Tem cuidado de ti mesmo e do teu ensino. Um bom pastor deve ser criterioso acerca de duas coisas: ser diligente em seu ensino e conservar sua integridade pessoal.Não basta que ele amolde sua vida de acordo com o que é recomendável e tome cuidado para não dar mau exemplo, se não acrescentar à vida santa uma diligência contínua no ensino. E o ensino será de pouco valor se não houver uma correspondente retidão e santidade de vida. Por conseguinte, Paulo tem razões de sobra para intimar Timóteo a dar atenção tanto à sua pessoa em particular quanto à sua doutrinação para o proveito geral da Igreja. Uma vez mais, ele recomenda-lhe constância, para que jamais se prostre exausto, porque muitas coisas sucedem que podem desviar-nos da trajetória retilínea, se não estivermos solidamente firmados para suportá-las.
Porque, fazendo assim. O zelo dos pastores será profundamente solidificado quando forem informados de que tanto sua própria salvação quanto a de seu povo dependem de sua séria e solícita devoção ao seu ofício. Entretanto, visto que o ensino que contém sólida edificação geralmente não produz exibição bombástica, Paulo o adverte a preocupar- se com o que é proveitoso; como se quisesse dizer: “Os homens que buscam glória, então que se alimentem de sua própria ambição e se congratulem com sua própria engenhosidade; tu, porém, contenta-te em devotar-te exclusivamente à salvação de ti mesmo e de teu povo.”
Eis um conselho que se aplica bem a todo o corpo da Igreja, ou seja, que ninguém se enfade daquela simplicidade que vivifica as almas para a vida e as preserva robustas. Nem se deve causar estranheza que Paulo atribua a Timóteo a obra de salvar a Igreja, porquanto todos os que são conquistados para Deus são salvos, e é por meio da pregação do evangelho que somos unidos a Cristo. E assim, como a infidelidade ou negligência de um pastor é fatal à Igreja, também é justo que sua salvação seja atribuída à sua fidelidade e diligência. É deveras verdade que é unicamente Deus quem salva, e que nem mesmo uma ínfima porção de sua glória é transferida para os homens. Mas a glória de Deus não é de forma alguma ofuscada em usar Ele o labor humano para outorgar a salvação.
Por conseguinte, nossa salvação é dom de Deus, visto que ela emana exclusivamente dEle e é efetuada unicamente por seu poder, de modo que Ele é o seu único Autor. Mas esse fato não exclui o ministério humano, tampouco nega que tal ministério possa ser o meio de salvação, porquanto é desse ministério, segundo Paulo diz em outra parte, que depende o bem-estar da Igreja [Ef 4.11]. Esse ministério é por natureza inteiramente obra de Deus, pois é Deus quem modela os homens para que sejam bons pastores e os guia por intermédio de seu Espírito e abençoa seu trabalho para que o mesmo não venha ser infrutífero. Se um bom pastor é nesse sentido a salvação daqueles que o ouvem, que os maus e indiferentes saibam que sua ruína será atribuída aos que têm responsabilidade sobre eles. Pois assim como a salvação de seu rebanho é a coroa do pastor, assim também todos os que perecem serão requeridos das mãos dos pastores displicentes.
Diz-se que um pastor salva a si mesmo quando ele obedece sua vocação, cumprindo fielmente o ofício a ele confiado, não só porque assim evita o terrível juízo com o qual o Senhor ameaça pela boca de Ezequiel, “seu sangue o requererei de tuas mãos” [33.8], mas porque é costumeiro falar dos crentes como que conquistando sua salvação permanecendono curso de sua salvação.
Por: João Calvino; Original: “O primeiro trabalho de um pastor: cuidar de si mesmo“. Copyright © Voltemos ao Evangelho, website: www.VoltemosAoEvangelho.com.