Vivendo sempre em evidência, o pastor necessita estar vigilante contra os perigos inerentes a essa condição
Denominava-se “cara” a pequena cesta colocada no alto dos mastros das antigas caravelas portuguesas do século 15. De dentro daquela cesta, os marinheiros observavam o horizonte em busca de sinais de terra ou de algum navio amigo ou inimigo. Cabia ao capitão do navio indicar quem seria o “cara”, ou seja, quem subiria o mastro e se posicionaria dentro da cesta, exposto ao frio ou calor, chuva ou sol causticante, balançando durante muitas horas, em uma altura que variava entre vinte e trinta metros.
A escolha obedecia sempre ao mesmo critério: o ocupante da função devia ser um marujo valente, com boa visão, muita destreza e coragem. Estando no alto do mastro, ficava em evidência;
mas essa era uma posição perigosa. Na hipótese de encontrar o navio inimigo, o “cara” era sempre o primeiro alvo e, na hipótese de um confronto em alto mar, a primeira ordem nos inimigos era esta:
“Acertem o cara!” Na popularização da linguagem que hoje caracteriza certos segmentos da sociedade, a expressão “o cara” é utilizada comumente para identificar pessoas que se encontram em evidência, tenham conseguido realizar algo expressivo, ou ocupam alguma função destacada.
À semelhança do que acontecia com os marinheiros escolhidos para a função do “cara”, estar em evidência exigia cuidados especiais e muita vigilância. No dia a dia, a evidência pode ser boa para o ego, mas também envolve muitos riscos, especialmente para a vida espiritual e pastoral. Muitas atividades profissionais e
vocacionais colocam seus ocupantes em evidência, mas, nesse sentido, pouquíssimas podem ser comparadas ao ministério pastoral. Como líderes espirituais, estamos empenhados no resgate de pessoas das garras de Satanás, transportando-as para a liberdade do Reino de Deus. Isso nos expõe constantemente a sérios perigos. Em todos os momentos, o inimigo trabalha para nos “acertar”, ou atua ordenando seus agentes: “Acertem o cara!”
Perigo à vista
O apóstolo Pedro demonstrou que estava consciente dos perigos que rondam o ministério pastoral, quando nos exortou a manter sobriedade e vigilância. Escreveu ele: “Estejam alertas e vigiem. O diabo, o inimigo de vocês, anda ao redor como leão, rugindo e procurando a quem possa devorar” (1Pe 5:8, NVI). Nesse texto, a palavra “sóbrios” é tradução do termo grego nephôs, cujo significado é: “manter a mente limpa, ser sábio,
abster-se de vinho”. Por sua vez, a palavra “vigilante” traduz a expressão grega gregoréô, que significa: “ficar acordado todo o tempo”.
De acordo com Frietz Rieneker, professor de grego, o tempo verbal empregado pelo apóstolo é o aoristo; portanto, as duas palavras significam “estejam alertas” ou “sejam vigilantes” durante o tempo todo (José Gonçalves, Por Que Caem os Valentes?, Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006).
O pastor Mike Taliaferro, que foi missionário na África do Sul, afirmou que, certa ocasião, viu um leão caçando. Segundo ele, Pedro comparou com muita precisão as táticas do inimigo com a de um leão no processo de caça. Aqui está a descrição que ele fez da experiência que observou: “Os leões vivem em seu próprio território e não costumam perseguir as manadas migratórias. Ao contrário, caça numa área específica. Quando um rebanho se aproxima de seu território, espreitam de longe. Os leões conhecem a direção do vento e sabem se colocar numa posição contrária, para que a presa não perceba sua presença. Muitas vezes, entretanto, não se importam se a manada os percebe, tal a confiança que têm em si mesmos.
“Os leões costumam perseguir uma manada sem pressa, sem correria, gerando medo nos animais. Ele deseja vê-los em disparada, assombrados. Aos olhos humanos, o recuo da manada é algo normal, mas não para o leão. Ele vê ali o seu almoço. Observa os animais velhos, cansados e feridos da manada. Aquele que está levemente manco, algo imperceptível ao olho humano, é prontamente notado pelo leão. Ele assusta a manada, a fim de destacar o fraco. Depois de escolher a presa, ele deixa todos os outros de lado, para saltar sobre o que foi escolhido” (A Batalha: Como Derrotar o Inimigo de Nossa Alma, ibid., 1999).
Nas palavras de Pedro, forças espirituais do mal estão ininterruptamente empenhadas na tentativa de destruir os que seguem a Cristo. Por isso, há necessidade de extrema
vigilância em oração. Para ser vencedor nos conflitos espirituais, o pastor deve levar a sério a vida de oração. A falta de conscientização sobre a importância da oração é fatal para o pastor. Jamais ele deve sucumbir às pressões para atender as necessidades de todas as pessoas, em detrimento dos momentos diários de comunhão pessoal.
Outro fator de risco para o ministério é o relativismo moral dos nossos dias. As linhas divisórias entre o santo e o profano estão muito próximas, e quase já não se sabe o que é certo e o que é errado. O pós-modernismo criou uma moralidade horizontal. Segundo essa filosofia, o instinto biológico deve ser o agente regulador do comportamento humano. Cabe ao ser humano estabelecer seus próprios valores. O servo de Deus não pode concordar com essa ideia, muito menos permitir que ela crie raízes na igreja. A moral cristã é fundamentada na divindade. Por isso é elevada e transcende o próprio ser humano.
Lembranças de um passado que necessita e deve ser esquecido também podem representar perigos para a vida do pastor. Todos nós conhecemos a experiência de Jefté, por causa do voto precipitado e louco que ele fez e que envolveu a filha dele (Jz 11:29-40). Por que esse voto foi feito? A resposta é simples: por causa de seu passado cananeu. O “passado cananeu” é o calcanhar de Aquiles também para muitos pastores. Inegavelmente, Satanás também usa as lembranças do passado obscuro, tentando prejudicar nosso presente. Porém, isso não devia representar grande problema, pois, de acordo com Paulo, “se alguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” (2Co 5:17). Necessitamos manter nosso “passado cananeu” preso à cruz de Cristo, para que não seja transformado em arma nas mãos do adversário.
Estratégia vitoriosa
Em 2001, o mundo esperava que a guerra entre os Estados Unidos e o regime Talibã durasse vários meses ou anos. Os talibãs juravam que eram especialistas em guerrear nas montanhas e possuíam milhares de cavernas como esconderijo. Até mesmo a imprensa começou a acreditar nessa hipótese e passou a afirmar que os norte-americanos teriam muita dificuldade no conflito. Mas não foi isso o que aconteceu. Os Estados Unidos venceram a guerra em pouco tempo.
De acordo com José Gonçalves (Op. Cit.,), porta-aviões disparavam mísseis teleguiados de longo alcance, capazes de acertar o alvo, com precisão cirúrgica, a 2.500 km de distância. Por meio de satélites, mapearam o território afegão e descobriram todos os esconderijos. Submarinos apoiaram as tropas terrestres, helicópteros, caças e aviões, capazes de transportar até 30 toneladas de explosivos, além de aviões bombardeiros com oito canhões cada um capaz de disparar 2.500 tiros por minuto. Também foram destaque os aviões B-2, a bomba termobárica, destruidora de cavernas, e a poderosa GBU-82, pesando sete toneladas e capaz de arrasar tudo em um raio de 600 metros.
Por que os americanos venceram a guerra? Resumindo, por causa do apoio aéreo. A vida pastoral também precisa de apoio aéreo. Sem o auxílio do Céu, jamais venceremos. Por isso devemos buscá-lo sem cessar, andando em sintonia ininterrupta com Deus. Nesse relacionamento, cresceremos espiritualmente e venceremos um ataque após outro. Todo pastor precisa desenvolver uma experiência pessoal com Deus, na busca do Espírito Santo (Rm 8:26). É inútil qualquer tentativa de crescimento em santificação, sem a atuação do Espírito. É a presença do Consolador que produz frutos preciosos espirituais em nossa vida. A ausência dEle resulta em frutos carnais que desqualificam o pastor (Gl 5:19-26).
É tempo de deixarmos de olhar para nós mesmos, como sendo “os caras”, e corrermos para o abrigo da comunhão com Deus, para sermos fortalecidos e vencedores na luta contra os poderes das trevas.