ao coração. Quando a pessoa abre o coração para receber o Salvador, o assentimento às doutrinas e a compreensão das profecias são facilitados. Por isso, nos é dito que “a obra do ministro não está completa enquanto ele não fizer sentir a seus ouvintes a necessidade de uma transformação de coração”.[8]

O processo correto de doutrinação e estudo profético exige que doutrinas e profecias sejam apresentadas cristocentricamente, razão por que somos instados a apresentar “a verdade tal como é em Jesus”.[9] Shuler afirma que “quando colocamos a cruz no centro, representando a justificação e a salvação, cada setor do ensino cristão da Bíblia se ajusta devidamente como raios de uma roda… Cristo é o centro da roda da verdade. Convém que toda doutrina e prática da igreja remanescente seja exposta como uma série de passos sucessivos para andar ao lado do Senhor. Semelhante método conduzirá muito mais pessoas à verdade.”[10]

Referências:
1 O Ministério Adventista, maio-junho de 1963, p. 23.
2 Ellen G. White, Testemunhos Para Ministros e Obreiros Evangélicos, p. 114.
3 Ibid., p. 113.
4 Ellen G. White, Obreiros Evangélicos, p. 148.
5 Artur H. Stainback, Ministério, novembro-dezembro de 1974, p. 7.
6 Obreiros Evangélicos, p. 159.
7 Ibid., p. 157, 158.
8 Ibid., p. 159.
9 Ellen G. White, Evangelismo, p. 189.
10 J. L. Shuler, Revista Adventista, maio de 1968, p. 5, 6.