Aquilo que acontece dentro do pregador durante o preparo de sua mensagem desempenha importante papel no estabelecimento da pregação acreditável
A pregação pode ser considerada audaciosa para ser feita por seres humanos – ousar colocar-se diante do púlpito para falar em lugar de Deus, porque Deus não está pessoalmente ali para falar por Si mesmo. Apesar disso, os pregadores são dirigidos pela crença de que a pregação é um mecanismo divinamente ordenado, pelo qual eles podem afetar vidas. Semelhantemente ao apóstolo Paulo, os pregadores vivem sob a urgência das palavras: “Como, porém, invocarão Aquele em quem não creram? E como crerão nAquele de quem nada ouviram? E como ouvirão se não há quem pregue?” (Rm 14:10).
Para que seja efetiva, a pregação tem que ter credibilidade. Não é muito fácil definir credibilidade, porque ela tem algo como intangível. Credibilidade é alguma coisa que torna a pregação interessante, urgente e efetiva. Sua ausência, ao contrário disso, a torna fraca e ineficaz. Comumente, credibilidade é compreendida como a habilidade que tem uma pessoa para induzir outra à crença. O Merriam-Webster Online Dictionary, por exemplo, define credibilidade como “a qualidade ou poder de inspirar crença”.[1] Então, um sermão com credibilidade deve ter bastante autenticidade para imprimir muita credibilidade na mente dos ouvintes, o suficiente para levá-los à ação e mudança.
Criando credibilidade
Há muitas coisas que produzem a credibilidade. A primeira delas é o conteúdo da mensagem: as ideias, os conceitos, argumentos e ilustrações. Esses elementos devem ser percebidos como verdadeiros, ou a credibilidade pode ser rapidamente perdida. Lembro-me de ter pregado um sermão que foi bem apresentado, no seu todo, mas continha uma ilustração que a congregação achou que era um tanto irreal. Assim, o todo do sermão perdeu sua credibilidade e, portanto, seu efeito. Outro sermão pregado por mim foi considerado de muita credibilidade, primeiramente porque, na presença de alguns profissionais de saúde, descrevi corretamente os mecanismos pelos quais ocorre o mal de Hansen.
Um segundo elemento no estabelecimento de credibilidade na pregação refere-se à técnica e capacidade – habilidades que podem ser aprendidas, emprestadas, copiadas ou até mesmo imitadas. Porém, devemos ser cuidadosos: a técnica emprestada, pode ser falsificada ou, pior ainda, desconectada do “coração” do pregador. Qualquer técnica tomada emprestada e não refinada o suficiente para caber na personalidade e natureza do pregador facilmente acaba parecendo falsa, cômica e sem credibilidade.
Muitos veem a técnica como principal ingrediente na credibilidade. Essa ideia é refletida em nossa grande fascinação por oradores ostentosos. Também, muitos imediatamente se voltam para melhorar a técnica quando confrontados com a ineficácia de sua pregação.
Dinâmica interna
Embora o conteúdo e a técnica exerçam papel substancial no estabelecimento da credibilidade da pregação, um terceiro elemento, em grande parte, de muita importância, deve ser considerado: a dinâmica interna entre o pregador e a mensagem que ele apresenta. Diante da importância da credibilidade da pregação, essa dinâmica[2] se torna particularmente importante, mas raramente se comenta a respeito dela.
Na pregação, mais que em outras formas de discurso, a credibilidade é originada não apenas no conteúdo da mensagem, não apenas na forma em que a mensagem é apresentada, mas também de alguma coisa percebida como oriunda de dentro do próprio pregador. Como um processo vivo, a pregação e sua efetividade não podem ser divorciadas do pregador. O processo, produto e a pessoa são entrelaçados e interdependentes. Com frequência, quando pensamos a respeito de vidas a ser tocadas pela pregação, pensamos nos ouvintes da congregação. Raramente consideramos a existência de outra pessoa que deve ser afetada pelo sermão – o próprio pregador.
Fred Craddock expôs o fundamento para a dinâmica interna sobre a qual a credibilidade da pregação é construída, quando afirmou que a natureza do trabalho do pastor “torna impossível separar o caráter da performance”.[3] Craddock diz que “na pregação, alguém sempre diz mais do que o que é dito, ou menos”.[4] Na verdade, a pregação e o ministério como um todo envolvem num mesmo pacote a pessoa e a tarefa. A última não pode ser acreditável sem que a primeira seja genuína.
A máquina homilética
Uma das melhores maneiras de compreender como a credibilidade é construída no pregador e no sermão é gastar tempo revendo como são produzidos os sermões. O processo de nascimento e tendência de um sermão, da origem à apresentação dele, é conhecido entre os pregadores. A boa pregação não é resultado de acidente, mas é o produto de um processo disciplinado estabelecido como um aspecto central da vida do pregador. Por falta de melhor expressão, chamo esse processo de “máquina homilética”.
Entre as partes responsáveis pelo funcionamento dessa engenharia, eu destacaria a manutenção de pelo menos um mínimo de vida devocional, ampla leitura sobre muitos assuntos, e desenvolvimento de certa propensão homilética que leva o pregador a ver todas as coisas com os olhos de alguém que tem que pregar. Isso inclui o hábito de preservar ideias que podem se tornar sermões. Essa máquina homilética pode ainda incluir o desenvolvimento de um arquivo de ilustrações, contato pessoal com os membros da congregação e interação com a comunidade local. Também deve estar incluída a disciplina de estabelecer um significativo número de horas semanais para leitura, meditação, bem como para escrever e reescrever sermões.
Essencialmente, a máquina homilética inclui o processo que começa com o nascimento de uma ideia, passando à preservação dessa ideia, para incubação e destilação, então escrevê-la e refiná-la ao ponto em que realmente se torna praticada e finalmente pregada. Esse processo pode variar em alguns graus dessa descrição, e pode ser formal ou informal. Porém, sua composição e função são compreendidas por todos os pregadores.
Bons pregadores se disciplinam para desenvolver essa máquina e instalá-la em sua vida. Ela nunca está desligada. E, se for bem construída e estiver em boas condições de operação, o número de ideias e sermões produzidos será infindável; a qualidade, elevada. Aqueles que pregam regularmente bem sabem como esse processo afeta a vida e, por esse processo e disciplina todo abrangentes, os pregadores apresentarão alguma cosa digna de ser ouvida semana após semana.
Incubação e destilação
À medida que a máquina homilética se torna central, quase automaticamente a contemplação das coisas de Deus é colocada no centro da vida; uma situação que possibilita ao pregador a oportunidade de tratar dessas coisas quase como mandato. Aliás, ele é pago para isso também. Por causa da necessidade que tem de pregar, o pregador tem de investir tempo com os negócios de Deus. Sozinha, essa necessidade tem o potencial de afetar significativamente a vida dele, porque a Palavra, por sua própria natureza, tem poder para mudar e abençoar vidas.
Particularmente cruciais para a criação de credibilidade são os passos no processo homilético que envolvem meditação. Incubação e destilação devem ser colocadas no topo desses passos. O tempo de incubação é definido como sendo o tempo em que, e por meio do qual, o pregador capta uma ideia, às vezes desestruturada e até acidental, pensa a respeito dela, pondera muitas vezes e analisa-a sob vários pontos de vista. A incubação pode ocorrer em qualquer tempo – quando o pregador está dirigindo automóvel, se divertindo, comendo ou tomando banho.
A meu ver, ninguém descreveu melhor que David Hansen o processo de incubação: “Durante uma hora, gosto de estar sozinho com o texto. Repetidamente o leio, paro e me fixo nele. Coloco o texto na tela do computador. Observo-o, movimento-o, a única regra é não ter pressa. Levanto-me e vou caminhar um pouco. Deixo ali o texto de modo que o possa ver, dividido em parágrafos, acompanhado de ilustrações. Gravo-o na mente, quero que fique em meu subconsciente. Isso requer tempo. Novamente, o fito. A palavra ‘fitar’ tem origem latina relacionada com vigor, ardor. Fitar o texto é meditação ardorosa. Isso é feito dentro de nós.”[5]
John Killinger, professor de homilética, diz: “Da maneira pela qual primeiramente ocorrem ao pregador, as ideias podem não estar em sua forma final, prontas para ser pregadas. Elas necessitam de tempo para amadurecer, antes de ser usadas.”[6]
Oposta à incubação, destilação é o processo por meio do qual o pregador destila da meditação a mensagem a ser pregada. Um aspecto particularmente difícil da destilação é a criação de uma frase-tema que diga sucintamente o propósito do sermão, processo habilmente descrito por John Henry Jowett: “Nenhum sermão está pronto para ser escrito nem pregado, até que possamos expressar seu tema numa frase curta e significativa, clara como cristal. Concluí que encontrar essa frase é o trabalho mais difícil, mais exigente e frutífero do meu estudo”.[7]
Qual é o ponto aqui? Se a ideia de um sermão cresce para se tornar alguma coisa acreditável, ela tem que ser processada, absorvida, incubada e, então, destilada. É bastante substancial para se tornar um sermão? Qual é a ideia essencial? Quais são as ideias secundárias a ela? Há alguma situação ou eventos na igreja ou na comunidade aos quais essa ideia possa ser apropriadamente direcionada? Quais são as aplicações que podem ser feitas a partir dela?
Os efeitos desse processo são extensos. O pregador não tem apenas alguma coisa para dizer, mas tem sempre muito mais do que pode ser utilizado em um único sermão.
Ansiedade trêmula
Todas essas reflexões e ponderações não esclarecem nem expandem uma ideia, mas têm enorme capacidade para afetar o pregador. Enquanto ele trabalha através do processo homilético, junto com a organização da ideia, muitas coisas acontecem. A primeira é a criação do desenvolvimento de um sentido de propriedade e urgência, que é componente fundamental para a pregação acreditável. Isso previne o pregador de aparecer e pregar como se nada estivesse em risco. Como disse Craddock, “pregar como se nada estivesse em risco é uma contradição”.[8]
Tal sentido de propriedade e urgência mostra-se como tensão, quase temor, ao qual William Barclay denominou “ansiedade trêmula”. Esse temor, diz Barclay, é mais bem compreendido como “a ansiedade trêmula para cumprir um dever. Quem realiza bem uma tarefa não é o homem que não treme diante dela… O pregador realmente grande é aquele cujo coração bate mais forte e rápido enquanto espera o momento de pregar. O homem que não tem nenhum nervosismo, nenhuma tensão diante de alguma tarefa pode ter um eficiente desempenho; mas é o homem que tem essa ansiedade trêmula o que pode produzir um efeito que nenhuma obra de arte sozinha jamais pode conseguir”.[9]
A ansiedade trêmula é produzida durante a incubação e o preparo. E, quando as pessoas ouvem um orador infundido com esse sentimento, elas percebem. O pregador sinaliza que o que tem a dizer deve ser considerado demasiadamente importante para fazer diferença. Se essa ansiedade for perdida, o sermão soará vazio e não será convincente. É dessa dinâmica que emerge a credibilidade.
Existe um possível efeito secundário do processo homilético que é, ao mesmo tempo, óbvio e fascinante: o efeito devocional sobre o pregador. Para os pregadores, o valor devocional do preparo do sermão pode se transformar em algo de objeto volátil. Se você pergunta: O tempo de preparo do sermão pode ser contado como tempo devocional para o pregador? Muitos responderiam com um sonoro “não!” Devia ser mais correto responder com um sonoro “sim!” Parece inacreditável sugerir que, enquanto o pregador investe no processo homilético, incubando uma ideia, destilando-a num sermão, escrevendo-o e reescrevendo-o, esse tempo de preparo não tenha nenhum efeito devocional sobre a vida dele.
Precisamente dessa intersecção entre o coração do pregador e a mensagem, também emerge a credibilidade. Essa credibilidade ocorre apenas quando a mensagem toca a vida do pregador. Quando um pregador se sente tocado por sua mensagem, mesmo um sermão pobremente construído e apresentado pode exercer considerável efeito, mais que qualquer outro que tenha somente excelência técnica.
John Killinger tem uma exposição maravilhosa sobre o efeito da dinâmica interna entre o pregador e a mensagem: “Espere silenciosamente diante da página quando você a tiver lido. Feche os olhos e deixe as imagens cruzarem sua mente em vívido retrospecto. Deixe-se tremer diante da presença da Palavra nas palavras do sermão. Então, equipado com todo seu conhecimento extraído de comentários e dicionários, você irá para o púlpito com alguma coisa extra, com a convicção de que você mesmo ouviu o distante eco do ‘Assim diz o Senhor’.”[10]
Sim, você irá ao púlpito sentindo o que P. T. Forsyth descreve: “Não creio em inspiração verbal. Em princípio, estou com os críticos. Mas, o verdadeiro ministro devia achar as palavras e frases da Bíblia tão cheias de alimento e felicidade espirituais, que ele tem alguma dificuldade em não crer na inspiração verbal”.[11]
O preço da excelência
O que acontece dentro do pregador durante o preparo do sermão desempenha importante papel no estabelecimento da pregação acreditável. A diferença que isso faz para os ouvintes é muito significativa. “Por um lado, a diferença é entre ouvir um sermão e ouvir a Palavra de Deus; entre ver o ziguezague de um relâmpago em um filme e ser exposto ao açoite e terror do próprio fato; entre ler um artigo sobre a vida no exército e fazer parte dele, vivendo controlado pelos superiores; entre discutir dogmas e encontrar o Deus vivo”.[12]
Os pregadores devem ter o cuidado de atentar para a dinâmica interna que alenta a pregação. Eles devem constantemente afinar e consertar sua máquina homilética. Há muitas coisas que podem impedir o bom funcionamento dela. Por exemplo, tomar emprestados sermões alheios, falta de sinceridade, falta de meditação e reflexão, descrença e sobrecarga podem ser fatais. Qualquer que seja seu custo, a pregação é muito valiosa para ser tratada como brincadeira. Aqueles que se inclinam à dinâmica interior da pregação são dignos de ser ouvidos, mesmo que suas habilidades não sejam as melhores. Aqueles que se permitem ser descuidados com ela se tornam “como o bronze que soa ou como o címbalo que retine”. Esses são indignos do púlpito e deviam deixar para outros o trabalho de pregação.
Referências:
1 Merriam-Webster Online, “credibility”, http:// www.merriam-webster.com/dictionary/ credibility
2 Phillips Brooks, Lectures on Preaching (Nova York: E. P. Dutton and Company, 1907).
3 Fred Craddock, Preaching (Nashville, TN: Abingdon Press, 1985), p. 23.
4 Ibid.
5 David Hansen, The Art of Pastoring (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1994), p. 94.
6 John Killinger, Fundamentals of Preaching (mineápolis, MN: Augsburg Fortress, 1996),
p. 51.
7 John Henry Jowett, The Preacher, His Life and Work (Nova York: George H. Duran Co., 1929), p. 133.
8 Fred Craddock, Op. Cit., p. 25.
9 William Barclay, The Letters to the Corinthians (Nashville: Westminster Press, 1975), p. 24.
10 John Killinger, Op. Cit., p. 26.
11 P. T. Forsyth, Positive Preaching and the Modern Mind (Cincinnati, OH: Jennings and Graham, 1907), p. 38.
12 Thomas Keir, The Word in Worship, citado em John Killinger, Op. Cit., p. 25.