Amin A. Rodor, Th.D.
Introdução
A palavra grega parákletos*, na literatura bíblica, é exclusiva do Novo Testamento, e ocorre de forma restrita, apenas nos escritos joaninos. Como um epíteto, o termo é aplicado uma vez a Jesus (1Jo 2:1), que atua como um intercessor/advocatus junto ao Pai, na corte celestial. Em cinco outras passagens, no quarto evangelho, contudo, parákletos como um título é aplicado a alguém que: (a) não é Jesus; (b) não é primariamente um intercessor; e (c) não exerce sua função no céu, junto ao Pai. A tradição cristã, desde tempos primitivos,1 e com boas razões, identificou o parákletos no Evangelho de João, como sendo o Espírito Santo, a terceira pessoa da Trindade.2
Considerando-se as objeções recentes ao ensino bíblico quanto à personalidade do Espírito Santo e à Trindade,3 o estudo deste tema no quarto evangelho é crucial, levando-se em conta que o Evangelho de João, provavelmente o último livro do Novo Testamento a ser escrito, representa o mais alto desenvolvimento teológico das Escrituras,4 e, nas palavras de Vincent Taylor, “o clímax e coroa da revelação bíblica a respeito do Espírito Santo”.5 Não seria difícil, portanto, estabelecer que o estudo do tema no evangelho joanino é de fundamental importância para se verificar como os cristãos, no final do primeiro século, entenderam e consideraram o Espírito Santo.
Como observado por Raymond E. Brown, reconhecida autoridade no quarto evangelho, as cinco passagens em que o parákletos é mencionado no evangelho de João (Jo 14:15-17, 26; 15:26-27; 16: 7-11, 12-14), podem ser organizadas em quatro grupos:
(1) A vinda do parákletos e Seu relacionamento com o Pai: O parákletos virá, mas apenas quando Jesus partir (Jo 15:26; 16:7,8, 13). Ele procede do Pai (Jo 15:26). O Pai concederá o parákletos a pedido de Jesus (Jo 14:16). Jesus, quando partir, enviará o parákletos da parte do Pai (Jo 16:7).
(2) A identificação do parákletos: Ele é chamado “outro parákletos” (Jo 14:16). É, também, o Espírito de Verdade (Jo 14:17; 15:226), e o Espírito Santo (Jo 14:26).
(3) A relação do parákletos com os discípulos: Os discípulos reconhecem o parákletos (Jo 14:17). O parákletos estará com os discípulos e permanecerá com eles (Jo 14:16, 17). Ele ensinará aos discípulos todas as coisas (Jo 14:26). Guiará os discípulos a toda a verdade (Jo 16:13). Anunciará aos discípulos as coisas que hão de vir (Jo 16:13). Receberá e anunciará o que é de Jesus (Jo 16:14). Glorificará a Jesus (Jo 16:14). Testemunhará em favor de Jesus (Jo 15:26). Relembrará aos discípulos tudo o que Jesus lhes ensinou (Jo 14:26). O parákletos falará apenas o que ouvir e nada de Si mesmo (Jo 16: 13).
(4) A relação do parákletos com o mundo: O mundo não pode receber o parákletos (Jo 14:17); O mundo não O vê nem O conhece (Jo 14:17). No contexto do ódio e perseguição movidos pelo mundo (Jo 15:18-25), o parákletos testemunhará de Jesus (Jo 15:26). Ele tornará evidente o erro do mundo acerca do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16:8-11) .6
Da sistematização das cinco referências ao parákletos no quarto evangelho mencionadas acima, algumas características quanto à sua identidade emergem claras e além da dúvida razoável.
(1) O parákletos não é Jesus ou o Pai:7 Jesus fala de “outro parákletos”,8 implicando que seus discípulos já possuíam um, que só podia ser Ele mesmo. De fato, como mencionado em 1 João 2:1, Jesus é chamado de “parákletos”.9 E é precisamente Sua [de Jesus] partida, como veremos posteriormente, que abre espaço para o ministério deste outro parákletos, “para compensar a perda da presença visível de Jesus.”10 A idéia de que o parákletos não é Jesus se fortalece pelas diferentes ocorrências, nas quais o parákletos testemunha de Jesus, O glorifica e age como Seu representante. Por outro lado, é evidente que o parákletos não é o Pai, pois é precisamente o Pai quem O envia, em nome de Jesus, e apenas depois que Jesus tenha partido (Jo 14:26).11 Deve-se observar ainda que, ao contrário de Jesus como parákletos, em 1 João 2:1, o parákletos no quarto evangelho não é primariamente um intercessor dos discípulos diante do Pai, mas o ajudador deles em relação ao mundo. Significativamente, contrariando a errônea idéia de que a doutrina da Trindade tenha sido originada em um período posterior ao Concílio de Nicéia (325 d.C.), Tertuliano (160-220 d.C.) claramente identifica o parákletos com o Espírito Santo, distinguindo-O das pessoas do Pai e do Filho. Diz ele, em sua famosa apologia Contra Praxeas:
…[o Evangelho de João] continua a fornecer-nos declarações do mesmo tipo, distinguindo o Pai e o Filho com as propriedades de cada um. Então também há o Paracleto ou Consolador, acerca do qual Ele prometeu orar ao Pai, e enviá-lo do céu, depois que Ele tivesse ascendido para o Pai. Ele é chamado “outro Consolador”… Assim, a conexão do Pai com o Filho, e do Filho com o Paracleto, produz três Pessoas coerentes, as quais, contudo, são distintas uma da outra. Estes três são uma essência, não uma Pessoa, como é dito “Eu e o Pai somos Um” em respeito à unidade de substância, não à singularidade de número.12
No mesmo texto, Tertuliano observa:
O Espírito Santo, de fato, é o terceiro, distinto de Deus [o Pai] e do Filho… Eu testifico que o Pai, e o Filho e o Espírito são inseparáveis de cada um… e que eles são distintos um dos outros.
Tertuliano então conclui com lógica que dificilmente poderia ser melhorada:
Além disto, não é o próprio fato de que eles tem nomes distintos [Pai, Filho e Espírito-Paracleto] equivalente a uma declaração de que eles são distintos em personalidade?13
(2) Que o parákletos não é mera força ou influência é claro das diversas atividades exercidas, possíveis apenas a uma pessoa:14 Ele ensina, guia, é enviado, anuncia, recebe, glorifica, testemunha em favor, relembra, fala, convence, acusa, etc. Além disso, ao parákletos são atribuídos pronomes pessoais. João torna a personalidade do Espírito mais evidente, atribuindo a Ele o título masculino parákletos e referindo-se ao Espírito-parákletos com pronomes pessoais (ékeinos eautós).15
(3) Com relação às funções do parákletos, fica também evidente que Ele vem para os discípulos e habita com eles, guiando-os, ensinando a respeito de Jesus: Devemos observar, contudo, que João O retrata como o Espírito Santo, como já sugerido, numa função específica: como a presença pessoal de Jesus com os cristãos, durante o período de Sua ausência.
(4) A respeito do relacionamento do parákletos com o mundo, é óbvio que Ele é hostil ao mundo, colocando este em julgamento por seu pecado de descrença. O mundo não O pode receber, porque não O vê nem O conhece (Jo 14:17).
O parákletos joanino
Do estudo quanto à identidade do parákletos no quarto evangelho, algumas questões emergem naturalmente: Se Ele realmente é o Espírito Santo, como mantido pelos cristãos e claramente indicado pelo próprio João: “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome”16 (Jo 14:26), por que é este título atribuído ao Espírito? Quais aspectos particulares das funções do Espírito Santo são atribuídas ao parákletos? Além disto, por que o título é encontrado exclusivamente no evangelho joanino? Para estas questões cruciais voltaremos nossa atenção, mais tarde, neste estudo. Nesta seção concentraremos a atenção nos aspectos lingüísticos do termo.
O background histórico e o significado lingüístico do termo parákletos no Evangelho de João têm sido buscados em uma variedade de fontes e alternativas,17 e seria desnecessário repeti-los aqui. Esforços têm sido feitos, por exemplo, na tentativa de se encontrar um equivalente semítico para o título grego. Tais tentativas parecem enfatizar a convicção de que se uma palavra hebraica ou aramaica, que tenha servido de base para a tradução de parákletos, fosse encontrada, provavelmente saberíamos o significado primário do termo. Contudo, até o momento, os mais minuciosos estudos não conseguiram produzir um candidato semítico verdadeiramente aceitável.18De fato, como Brown observa, “Esta busca para um equivalente hebraico pode ser em vão,”19provavelmente porque tanto no hebraico quanto no aramaico, a palavra foi transliterada do grego.20 Além disto, como indicado por Johannes Behn, no seu clássico estudo do termo, no Theological Dictionary of the New Testament, o uso joanino do termo parákletos não se ajusta facilmente à história da palavra em fontes seculares.
Concluímos, então, que, embora os antecedentes históricos, religiosos e lingüísticos do termo parákletos possam ser considerados importantes para se determinar o seu significado no Novo Testamento, as decisões quanto a tal significado serão consideravelmente subjetivas e de valor limitado, ao mesmo tempo que limitador. O significado de parákletos tem sido traduzido por uma variedade de palavras21 tais como “Consolador,” “Advogado,” “Ajudador,”22 “Espírito de Verdade,” “Amigo,” etc. No entanto, deve-se observar que nenhuma destas traduções consegue capturar de forma plena a complexidade das funções atribuídas ao parákletos no quarto evangelho.
Se, a palavra parákletos usada por João em seu evangelho não parece ser uma tradução direta de um título hebraico específico, nem tem ela sua origem em um título no grego secular, talvez isto sugira que foi o uso cristão que deu ao termo uma conotação exclusiva a ele e, portanto, o seu significado é melhor decidido pelo contexto do que por deduções léxicas. O que é, portanto, o parákletos? Gerard Manley Hopkins está provavelmente correto em sua resposta, lembrando que o termo é frequentemente traduzido por Consolador, mas o parákletos faz muito mais do que consolar. A palavra é grega, não possui um equivalente exato em nossa língua. É esclarecedor ter em mente que Jerônimo, ao traduzir parákletos, tinha à sua disposição, além dos termos latinos advocatus e consolator, o costume da transliteracão. Enquanto ele adota advocatus em 1 João 2:1, no evangelho, contudo, ele seguiu a alternativa da transliteração, mantendo a palavra transliterada como Paracleto. R. Brown apropriadamente observa que seria sábio fazermos o mesmo em tempos modernos, e optarmos por Paracleto, uma transliteração aproximada do grego parákletos, o que preserva a singularidade da palavra, sem enfatizar um único aspecto do conceito em detrimento de outro. No mínimo, isto serve como advertência para aqueles que querem comprimir o termo dentro de limites dogmáticos.
Devemos observar, ainda, dois aspectos básicos quanto à identidade do parákletos no quarto evangelho: Por um lado, embora ele possa ser considerado o “dom da nova era,” o parákletos não é um estranho, uma “novidade,” ou simples invenção joanina, desconectado de raízes bíblicas. De fato, João “não pinta um quadro sem paralelo em outras descrições do Espírito Santo no Novo Testamento, mas enfatiza certos aspectos que já estão presentes [aí], e dá a eles nova orientação.”23 Esta conexão e convergência de identidade entre o Espírito Santo e o parákletos será o foco de discussão na seção seguinte deste trabalho.
Por outro lado, João não faz uma simplista identificação entre o Espírito e o parákletos, sem os refinamentos teológicos que são uma marca inconfundível do seu evangelho. Devemos ter em consideração que, independentemente do que ele tenha dito no evangelho acerca do parákletos, ele está escrevendo tendo em mente a obra completa de Cristo na cruz. Ele escreve da perspectiva do período posterior à ascensão, antecipando o relacionamento entre o ressuscitado Cristo e os Seus discípulos, além do relacionamento dEle com o mundo, através do parákletos. Portanto, o parákletosincorpora uma enorme complexidade de funções. Ele é uma testemunha de defesa de Jesus, e o representante dEle no contexto do Seu julgamento pelos Seus inimigos. O Paracleto é, por outro lado, um consolador dos discípulos, assumindo o lugar de Jesus entre eles. O Paracleto é o mestre, guia, e conselheiro dos discípulos e, assim, um ajudador. O relacionamento entre o parákletos e Jesus é o tema da última seção do nosso estudo. E é precisamente aí que detectamos a profunda contribuição teológica de João em relação à pessoa do parákletos.
O Espírito-parákletos
Pneumatologia tem sido considerada uma das mais distintivas características do quarto evangelho.24 Referências diretas e indiretas ao Espírito são inúmeras e complexas, de tal forma que qualquer estudo do tópico seria, no mínimo, muito extenso.25 Devemos notar que neste evangelho o Espírito Santo é regularmente associado com Jesus (como em 1:19-34; 3:5, 7:39, etc). A plena apresentação do Espírito Santo, contudo, é encontrada nas passagens concernentes ao parákletos (14:16, 17, 26; 15:26; 16:7-15).
Em João não encontramos uma fórmula trinitariana como em Mateus26 ou Paulo,27 mas há, pelo menos, quatro instâncias do modelo trinitário (1:29-35; 14:16, 26; 16:15). Mais claramente do que qualquer outro escritor do Novo Testamento, João apresenta a divindade do Filho, e a personalidade do Espírito. Mais enfaticamente do que qualquer outro ele indica a distinção do Espírito, tanto em relação ao Pai como ao Filho. Mais diretamente do que qualquer outro, ele indica a missão do Espírito-parákletos. Nisto João estabelece os fundamentos para a doutrina de uma Trindade co-igual, e fornece muito do material sobre o qual esta doutrina seria formulada.
Voltando nossa atenção para o relacionamento entre o parákletos e outros textos dos evangelhos sinóticos e do livro de Atos, observamos em primeiro lugar que no quarto evangelho, se Jesus havia estado com os discípulos por alguns poucos anos, e voltou para o Pai, o Espírito Santo, contudo, permanece para sempre com eles, respondendo a questões enfrentadas pela Igreja no final do primeiro século. A doutrina do parákletos em João implica a partida de Jesus do mundo e, naturalmente, o parákletos é retido em sua plenitude até a cruz (Jo 7:39). Não é senão quando Cristo afirma “Eu vou para o meu Pai”, que torna-se necessário, ou mesmo possível, acrescentar: “O Pai vos enviará um outro parákletos.” O Espírito é o outro parákletos, que assume o lugar de Cristo, como advogado dos discípulos. Até então, Jesus fôra o defensor deles enquanto estivera na Terra (Mc 2:18, 24). Agora Jesus cumpre este ofício “junto ao Pai”, enquanto o Espírito, cuja esfera de ação é a Terra, silencia os adversários terrenos do corpo de Cristo, ao longo da era cristã.
Esta função forense de “dar testemunho”, “falar pelos discípulos” e “condenar o mundo”, enfatizada nos textos do parákletos joanino, não está dissociada da mesma ênfase em outros textos em que o Espírito Santo aparece com as mesmas funções. Isto é evidente, por exemplo, em Mateus 10:20 (“visto que não sois vós quem falais, mas o Espírito do vosso Pai é quem fala por vós”), Marcos 13:11 (“Quando, pois, vos levarem e vos entregarem, não vos preocupeis com o que haveis de dizer, mas o que vos for concedido naquela hora, isso falai; porque não sois vós os que falais, mas o Espírito Santo”) e Atos 6:10, onde o Espírito Santo é apresentado protegendo os discípulos também em contexto de julgamento.
Além disto, se o parákletos vem apenas depois da partida de Jesus, o mesmo é verdade na descrição de Lucas em Atos, quanto à vinda do Espírito. Isto se torna ainda mais distintivo quando observamos que a compreensão de Lucas da ascensão de Jesus partilha com João o conceito da ressurreição (Jo 20:17). O Pai concede o parákletos a pedido de Jesus (Jo 14:16), da mesma forma que o Pai concede o Espírito Santo àqueles que O pedem (Lc 11:13). Se o parákletos testemunha em favor de Jesus por meio do testemunho dos discípulos, assim é a vinda do Espírito Santo em Atos, pois é precisamente Ele quem impulsiona os discípulos a falarem de Jesus e a demonstrarem ao mundo que Deus O havia ressuscitado.
Verificamos um íntimo relacionamento entre João 15:26, 27 e Atos 5:32: “Ora, nós somos testemunhas destes fatos, e bem assim o Espírito Santo, que Deus outorgou aos que Lhe obedecem”.28 Encontramos ainda uma convergência entre a função de ensino do parákletos em João 14:26, onde é afirmando que “Ele ensinará [aos discípulos] todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito,” e a função do Espírito Santo em Lucas 12:12: “…o Espírito Santo vos ensinará, naquela mesma hora, as coisas que deveis dizer.” Desta forma, quando João 14:26 identifica o parákletos como o Espírito Santo, “isto não é mera junção editorial de dois conceitos distintos”,29 como R. Brown observa. As similaridades e convergências entre o parákletos e o Espírito Santo emergem mesmo num estudo comparativo superficial, entre aquilo que João diz e aquilo que os evangelhos sinóticos e o livro de Atos, em particular, afirmam a respeito dele. Tentar se evadir à força das evidências, sugerindo que o Espírito-parákletos é Pai ou Filho, ou apenas uma força, o ruach/pneuma30 de Deus, é simplesmente fazer uma leitura equivocada, preconceituosa e dogmática de evidências irrefutáveis, leitura informada por conclusões e preconceitos desenvolvidos fora do círculo da revelação.
Parákletos e Jesus
É importante observar que no pensamento joanino encontramos uma íntima conexão entre o parákletos e Jesus. Praticamente tudo aquilo que João afirma deste personagem é dito de Jesus em outras partes do evangelho. Em outras palavras, o relacionamento entre o primeiro parákletos[Jesus]31 e o segundo [o Espírito Santo] é dominante no quarto evangelho. Não é de surpreender que o Espírito seja chamado pelo próprio Jesus, como já visto, de “outro parákletos.” O detalhado e preciso paralelismo entre o ministério do parákletos e o ministério de Jesus é exato para ser entendido como mera coincidência. Assim, uma vez que o parákletos pode vir apenas quando Jesus partir, o parákletos, para todos os efeitos, “é a presença de Jesus quando Jesus está ausente”32 Não é possível deixar passar despercebido o fato de que no parákletos Jesus cumpre Sua promessa de voltar para Seus discípulos (Jo 18:14). Percebemos, então, que de todas as funções do parákletosnenhuma é mais central do que a de continuar a obra de Jesus. Observemos as precisas semelhanças:
Desta forma, o paradoxo apresentado pela promessa de Jesus de que Sua obra na terra continuará porque Ele irá para o Pai é resolvido pelo Seu “retorno,” na pessoa do parákletos. De fato, a vinda do Paracleto é o “retorno” de Jesus para os seus: Agora eles estão nEle e Ele neles (Jo 14:20). Como J. Louis Martyn observa:
Mas esta é uma união dramática desempenhada em um drama de dois níveis, de tal forma que ela cria uma crise epistemológica. O mundo, certamente, vê apenas um nível deste drama.33
O mundo, devemos acrescentar, pode “ver” a tradição histórica de Jesus de Nazaré, uma figura do passado, cuja identidade pode ser debatida num formato midráshico, sem, contudo, perceber a atuação do Paracleto, a qual torna Jesus contemporâneo e presente nos atos e palavras dos discípulos (Jo 14:17).
Como observado acima, daquilo que João diz do parákletos em seu evangelho, é esta íntima relação entre Ele e Jesus que emerge como o aspecto dominante. Não é de surpreender que alguns intérpretes cheguem a identificar o Espírito-parákletos, como o “alter ego de Jesus”34 ou “o outro Jesus.”35 Devemos observar, por um lado, que aquilo que o parákletos ensina ou revela não constitui algo novo. Ele relembra aos discípulos aquilo que Jesus havia ensinado. Ele testemunha em favor de Jesus e O glorifica, tendo com Jesus a mesma relação que Este tivera com o Pai. Assim como Jesus não falou de Si, mas apenas aquilo que o Pai o ensinara (Jo 5:28). Da mesma forma que Jesus glorificara o Pai (Jo 12:28, 14:13, 17:14), o parákletos dá testemunho dEle, e O glorifica. Por outro lado, contudo, o gênio da obra do parákletos, como já sugerido, é que Ele não meramente repete ou reencena Jesus. O parákletos reinterpreta Jesus, torna-O presente e permanentemente atual na Igreja. Jesus e a glória manifesta em Seu ministério, morte e ressurreição, não representam um período ideal no passado, quando o reino de Deus irrompeu entre os homens, um período para o qual seus discípulos olham com uma aura de saudosismo. O parákletos não é apenas um intérprete de Jesus, mas Aquele que O reatualiza e reinterpreta para cada geração, tornando-O sempre atual, relevante e contemporâneo, não importando as mudanças e variáveis do contexto.
Como R. Brown sugere, o quadro joanino do Espírito-parákletos responde a dois problemas importantes na própria composição do quarto evangelho, que não podem ser desconsiderados em nossa discussão, e de fato, respondem à questão suscitada anteriormente neste artigo, quanto à razão pela qual João atribui o título parákletos ao Espírito. O primeiro problema tem a ver com a dificuldade criada pela iminente morte da última testemunha ocular, que constituía o último elo visível entre a Igreja no final do primeiro século e Jesus de Nazaré.36 Como deveria a igreja reagir em face desta nova situação, quando o último vínculo com Jesus parecia estar sendo cortado? Como enfrentar o perigo dela mesma tornar-se uma instituição auto-suficiente, desconectada de Cristo? O conceito do Espírito-parákletos responde a esta questão. Se as testemunhas oculares, como o próprio discípulo amado, haviam dado seu testemunho e guiado a Igreja, isto não fôra primariamente por causa da conexão direta com Jesus. Uma vez que eles próprios não O haviam entendido (Jo 14:9).
Portanto, o testemunho apostólico não é válido porque estes apóstolos houvessem estado com Jesus, ou mesmo dependido da compreensão que eles haviam tido dEle. A validade do testemunho deles dependeu primariamente do parákletos, o qual tomou, depois da ressurreição, o lugar de Jesus, para que os discípulos pudessem ser ensinados e relembrados de tudo o que Jesus ensinara. Os apóstolos foram habilitados a testemunhar e interpretar Jesus, precisamente porque eles haviam recebido o parákletos. Este permanece com todos aqueles que amam a Jesus (Jo 14:17), mesmo depois do desaparecimento das testemunhas oculares. Assim, a morte do último apóstolo não quebra a corrente entre Cristo e a Igreja, porque o parákletos, que havia ensinado aos primeiros apóstolos, continua com a Igreja, para guiá-la em toda a verdade, e permanece com as contínuas gerações de discípulos. O parákletos é o verdadeiro vínculo entre a Igreja e Jesus Cristo. João enfatiza que a função de ensino do parákletos não envolve nada novo, como observado acima; entretanto, isto não significa mera repetição. O papel do Espírito-parákletos é reinterpretativo, tornando Jesus contemporâneo para as sucessivas gerações de discípulos37.
O segundo problema que o conceito do parákletos joanino responde é a questão da demora da parousia. Na conclusão do Evangelho de João (Jo 21:18-23), Pedro, em diálogo com o Cristo ressuscitado, face à sugestão do tipo de morte que ele sofreria (v. 18-19), vendo o “discípulo amado”, pergunta ao Senhor: “e quanto a este?” (v. 21). Jesus, como em outras circunstâncias, repreende a curiosidade quanto ao futuro, formulando uma pergunta hipotética “[e] Se eu quero que ele permaneça até que eu venha, que te importa?” (v. 22). A frase “até que eu venha”, implica um evento futuro, juntamente com a possibilidade de que este evento (a parousia) aconteceria dentro do período de vida de João. O verso 23 acrescenta uma frase chave: “Então se tornou corrente entre os irmãos o dito que aquele discípulo não morreria.” Isto fortemente sugere um quadro da Igreja no final do primeiro século, convivendo com os evidentes sinais da proximidade da morte de João, sem o cumprimento do esperado retorno do Senhor.38
Assim, como R. Brown observa, “a ênfase joanina no Espírito-parákletos como a presença de Jesus é a resposta do evangelista ao desencorajamento acerca da demora do segundo advento”39. O apóstolo indica que a aparente demora da parousia não deveria gerar solidão ou desencanto, uma vez que Jesus já está presente com seus seguidores na pessoa do parákletos. Isto não significa negar o cumprimento futuro do advento de Jesus, mas assegurar que, enquanto os cristãos aguardam este glorioso evento, eles não precisam ser vítimas do pessimismo escatológico, ou gastarem suas energias em expectativas especulativas. Ao contrário, eles devem ser confortados pelo parákletos, o qual traz Jesus a eles. Desta maneira, combinada com outros aspectos de uma escatologia parcialmente realizada no quarto evangelho, a ênfase no parákletos sugere aos cristãos a permanente certeza da presença de Jesus com eles. Ellen White belamente sumariza esta ênfase: “O Espírito Santo é o Consolador, em nome de Cristo. Ele personifica Cristo”. Mas desfazendo qualquer confusão quanto à pessoa do parákletos, ela afirma: “Contudo, ele [o parákletos] é uma personalidade distinta.”40
Sumário e conclusões
Qualquer que seja a origem final do termo parákletos, as linhas principais de interpretação do conceito são estabelecidas pelo próprio João no evangelho, e são suficientemente claras. Tais linhas de interpretação são perceptíveis se sumarizarmos as características do parákletos no quarto evangelho como as estudamos, e então considerarmos a forma com que João descreve como Jesus introduziu Suas promessas acerca deste Personagem:
Em João 14:15-17, descobrimos que: (1) Jesus intercederá junto ao Pai e o Pai concederá outro parákletos; (2) este outro parákletos estará com os discípulos para sempre, em aparente contraste com Jesus, que agora os está deixando; (3) o outro parákletos é o Espírito de Verdade; (4) o mundo não O vê ou conhece; (5) mas os discípulos O conhecem, pois Ele permanece com eles (cf. 20:22); (6) o parákletos é o Espírito Santo (Jo 14:25 e 26); (7) Ele ensina os crentes todas as coisas e (8) trará à lembrança dos discípulos tudo o que Jesus ensinou; (9) o parákletos dá testemunho de Jesus (Jo 15:26-29); (10) quando o parákletos vier, Ele acusará, julgará, e condenará o mundo (Jo 16:5-11); (11) o parákletos não falará de Si, mas glorificará a Jesus, dando testemunho dEle (Jo 16:12-15); e, finalmente, (12) Ele ensinará aos crentes as coisas vindouras. Deste esboço, e daquilo que discutimos ao longo deste artigo, é claro que o parákletos, embora Se pareça com Cristo e esteja intimamente ligado a Jesus, é um outro consolador, cuja função principal é continuar a obra de Cristo, não podendo ser confundido quer com Jesus, quer com o Pai.
Outro aspecto observado é a clara convergência e identificação entre o Espírito e o parákletos. Embora as cinco passagens que tratam do parákletos no quarto evangelho possam ser consideradas uma unidade, quando tomadas em conjunto, tais passagens são também consistentes com outras referências ao Espírito nos evangelhos sinóticos e livro de Atos. Particularmente Mateus 10:20 (“visto que não sois vós quem falais, mas o Espírito do vosso Pai é quem fala em vós”), e Marcos 13:11 (“Quando, pois, vos levarem e vos entregarem, não vos preocupeis com o que haveis de dizer, mas o que vos for concedido naquela hora, isso falai; porque não sois vós os que falais, mas o Espírito Santo”), identificam a ajuda que seria dada aos discípulos quando eles testemunhassem de Jesus em contexto forense, e fizerem sua defesa em corte, em termos idênticos à ação do parákletos descrita no quarto evangelho.
Sobretudo, este artigo, de certa forma, concentrou-se no relacionamento entre Jesus e o parákletos, pois é precisamente aqui que descobrimos a chave para o caráter crucial da missão dEle no evangelho joanino, respondendo questões cruciais enfrentadas no final do primeiro século, mas com projeções para toda a era cristã, até o final dos tempos. Não é, portanto, acidental que a primeira passagem contendo a promessa de Jesus quanto ao parákletos (Jo 14:16), seja seguida imediatamente pelo verso no qual Cristo afirma: “Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós outros” (v. 17-18). Jesus “retorna” para os discípulos por meio do Espírito-parákletos, que é enviado para permanecer com eles, depois que Jesus parte. Isto constitui a contribuição joanina quanto ao Espírito Santo: o parákletos continua, no período pós-ressurreição, reatualizando a presença de Jesus com e na Igreja, por meio da era cristã, até o fim dos tempos. É precisamente a presença do Espírito-parákletos que impede que a Igreja se torne órfã, desconectada do seu divino fundador. É precisamente Ele que impede que os cristãos se tornem poços de água estagnada.
O que é então o parákletos nas passagens do quarto evangelho? Ele é o Espírito Santo, investido da função específica de continuar a presença de Cristo com os Seus discípulos. Ele não é meramente a operação do poder divino no homem. Ele é uma pessoa. Uma pessoa distinta, mais explicitamente afirmada no evangelho de João do que em qualquer outro lugar do Novo Testamento. Uma pessoa distinta do Pai, pois, como vimos, Ele é enviado pelo Pai (Jo 14:26), e como a lógica básica exige, ninguém envia-se a si mesmo; dado pelo Pai (14:16) e procedendo do Pai (Jo 15:26). Distinto do Filho, pois Ele é enviado “em nome do Filho”(Jo 14:26), enviado pelo Filho (Jo 15:26), recebendo o que é do Filho (Jo 16:14), e é um “outro parákletos” (Jo 14:16). Não há também qualquer dificuldade real quanto à Sua personalidade. Ele não é meramente um dom impessoal ou poder abstrato, um fôlego, nem é Ele uma metáfora a respeito de Jesus. Ele é uma pessoa real, tão real quanto o próprio Cristo, cuja presença na vida da Igreja, era e continua sendo, tão crucial e crítica, a ponto de o próprio Jesus afirmar, com Sua fórmula de introduzir questões solenes: “Mas eu vos digo a verdade: convém que Eu vá, porque, se Eu não for, o Consolador [parákletos] não virá para vós outros” (Jo 16:7).
O que poderia ser mais importante para os discípulos do que a presença de Cristo com eles? Difícil como isto possa parecer, aqui Jesus ensina claramente que a vinda do parákletos era mais vantajosa para Seus seguidores no período pós-cruz e ressurreição, do que a presença dEle mesmo. Assim, contrariamente às teorias antitrinitarianas, antigas e modernas, em relação ao Espírito Santo, não estamos diante de uma questão superficial, uma luxúria interessante, mas dispensável e de importância secundária, sujeita às especulações infundadas de teologias precárias. A crucial importância do Espírito Santo para a Igreja pode ser percebida quando deixamos os evangelhos e entramos no livro de Atos, e testemunhamos aí a realização daquilo que Jesus profetizara do parákletos. Aqui entramos num novo mundo e sentimos o sopro de uma brisa nova. Nas palavras de J. Ritchie Smith, “em uma única hora, o Espírito operou nos discípulos a transformação que três anos de comunhão com Jesus não tinha efetuado”41. Seria, então, incompreensível que Jesus tivesse dito: “É para a vossa vantagem que Eu vá…”? Seria incompreensível por que o Espírito Santo seja vital para a Igreja hoje, como foi no passado? Ou, seria difícil entender por que Satanás está tão ativo, confundindo cristãos e obscurecendo a compreensão deles sobre a pessoa e obra do Espírito Santo?
Finalmente, os cristãos não crêem na Trindade em função de qualquer dogma inventado pela tradição ou concílios da Igreja. Da mesma maneira que eles não descrêem dela porque vozes confusas e mal-informadas surgem com “fogo estranho” no altar do Senhor. Além de nossa lógica fraca e razão finita, não dizemos, irracionalmente, que cremos em três deuses e um deus, ou, em três pessoas e uma pessoa, mas, logicamente, afirmamos que a Bíblia ensina um único verdadeiro Deus em três Pessoas divinas: Pai, Filho e o Espírito Santo. Somos exortados a crer no que Deus nos revela em Sua Palavra, mesmo que não possamos entender isto plenamente, aqui e agora. Assim, se por um lado não ousamos crer mais do que aquilo que nos foi revelado, por outro lado, não nos atrevemos a aceitar menos do que aquilo que nos é ensinado nas Escrituras. Nossa consciência
Referências
*Adotamos neste texto o termo parákletos transliterado do grego em vez de Paracleto, do latim.
1 Para esta identificação em um período muito antigo da história do cristianismo, veja Shepherd of Hermas, Mandate iii. 4, comparando com v. 1-2, em Ante-Nicene Fathers (Eerdmans: Grand Rapids, MI, 1976), 2:43. Tertuliano (160-225), em um período consideravelmente anterior a Nicéia, deu à Igreja a sua linguagem da “Trindade,” e das pessoas dentro da Trindade, distinguindo claramente a pessoa e obra do Espírito Santo, do Pai e do Filho. Tertuliano identifica o Paracleto/Consolador com o Espírito Santo, em. Against Praxeas xxv, vii-ix, Ante-Nicene Fathers, 3:621, 603-604.
2 A doutrina da Trindade é dogma central da teologia cristã, isto é, que Deus existe em três pessoas e uma substância. Esta doutrina, ao longo dos séculos, tem sido mantida pelos cristãos como um mistério. Se, por um lado, ela não pode ser conhecida pela razão humana desajudada ou independente da revelação, por outro lado, ela também não pode ser plenamente demonstrada pela razão, mesmo depois de ter sido revelada. Embora os cristãos afirmem que tal mistério esteja acima da razão, ele não é, contudo, contrário à razão, ou incompatível com os princípios do pensamento racional. Tem havido em diferentes períodos da história do cristianismo os que, em arrogância, buscaram comprimir a Divindade dentro dos limites da fraca lógica e razão humanas, sem se aperceberem, talvez, de que quando pudermos entender Deus plenamente, seremos como Ele, e, portanto, já não precisaremos dEle. Nas Escrituras nós não temos revelação absoluta, apenas revelação necessária. Não sabemos tudo sobre Deus. Não dizemos a Deus o que Ele deve ou não revelar de Si, mas em humildade e gratidão recebemos e aceitamos aquilo que Ele, em Sua graça e sabedoria, decidiu revelar. Evidentemente, se lógica humana fosse o teste para nossa aceitação de Deus e de Suas verdades, seríamos forçados a deixar de fora a maior parte das categorias bíblicas: criação, pecado, queda, eleição divina, existência de Satanás, milagres, encarnação, graça, salvação, ressurreição de Jesus, segundo advento, ressurreição dos mortos, apenas para citar algumas. Todas estas noções, em sua plenitude, encontram-se além de nossa razão fraca e enferma. Ou será que, para sermos “lógicos”, devemos também nos descartar delas?
3 O ensino bíblico quanto à Trindade, ao longo da história do cristianismo, tem se deparado com sérios desvios da ortodoxia, variando de ênfase e enfoques. Sabelianismo, monarquianismo modalista, pneumatoquianismo, arianismo, macedonianismo e socinianismo são antigas noções unitarianas que ressurgiram em tempos recentes entre os mórmons, testemunhas de Jeová e Ciência Cristã, sem essencialmente nenhuma novidade. Mas, como sabemos, a mentira não morre fácil. Outras versões recicladas e pioradas têm surgido na periferia do adventismo do sétimo dia, maquiadas com retoques precários e pouco criativos. Este é o caso de alguns panfletos e folhetins que circulam em vários lugares e em sites da internet. Os livros A Divindade, que se apresenta como uma “compilação de diversos autores,” e “Eu e o Pai Somos Um”, de Ricardo Nicotra, caem nesta categoria: mal informados, sem solidez bíblica, teológica, histórica ou lógica simples.
4 W. F. Howard observa que João é “pela maioria dos cristãos considerado o clímax da revelação bíblica”. The Fourth Gospel in Recent Criticism and Interpretation (London: The Epworth Press, 1965), 3. Em volume posterior, Howard insiste que a teologia joanina “é a mais altamente desenvolvida do Novo Testamento”. Christianity According to St. John (London: Duckworth, 1973), 19. Tal avaliação da importância do pensamento joanino para a teologia do Novo Testamento é comum entre outros eruditos bíblicos. Embora possamos admitir que, como geralmente observado, a teologia paulina seja obviamente mais abrangente, prevalece a compreensão de que “João é o Everest do estudo do Novo Testamento, tanto exegeticamente como teologicamente.” W. Boyd Hunt, “John’s Doctrine of the Spirit,” Soutthwestern Journal of Theology, 7/8, 1966, 45. A. M. Hunter defende a mesma idéia ao afirmar que nas mãos de João o evangelho é reexpresso para satisfazer as necessidades de uma comunidade espiritual mais ampla. “[João] buscou uma [nova] categoria para expressar o significado do evangelho para todos os homens, judeus e gregos”. Introducing New Testament Theology (Naperville: SCM Book Clook, 1957), 150. Veja também C.K. Barrett, The Gospel According to St. John (Philadelphia: The Westminster Press, 1978), 32, 49. Por outro lado, embora cristologia seja a ênfase primária do quarto evangelho, sua peneumatologia é reconhecidamente um dos seus maiores temas e “uma das mais distintivas características do [quarto] evangelho” (ver Hunter, 25). De fato, o cristinaismo “de acordo com João é interpretado em termos do Espírito” (Hunt, 46).
5 Vincent Taylor, et. al., The Doctrine of the Holy Spirit (London: The Epworth Press, 1938), 66.
6 Raymond E. Brown, The Gospel According to John XIII-XXI (New York: Doubleday & Company, 1979), 1135.
7 Na compreensão truncada de Nicotra, o Espírito Santo/Paracleto é ora confundido com Deus o Pai, ora com Deus o Filho. O que realmente surpreende, contudo, é a natureza precária dos argumentos. Ver, por exemplo, sua interpretação de Atos 20:28 (“Eu e o Pai Somos Um”, p. 19): “Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue.” Dando sua interpretação, Nicotra arremata: “No texto acima, Deus, através de Sua Palavra, está afirmando que o Espírito Santo comprou a igreja com o seu proprio sangue. Sabemos que quem comprou a igreja com o Seu próprio sangue foi Jesus. Assim, não é difícil perceber que Deus está chamando Jesus de Espírito Santo.” Fantástico, não fosse o caráter grosseiro do argumento. No primeiro nível, o erro da conclusão de Nicotra se explica por confusão gramatical, pura e simples, ou, pior ainda, por má interpretação básica de leitura de textos. O pronome pessoal ele (que “comprou com o seu próprio sangue”), não se refere ao Espírito Santo (na primeira parte da frase), mas a Deus (aquele a quem pertence a Igreja), na cláusula imediatamente anterior. Não fosse a apologia que Nicotra faz da ignorância para a leitura da Bíblia (ver “Eu e o Pai Somos Um”, p. 9-13), ele poderia ter facilmente evitado este absurdo (ver F. F. Bruce The Book of Acts [Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1980], 416, nota 59). Bruce discute o grego deste texto, concluindo que a melhor leitura seria “por meio do sangue do Seu próprio [idiou] filho.” Veja em suporte, J. H. Moulton, Grammar of NT Greek, I [Edinburgh, 1906], 90). Por outro lado, A.T. Robertson, indiscutível autoridade no grego do NT, argumenta com base na leitura de alguns manuscritos (por exemplo, Aleph B Vulg), que tou theou refere-se a Jesus, chamado aqui, como em outras partes do Novo Testamento, de “Deus,” que derramou o Seu sangue pelo Seu rebanho (Robertson, Introduction to Textual Cristicism of the N. T. A.[Nashville, Broadman Press, 1930], 189); veja, ainda, Robertson, Word Pictures in the New Testament, Vol. III, The Act of the Apostles (Nashvile: Broadman Press, 1931), 353. Nas páginas 20 e 21 do seu “Eu e o Pai Somos Um”, Nicotra, com o seu curioso método de perguntas circulares, capaz de “provar” absolutamente qualquer coisa, indaga quem é o Consolador. Citando então 2 Coríntios 1:3 e 4, onde o apóstolo Paulo fala do “Deus de toda consolação, que nos conforta em toda a nossa tribulação,” ele conclui que Deus, o Pai é o Consolador. O argumento de Nicotra seria cômico, se não fosse trágico. Para dizer o mínimo, parece que para Nicotra a Bíblia foi escrita em português. Embora Paulo afirme que Deus, aparentemente em referência ao Pai, nos consola, ele não está dizendo que o Pai seja o parákletos, um título técnico, utilizado apenas no quarto evangelho para alguém que não é o Filho e também não é o Pai (veja acima, p. 53 e 54), e é claramente indentificado como sendo o Espírito Santo (Jo 14:26). Além disto, devemos observar, ainda, que a tradução “Consolador” não esgota o rico significado do parákletos joanino e da complexidade de Suas funções (veja abaixo). Finalmente, em Atos 9:31, é o Espírito Santo quem conforta.
8 Como geralmente indicado, allos significa outro do mesmo tipo. C. K. Barret observa que, tomada adjetivamente, allov ou parákleton, pode ser traduzido: Ele dará: (a) outro Paracleto, ou (b) outra pessoa para ser um Paracleto (ver Barret, The Gospel According to St. John, 461)
9 A palavra traduzida em português por “advogado”, é derivada do latim advocatus, considerada um dos equivalentes do termo grego parákletos (veja Johannes Behen, Parakleto, Theologiacal Dictionary of the New Testament [Grand Rapids, MI, Eerdmans 1979], 801). O texto de 1 João 2:1, no qual Jesus é apresentado como exercendo um mistério intercessor, como advogado, junto ao Pai, no céu, reflete, evidentemente, um contexto legal. Para ampla discussão sobre o significado de parákletos em 1 João 2:1, ver I. Howard Marshal, The International Comentary on the New Testament: The Epistles of John (Grand Rapids, MI: Eerdmans), 118. F. F. Bruce observa que em 1 João 2:1, a “advocacia de Jesus é exercida na corte celestial…. [em João 14:16-17] está implícito que Ele [Jesus] tinha sido o advogado ou o parákletos dos discípulos na Terra. Isto Ele inha sido realmente, enquanto estivera com eles: Ele tinha sido o ajudador e o defensor deles, Aquele em cuja guia e apoio eles poderiam descansar; mas agora Jesus estava para deixá-los. Ele havia estado com eles por um curto período de tempo, mas o ‘outro parákletos’… estaria com eles permanentemente e não apenas com eles, mas neles” F. F. Bruce, The Gospel of John (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1983), 302.
10 F. F. Bruce. 302. Ellen White, em vários textos, concorre com esta noção
11 Uma indicação da unidade de ação entre as pessoas da divindade, Pai e Filho, é vista em João 15:26, onde é o próprio Jesus quem envia o parákletos. O texto não deve ser visto como contrário a 14:26. Aqueles familiarizados, contudo, com a teologia medieval se lembrarão como a controvérsia filioque proveu o ambiente para a divisão entre o cristianismo ocidental e oriental, em 1054.
12 Tertuliano. Against Praxeas xxv, vii-ix, em Ante-Nicene Fathers, 3:621, 603-604.
13 Ibid. Aqueles que defendem a insustentável teoria de que Trindade é um dogma de Constantino, posterior a Nicéia, deveriam melhor se familiarizar com a história do Cristianismo. Referências à Trindade são abundantes em fontes insuspeitas, mais de dois séculos antes do Concílio de Nicéia. Sugerimos a leitura de alguns volumes: o reconhecido, J. N. Kelly, Early Cristian Doctrines (New York: Harper & Row, 1978), e Stanley M. Burgess, The Spirit & the Church: Antiquity (Peabody, Massachusetts: 1984); Edmund J. Fortman, The Triune God, A Historical Study of the doctrine of the Trinity (Grand Rapids: Baker, 1982); e ainda o recente, Roger E. Olson e Christopher A. Hall, The Trinity, (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2002). Estas obras focalizam o testemunho do cristianismo primitivo quanto à pessoa e obra do Espírito Santo, a partir do final do primeiro século.
14 Como geralmente reconhecido, os três atributos primários da personalidade são: mente/intelecto, emoções e vontade. Mera “força” ou “influência” ou ruach/pneuma em sentido de fôlego, não possui estes atributos. Claramente em João, bem como em uma outra enorme variedade de textos das Escrituras, o Espírito Santo exibe tais atributos. A “mente” do Espírito Santo, por exemplo, é claramente mencionada em 1 Cor. 2:10 “…porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus.” A palavra grega traduzida aqui por “perscruta” significa “cuidadosa investigação, exame minucioso.” O Espírito, com Sua mente investiga as coisas de Deus, e as torna conhecidas por revelação (o mesmo verbo é usado em João 5:39, “examinai as Escrituras…” como uma atividade possível apenas a pessoas). Devemos observar que em Romanos 8:27 direta referência é feita à mente do Espírito: “E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito…” Aqui é Deus o Pai quem perscruta a mente do Espírito. Novamente o mesmo verbo é utilizado. Como observa o altamente respeitado Arndt e Gingrich, em Lexicon of the New Testament, a palavra traduzida por “mente” neste verso significa, “modo de pensar, disposição mental, alvo, aspiração, busca” (Willian F. Arndt e F. Wilbur Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature [Chicago: The University Press, 1957], 874). E evidentemente, uma mera força não tem um “modo de pensar, disposição mental, alvo,” ou “aspiração.” No livro de Atos, em inúmeras referências, o Espírito Santo é descrito em termos que indicam ser Ele uma pessoa: que fala (1:16, 8:29), proíbe (16:6), pensa (15:28); indica (20:28); envia (13:4); testemunha (5:32); arrebata (8:39); impede (16:7); contra Ele se mente (5:3); tenta (5:9); Ele pode ser resistido (7:5). A estas citações do livro de Atos podem ser acrescentadas incontáveis outras do Novo Testamento em geral. E, francamente, se a linguagem tem qualquer significado, é impossível compreender como tais evidências podem ser desconsideradas.
15 Ékeinos em João 14:26, 15:26; 16:8 e 14; autós em 16:7.
16 Como indicado pela autoridade de Barret, esta é a leitura da “maioria dos manuscritos” embora alguns manuscritos omitam tó agion (ver Barret, 467).
17 Um exaustivo estudo sobre o termo parákletos, do ponto de vista lingüístico e histórico, aparece em Gerhard Kittel, ed., Theological Dictionary of the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1979), vol. V, 800-814. Ver também, M. Miguéns, El Paráclito (Jerusalém, 1963); Para bibliografia exaustiva no tópico, veja Barret, The Gospel According to John, 462. Veja, ainda, sobre a palavra parákletos de vários autores, Journal of the theologial Society, new series I (1950): 7-15; J. G. Davies, idem, 4 (1953): 35-38; G. Bornkam, idem, 68-89, 90-103.
18 O. Betz, por exemplo, examina uma série de palavras usadas em Qumran para descrever pessoas com funções semelhantes àquelas do parákletos no quarto evangelho, sem, contudo, estabelecer que qualquer destas palavras representem um equivalente real. Der Paraklet (Leidenm, 1963), 137, citado por J. Louis Martyn, History & Theology in the Fourth Gospel (Nashville: Abingdon, 1979), 144. Para alguns intérpretes, o termo grego foi transliterado para o hebraico e aramaico (Veja Barret, 462)
19 R. Brown, The Gospel According to John, 1136.
20 Para bibliografia neste ponto veja Barret, ibid., 462
21 Para C.K. Barret, o significado de parákletos no Evangelho de João é melhor configurado considerando-se o uso de parakalein e outras palavras cognatas no Novo Testamento (The Gospel of John, 462). Encontramos, assim, uma considerável variedade de significados atribuídos ao parákletos. (1) Como forma passiva de parakalein, em seu sentido elementar (“chamar para o lado de”), significando “alguém que é chamado ao lado para ajudar;” assim, um advogado, como no famoso texto de Tetuliano, “Paracletus, id est advocatus ad exorandum judicem” (Tertuliano, De jejunio, 13). Em algumas das antigas versões latinas, advocatus, é uma tradução literal deste sentido. Freqüentemente esta interpretação aparece combinada com o quadro extraído de outras referências do Novo Testamento, onde o Espírito Santo age em defesa dos discípulos, quando estes são colocados em julgamento (Mt 10:20, At 6:10). Assim, o parákletos se torna um advogado de defesa, o que sugere uma dimensão forense à Sua obra. Tal função é evidente em João 15:26, onde o parákletos atua como testemunha no julgamento de Jesus. O. M. F. Berrouard acrescenta que “O parákletos [também] é o defensor de Cristo diante da consciência dos crentes” (Jean xvi.8-11, R.S.P.T. xxxiii [1949], 361-389). Devemos ter em mente, ainda, que o contexto das passagens relacionadas ao parákletos indicam que os discípulos enfrentarão perseguição (Jo 15:18-25; 16:1-3, 32; 18:15), e em tais situações o parákletos os ensinará o que dizer, o que reforça o aspecto forense de Sua obra. (2) Em sentido ativo, refletindo parakalein, em seu significado de “interceder, apelar,” daí um intercessor, um mediador, um representante. Em João 15: 13-14, o parákletos é um representante do ausente Cristo. A maioria dos Pais Gregos entendeu o parákletos como um intercessor, embora alguns traduzam a palavra como “consolador” (veja Miguéns, 213). O Espírito Santo é claramente um intercessor em Romanos 8:26. Mas todo o contexto aqui tem que ver com as orações dos santos, das quais o Espírito se torna o intérprete. Assim, por meio do Espírito Santo, Deus o Pai, ouve aquilo que nós não poderíamos dizer por nós próprios; pelo Espírito Ele “aceita aquilo que Ele mesmo tem a oferecer” (Karl Barth, The Epistle to the Romans [London: Oxford University Press, 1968], 317. (3) Algumas traduções vertem o parákletos como um “ajudador,” um “amigo,”como, por exemplo, na Tweentieth Century Translation, Moffatt, Goodspeed, etc. (4) Em sentido ativo, refletindo parakalein, como “confortar,” daí “confortador/consolador.” Isto é refletido nas versões Antiga Latina, Lutero e Wycliffe, traduzindo parákletos como “consolator.” O elemento de consolação aparece no contexto do último discurso (Jo 14:18,17; 16:16, 20-22). Assim, embora “confortador” não seja uma tradução adequada de parákletos, a palavra lança luz em uma faceta do papel dele. (4) Relacionado com paraklesis, isto é, exortação e encorajamento, encontrado na pregação do testemunho apostólico. C. K. Barret (“The Holy Spirit in the Fourth Gospel,” J.T. S. I [1950]:1-15), sugere que o parákletos pode ser o título do Espírito, o qual falou na paraklesis (admoestação/advertência/consolação) apostólica, como em Atos 9: 31, uma referência à Igreja andando na paraklesis do Espírito Santo. Em João, embora o termo paraklesis não seja utilizado, há muito que se ajusta à sugestão do parákletoscomo mestre e guia dos discípulos.
22 A idéia do parákletos como Ajudador é afirmada em relação ao Espírito Santo em Romanos 8:26, onde Espírito “ajuda em nossas fraquezas.” “Ajudar” aqui é o termo grego composto suvavtilambanomai, que aparece apenas em Lucas 10:40, quando Marta pede a Jesus que mande Maria “ajudá-la”. Nestas duas únicas ocorrências, o verbo é utilizado em relação a pessoas.
23 Brown, pág. 1139.
24 Ver W. Howard, Christianity According to John, 71-72.
25 A literatura tratando do Espírito Santo no quarto evangelho é extensa. Veja o clássico Henry Barclay Swete, The Holy Spirit in the New Testament (Grand Rapids, MI: Baker, 1976), 143 em diante. Para introducão à farta bibliografia veja W. Boyd Hunt, “John’s Doctrine of the Spirit,” 43-65.
26 Mateus 28:19, contendo a fórmula batismal trinitariana, representa uma das mais sérias evidências quanto à doutrina bíblica da Trindade, uma das razões pelas quais Tertuliano utilizou a palavra latina trinitas, para descrever a divindade. O grego, neste texto, é de clareza inconfundível: o batismo é para ser administrado em um nome, não em três, o que implica considerável noção de unidade. Contudo, o batismo é para ser realizado em nome de: o Pai, e o Filho e o Espírito Santo. Deve-se notar que cada um dos três substantivos está conectado pela conjunção grega kai (“e”) com o artigo definido, denotando, por outras construcões gramaticais semelhantes no Novo Testamento, três pessoas distintas. Seria inconcebível falar-se em Mateus 28:19 de duas pessoas e uma influência, ou fôlego, como quer Nicotra em relação ao Espírito Santo. A gramática e a lógica simplesmente não permitem tal uso. Curioso é que mesmo a Tradução Novo Mundo, a Bíblia das Testemunhas de Jeová, tendenciosa em seu unitarianismo, é absolutamente silente quanto a este texto de Mateus. Tal a força da passagem, que não encontramos nenhum apendix, comentário, ou nota de rodapé em Mateus 28:19, oferecedo qualquer “explicação” jeovista para a lúcida e transparente implicação dele para o cardinal ensino cristão da Trindade. Ver Robert H. Countess, The Jehovah’s Witnesses’ New Testament, A Critical Analysis of the New Word Translation of the Christian Greek Scriptures (Phillipsburg, NJ.: Presbyterian and Reformed, 1987), 72-73. Entre os antitrinitarianos adventistas, porém, tornou-se comum argumentar contra a autenticidade de Mateus 28:19 (Ver Nicotra, “Eu e o Pai Somos Um”). Novamente, a desinformação é o grande problema de Nicotra. Alberto Timm trata em seu artigo, nesta edição de Parousia, minunciosamente quanto à autenticidade deste texto. Aqui é suficiente referir-nos ao testemunho de alguém do porte de Alfred Plummer, em seu indisputável comentário: “Quanto à questão da genuinidade deste verso [Mt 28:19], podemos responder com a mais absoluta confiança: a passagem é encontrada em cada Manuscrito Grego existente, quer uncial ou cursivo e cada versão existente que contenha esta porção de Mateus.” (Alfred Plummer, Exegetical Commentary on the Gospel According to St. Matthew [Grand Rapids, MI: Baker, ed. 1982], 431). Plummer avança para desacreditar toda a teoria criada em torno da forma como Eusébio de Cesareia utilizou o famoso texto de Mateus (ibid., 432).
27 Ver 1 Coríntios 12:4-6 (“O Espirito é o mesmo… O Senhor é o mesmo… Deus é o mesmo;” Estas são reproduções fiéis do grego. Como em Mateus há um paralelismo triúno de três substantivos, tal paralelismo seria destruído e perderia o seu sentido, se dois dos nomes são pessoas e o outro, um mero fôlego/força/influência. Em 2 Coríntios 13:13 encontramos o que tem sido chamado de bênção trinitariana: a imerecida graça do Senhor Jesus, e o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo. Como em Mateus e 1 Coríntios, mencionados acima, o artigo está presente antes de cada nome. Paulo tem em vista três entidades distintas. Além disto, cada artigo está na forma genitiva singular – tou, embora o substantivo “espírito” seja neutro (masculino e neutro são idênticos, no genitivo singular). Veja Robert H. Coutess, 72-73. O mesmo modelo trinitariano encontramos na introdução da carta aos Efésios (Ef 1:3, 5, 13). Para uma introdução à Trindade em Paulo, veja Edmund J. Fortman, The Triune God, 16 em diante; ver, ainda, Alasdair I. C. Heron, The Holy Spirit, (Philadxelphia: The Westminstr Press, 1983), 44-ss.
28 Os primeiros discípulos eram tanto arautos das boas novas como testemunhas delas, e isto não por iniciativa própria. Mas testemuhas sob a direção da Testemunha Divina, o Espírito Santo. Comunicado por Deus a todos os que obedecem o evangelho. “Nestas palavras temos a marca da consciência apostólica de serem possuídos e habitados pelo Espírito, de tal forma que eles foram o Seu órgão de expressão,” afirma F. F. Bruce, The Book of Acts, 32. Bruce, então, faz neste contexto, a conexão com João 15:26 e 27: “Quando, porém, vier o Paracleto, que eu vos enviarei da parte do Pai, O Espírito da verdade que dele procede, esse dará testemunho de mim, e vós também testemunhareis, porque estais comigo desde o princípio.”
29 R Brown, 1.140.
30 Nicotra tenta justificar seu antitrinitarianismo afirmando que o Espírito (ruach/pneuma), é apenas o fôlego de Deus, como no caso do homem e, portanto, impessoal (ver “Eu e o Pai Somos Um”). Além do caráter precário deste tipo de teologia, que busca explicar Deus a partir do homem, revertendo ao absurdo de tentar “criar Deus à imagem e semelhança do homem”, (como no famoso dito de L. Feuerbach, “O homem criou Deus segundo a sua imagem”, ainda hoje muito estimado pela propaganda ateísta), tal teologia não passa num teste simples de lógica. Se o Espírito não tem realidade concreta porque ruach/pneuma no homem significa apenas o seu folêgo/vento, Nicotra será forçado a admitir que Deus o Pai não tem realidade concreta, uma vez que as Escrituras afirmam que “Deus é espírito [pneuma]” (Jo 4:24). O mesmo é verdade em ralação aos anjos claramente identificados como “espíritos [pneumata] ministradores” (Hb 1:14). O que dizer dos espíritos [pveumatwv] malignos/imundos, na enorme quantidade de textos bíblicos? (ex.: 1Sm 16:14-15; 1Rs 22:23; Mt 10:1; Mc 1:23-27; 5:2-20; Lc 7:21, etc.). Ou será que eles também não têm realidade concreta, porque são descritos como ruach e pneuma? Nicotra e seus seguidores deveriam considerar que as palavras, em qualquer língua, particularmente no hebraico e no grego, podem ter significados diferentes, dependendo do seu contexto. A estatística torna evidente que a palavra “espírito” (ruach) aparece 389 vezes no Antigo Testamento. Em 113 destes casos, o termo significa vento, 136 vezes ele designa o Espírito de Deus, e em 116 casos ele significa o espírito/fôlego do homem; 10 vezes ruach se refere a animais, 3 vezes a ídolos (Ver Herman Brandt, O Espírito Santo [São Leopoldo, RS: Sinodal, 1985], 124). Esta diversidade de usos, sugere, de início, cautela na interpretação de “ruach”; do contrário, o termo pode ser reduzido a uma mera dimensão antropológica, obscurecendo o fato de que, por sua natureza complexa, ruach deve ser visto, como indicado por H.W. Wolff, como uma “noção teo-antropológica” (H.W. Wolff, Antropologia do Antigo Testamento [São Paulo, SP: Loyola, 1975], 52). Para uma significativa discussão sobre a variedade de significados das palavras ruach e pneuma, veja Alasdair I. C. Heron, The Holy Spirit, (Philadelphia: The Westminster Press, 1983), 3-38.
31 Embora Jesus tenha se tornado um parákletos no céu, indo para o Pai, depois da Sua ascensão, como indicado em 1 João 2:1, as funções do Espírito-parákletos são paralelas em cada detalhe em relação ao ministério terreno dEle [Jesus]. Este segundo paracleto faz precisamente o que Jesus fez (ensinando, testemunhando contra o mundo, guiando, e ajudando os discípulos). A conclusão de que Jesus foi o “primeiro Paracleto” em seu ministério terreno parece inevitável.
32 Brown, 128.
33 Martyn, History & Theology in the Fourth Gospel, 150.
34 Ver F. F. Bruce, The Gospel of John, 302.
35 Ver Herschel H. Hobbs, “Word Studies in the Gospel of John”, em Soutwestern Journal of Theology, 37 (1985), 78.
36 Alguns eruditos bíblicos mantêm que um dos propósitos do quarto evangelho foi demonstrar a verdadeira conexão entre a vida da Igreja no final do primeiro século com o já distante Cristo. Eles consideram o evangelho como uma tentativa de neutralizar o perigo de a igreja tornar-se, em si mesma, um tipo de salvador, suficiente em si própria. Assim, o quarto evangelho busca enfatizar a necessidade de fé em Jesus, e demonstrar através de atos simbólicos, que a Igreja está diretamente relacionada com o Senhor. Daí, concluímos, a ênfase no parákletos, como o verdadeiro vínculo entre a vida da Igreja e Jesus.
37 O ato do parákletos de “relembrar” (upomimvnskeiv), aos discípulos, participa no caráter da avamvnsis bíblica, isto é, a reinterpretação de maneira viva. O próprio Evangelho de João pode ser considerado um perfeito exemplo de como Ele exerceu Seu ministério de guiar os homens na verdade das palavras e atos de Jesus. O quarto evangelho representa a melhor demonstração da ação do parákletos, uma vez que aí, João é guiado a reintepretar os desdobramentos e profundas implicações das palavras e atos de Jesus, em um período já consideravelmente distante do ministério histórico de Jesus. Desta forma, o evangelho joanino é o melhor exemplo, ou mesmo o exemplo ideal, do papel do parákletos. Ao mesmo tempo, devemos ter em mente que a obra do parákletos não está confinada ou restrita ao testemunho do discípulo amado, ou a qualquer outra das testemunhas primitivas de Cristo. Em outras palavras o parákletos não foi privilégio apenas dos doze ou da igreja apostólica. Aqueles são apenas modelos, tipos, daquilo que cada discípulo de Cristo, através da era cristã, deve ser. O parákletos não é, ainda, privilégio exclusivo de qualquer grupo dentro da Igreja. Em 1 João 2:20, 27, o apóstolo amplia a função de ensino do Espírito Santo: “E vós possuís unção que vem do Santo e todos tendes conhecimento… a unção que dEle recebestes permanece em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine, mas com a sua unção vos ensina a respeito de todas as coisas…”
38 O elemento de ligação entre João 21:18-23 e os propósitos da composição do quarto evangelho foi trazido à minha atenção por Wilson Paroschi.
39 Brown, 1.131.
40 White, 20 Marnuscript Release, 324.
41 J.Ritchie Smith, The Holy Spirit in the Gospels (New York: The Macmillan Company, 1926), 298. Smith foi um professor em Princeton, particularmente interessado na teologia joanina. Seu livro pode parecer antigo, mas sua compreensão é equilibrada e judiciosa.