Amados, não vos escrevo mandamento novo, senão mandamento antigo, o qual, desde o princípio, tivestes. Esse mandamento antigo é a palavra que ouvistes. Todavia, vos escrevo novo mandamento, aquilo que é verdadeiro nele e em vós, porque as trevas se vão dissipando, e a verdadeira luz já brilha. Aquele que diz estar na luz e odeia a seu irmão, até agora, está nas trevas. Aquele que ama a seu irmão permanece na luz, e nele não há nenhum tropeço. Aquele, porém, que odeia a seu irmão está nas trevas, e anda nas trevas, e não sabe para onde vai, porque as trevas lhe cegaram os olhos — 1João 2.7-11
Se amar ao nosso irmão é um velho mandamento, por que João diz que é também um novo mandamento? O amor é atributo de um Deus eterno e imutável, e mandamento que prevalece e percorre todo o curso do Antigo Testamento. Como pode ser antigo ao mesmo tempo que novo? Temos de reconhecer que João não se contradiz no mesmo versículo, mas utiliza essas declarações aparentemente contraditórias para fazer uma belíssima apresentação da revelação maior da glória de Deus na nova aliança. Deus sempre revelou seu amor aos homens desde o princípio. Porém, a revelação do seu amor mediante a pessoa e obra de Cristo excede tanto qualquer revelação anterior que parece totalmente nova. Sem retirar nada do magnífico desvendamento do amor de Deus debaixo do antigo pacto, podemos dizer, com propriedade, que era coisa pouca em comparação à revelação do seu amor pela encarnação do Filho. De modo semelhante, podemos dizer que o amor ordenado, exposto e demonstrado no ensino de Cristo e sua vida sacrificial ultrapassa em muito as exigências do Antigo Testamento, de tal maneira que parece totalmente novo. O padrão de amor na nova aliança não é definido meramente por proposições e preceitos, mas pelo exemplo de Jesus Cristo. O seu amor para com seu povo é agora a marca referencial para o crente. Seu amor agora define qual profundidade, altura, largura e comprimento em que o povo de Deus deverá amar uns aos outros. A verdadeira essência e a plena revelação do mandamento de amar foram perfeitamente expostas na pessoa de Cristo. Assim, Jesus ensinou aos discípulos: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros” (João 13.34).
Sob a antiga aliança, o israelita demonstrava amor obedecendo leis que protegiam outros israelitas, participando de numerosos atos positivos de caridade e bondade. Porém, sob a nova aliança, o povo de Deus é conclamado a amar como Cristo amou, entregando sua vida em favor e benefício do próximo. João expõe plenamente esta verdade mais adiante na sua primeira epístola:
Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos. Ora, aquele que possuir recursos deste mundo, e vir a seu irmão padecer necessidade, e fechar-lhe o seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade. E nisto conheceremos que somos da verdade, bem como, perante ele, tranquilizaremos o nosso coração (3.16–19).
Fica claro por estes versículos que o amor autêntico não permanece no âmbito dos sentimentos ou palavras, mas se manifesta em ações práticas e discerníveis. O tipo de amor produzido pela conversão autêntica, e que é evidência da mesma, não se confina a sentimentos arrebatadores, linguagem eloquente e extravagante, ou mesmo nas melhores intenções. Tem de ir além da palavra e da língua, e se expressar em obra e verdade. O amor que Cristo demanda, e sobre o qual João escreve, tem de agir. Assim, ele encontra sua mais verdadeira expressão quando estamos vivendo coerentemente, em benefício do próximo no corpo de Cristo, ao negarmos diariamente o nosso eu e realizarmos obras práticas de serviço, de acordo com nossos dons e as oportunidades providas pela providência divina. Claro que esse tipo de amor requer que realmente entremos em relacionamento com o povo de Deus, que nos proponhamos a conhecer as suas necessidades, e que verdadeiramente procuremos oportunidades de servi-lo. Consequentemente, seria difícil, se não impossível, que esse tipo de amor se manifestasse de modo coerente em uma comunidade que só se ajunta para uma exibição semanal aos domingos. Esse tipo de amor tem de começar em meio aos relacionamentos individuais dentro da igreja local e operar para fora, aos crentes e comunidades dos que creem por todo o mundo.