Marcos 7 tem sido usado para declarar que as distinções entre alimentos puros e impuros foram abolidas no NT. O que essa passagem ensina sobre a impureza?
Marcos 7:15-19 é uma daquelas passagens que são facilmente má compreendidas. As pessoas argumentam que Jesus aboliu as leis a respeito da comida e “declarou limpos todos os alimentos.” Marcos 7:1-2 relata que os discípulos de Jesus estavam comendo pão sem terem lavado as mãos. Tal comportamento estava contra as tradições judaicas como descritas nos versos 3-4. Portanto, os fariseus e escribas se dirigiram a Ele e indiretamente reprovaram a Jesus (v. 5) por supostamente não guardar a lei. Ao responder Jesus não lida diretamente com a questão levantada por seus adversários (vv. 6-13), mas foi diretamente ao coração da questão. Ele revelou a hipocrisia deles ao
aplicar uma citação do Antigo Testamento (Isaías 29:13) como se referindo a eles e como se relacionando com um de seus costumes. Como forma de ilustração Jesus colocou o foco no quinto mandamento do decálogo e as tradições que o rodeavam. Com isso ele mostrou de que os judeus estavam transgredindo a lei de Deus e invalidando a Palavra do Senhor por causa de suas próprias tradições, e ele os rejeitou por tal atitude (v. 7-9, 13).
A seguir Jesus se dirigiu às multidões e mudou o tema da transgressão da lei de Deus para a questão da impureza e contaminação (vv. 14-15). Esse conceito seria desenvolvido mais adiante em uma conversa particular com os discípulos (vv. 18-23). Jesus sublinhou que os pensamentos mais são o que fazem o homem impuro. Ao passo que na primeira parte dessa passagem mais longa Jesus colocou o foco na lei de Deus, na segunda parte ele lidou com o problema da impureza. Quando falou com os discípulos ele combinou ambas as questões. A lista de doze vícios nos faz recordar o decálogo e outros mandamentos do AT (Levítico 18, por exemplo). Então na parte final de Marcos 7:1-23 Jesus uniu os assuntos de guardar a lei de Deus e evitar a contaminação. Aqui está um esboço da passagem:
Introdução (1-4): Impureza
A estrutura da narrativa
(1) Escribas e Fariseus versus discípulos de Jesus (1-2)
(2) Informações sobre o pano de fundo das tradições judaicas (3-4)
Primeira cena (5-13): A Lei
(1) A pergunta dos escribas e fariseus (5)
Discurso direto: Questão a respeito da violação das tradições dos anciãos.
(2) A resposta de Jesus (6-8)
Discurso direto: Citação do Antigo Testamento (Isaías 29:13) e ênfase na Lei de Deus.
(3) Jesus fala (9-13)
Discurso direto: A Lei de Deus e um exemplo da vida cotidiana, citações do Antigo Testamento (o quinto mandamento em Êxodo 20:12; e Êxodo 21:17), e conclusão.
Segunda cena (14-15): Impureza
(4) Jesus se dirige à multidão (14-15)
Discurso direto: Impureza
Terceira cena (17-23): A impureza e a Lei
(5) A pergunta dos discípulos (17)
(6) A resposta de Jesus (18-19)
Discurso direto: Nada de fora pode contaminar o coração.
(7) Jesus fala (20-23)
Discurso direto: A verdadeira contaminação vem de dentro, isso é, do coração e é contra a lei.
O assunto dessa passagem não é alimento limpo versus alimento imundo. É comer sem levar as mãos, ou seja, com mãos impuras. Jesus não está discutindo o tipo de comida que pode ser comida, mas apenas a forma como ela é comida. Jesus não está lidando com uma questão bíblica e sim com a tradição dos anciãos. O texto paralelo em Mateus 15:1-20 é ainda mais claro. Ele começa com a problemática de comer com mãos impuras e se refere a esse ponto novamente no fim da passagem (Mat. 15:20).
Além disso, o texto não fala a respeito de carne, mas a respeito de comida (bromata). Restringir essa discussão apenas em torno de carnes é ignorar o significado da palavra grega. O contexto fala sobre o pão que os discípulos comeram (versos 2 e 5). “declarou limpos todos os alimentos” (v. 19) é um comentário de Marcos que se refere a Jesus. Não é o processo digestivo que purifica o alimento, mas Jesus declarou limpo mesmo o alimento consumido sem se lavar as mãos. Jesus não negou a distinção entre carnes limpas e carnes imundas. Se esse tivesse sido o caso Jesus teria de fato quebrado a lei. Ao contrário, Jesus deu inteiro apoio à lei o que inclui o decálogo bem como outros preceitos do Antigo Testamento. Eles ainda estavam válidos em seu tempo como estão validos hoje. Tivesse Jesus abolido as leis a respeito de comida, por que teria Pedro na visão registrada em Atos 10 se recusado a comer carne imunda? Um comentário interessante sobre Marcos 7 foi feito por Robert A. J. Gagnon, um erudito não-adventista:
“O dito em Marcos 7:15-19 sobre o que contamina uma pessoa é freqüentemente citado como prova de que Jesus aboliu as leis a respeito dos alimentos. É bem mais provável que Jesus intencionava fazer um contraste hiperbólico: O que realmente mais importa não é o que entra em uma pessoa mas o que sai …Se Jesus (porém) não aboliu mesmo coisas como leis a respeito da comida e devolução meticulosa do dízimo, então é impossível que Ele tenha abolido a proibição de um ato tão sério como o ato sexual homossexual.”1
Gagnon afirma que Jesus era contrário à homossexualidade, pois em Marcos 7:22 ele menciona a palavra porneia como algo que surge de dentro dos seres humanos e os contamina. Porneia se refere a diferentes tipos de pecado sexual incluindo-se a homossexualidade, pecados tais quais os mencionados em Levítico 18. Uma vez que Lev. 18 ainda está válido no Novo Testamento, como Paulo demonstra (1 Cor. 5), a lei sobre carnes limpas e imundas como encontrada em Lev. 11 também não foi abolida por Jesus Cristo.
A Mensagem principal de nossa passagem é: A vontade de Deus é importante e não deve ser circundada (por tradições/opiniões humanas), e o verdadeiro problema da impureza é nosso coração pecaminoso que afeta nossos processos de pensamento e atitudes. Portanto, em Marcos 7:15 Jesus muda o foco da impureza ritual para a questão mais importante da impureza moral em relação à nossa natureza humana. Isso nos lembra de Mateus 23:23, onde Jesus não está contra a meticulosa prática do dízimo, mas mostra que não é suficiente o apenas devolver o dízimo. Existem questões mais importantes na vida cristã que não podem ser negligenciadas sem prejuízo e sofrimento. O real problema não tem que ver com questões externas (7:15, 18-19) ou mesmo com desafios externos. A questão é a respeito de nossos dilemas internos (7:15, 21-23)
A frase “aquilo que contamina o homem” (7:15) é repetida quase que de forma idêntica em 7:19 e 23. E o que sai do homem (7:15) é aquilo que sai do coração, a saber: maus pensamentos (7:21). Os versos 18-23 são um comentário do verso 15, que é chamado de parábola pelos discípulos (7:17). Esse comentário lista doze coisas que causam contaminação. Elas são “adultério, fornicação, assassinatos, roubos, cobiças, maldade, engano, lascívia, suspeitas malignas, blasfêmia, orgulho, loucura” (7:21-22) e são referidos como “maus pensamentos.” Todos os pecados têm sua fonte inicial no coração, e freqüentemente pensamentos se transformam em ações. No sermão da montanha Jesus demonstrou que pensamentos maus já são pecados quando acariciados e não rejeitados (Mat. 5:28). O real problema é que nossa mente produz aquilo que nos contamina.
A lista dos vícios nos versos 21 e 22 incluem três termos que se referem a pecados sexuais e que nos lembram do sétimo mandamento. Eles também cobrem o terceiro, o sexto, oitavo, e provavelmente também ao nono e décimo dos dez mandamentos. Em nossos dias, nós somos confrontados com tentações sexuais, violência, engano, orgulho, arrogância, e muitos outros pecados. É fácil e conveniente nos adaptar a um estilo de vida que é comum em nossa cultura. Também é fácil dar desculpas quando falhamos em seguir o exemplo de Cristo. Mas ainda somos nós que fazemos a decisão de responder a esses desafios e imitarmos o comportamento comum ou rejeitá-lo. Como alguém disse, nós não podemos impedir que os pássaros voem sobre nossas cabeças, mas podemos impedir que eles façam ninhos nela! O problema é o nosso coração.
Portanto o que necessitamos é de uma renovação da nossa mente. Como isso pode ser atingido não é discutido em Marcos 7:1-23, mas na passagem seguinte (7:24-30) na qual Jesus é apresentado como a solução presente para os nossos problemas. Ele é capaz de expulsar os “demônios.” Ele está desejoso de honrar nossa fé e responder nossas orações. Nossa passagem nos convida a não olhar para os problemas periféricos, mas a encarar as verdadeiras questões, a saber: nosso coração pecaminoso.
Referencias
1 Dan O. Via and Robert A. J. Ganon, Homoxesuality and the Bible: Two Views (Minneapolis: Fortress
Press, 2003), 69.