Reinventando o Evangelismo numa cultura pós-moderna

Vivemos numa época em que mudanças culturais acontecem rapidamente, afetando a nossa cosmovisão e a maneira como vivemos. A tendência que lidera a mudança social atual é chamada de Pós-Modernismo.

As Escrituras dizem que devemos ter um grande senso de obrigação para com as pessoas da nossa e de outras culturas (Rom 1:14), levando as boas novas do Evangelho eterno a cada nação, tribo, língua e povo (Apo. 14:6). Isto também inclui a cultura pós-moderna. Quando o jovem endemoninhado foi curado, Jesus disse a ele: “Vá para casa, para a sua família, e anuncie-lhes tudo quanto o Senhor fez por você ” (Mar 5:19). Nesta história, Jesus nos ensina os princípios básicos para fazer evangelismo. Ele quer que voltemos às nossas comunidades e construamos conexões verdadeiras com as pessoas ao nosso redor, onde vivemos, trabalhamos e nos divertimos, para que sejamos capazes de compartilhar a maravilhosa história da nossa cura.

Antes de compartilhar com você uma abordagem culturalmente sensível sobre como alcançar pós-modernos  que são verdadeiramente pós-cristãos, quero tentar definir o termo Pós-Modernismo e apresentar algumas oportunidades de missão nesse contexto.

 Definição de Pós-Modernismo

“Pós” significa “depois”, e “moderno” significa “atualizado” ou “agora”. Assim, definimos algo que é pós-moderno como alguma coisa que é “além do atual”, vivendo no limite, com um constante fluxo de mudanças. Talvez a definição literária mais concisa de Pós-Modernismo seja a de Jean-Francois Lyotard, que o classifica como “incredulidade em metanarrativas”1. Metanarrativas são histórias ou verdades abrangentes, conceitos que são um guarda-chuva para tudo o mais na vida, como a existência de Jesus Cristo como o filho de Deus e Seu papel no plano da salvação.

Frequentemente, o Pós-Modernismo é categorizado e rotulado de maneira equivocada. Misturamos as palavras secular, pós-moderno, pluralista e contemporâneo sem perceber que elas não significam a mesma coisa. Uma pessoa secular não acredita em Deus. Um pluralista acredita em muitos deuses ou muitas verdades. Uma pessoa contemporânea é simplesmente alguém vivendo na mesma época que você. Contudo, um indivíduo pós-moderno é bem mais complexo. Pós-modernos na cultura atual necessariamente não negam a Deus, eles apenas não têm um relacionamento crescente com Ele. Não rejeitam verdade, apenas não têm certeza de onde encontrá-la ou se a Bíblia é a resposta.

 O Pós-Modernismo é uma reação às falhas do Modernismo, que rejeita verdades universais e valoriza a tolerância como uma virtude suprema. No entanto, o Pós-Modernismo tem fronteiras contraditórias, que conduzem a um sistema de tolerância seletiva. Steven Connor afirma que:

O que é intrigante é precisamente o grau de consenso no discurso pós-moderno de que já não há qualquer possibilidade de consenso, a declaração autoritária do desaparecimento de uma autoridade final e a promoção e recirculação de uma narrativa exaustiva e completa de uma condição cultural na qual a totalidade já não é concebível.3

Em outras palavras, os pós-modernos parecem ter certeza absoluta de que não é possível estar certo sobre os absolutos.

O mal entendido mais comum sobre o Pós-Modernismo é que o movimento cultural é uma negação da verdade, relativizando tudo. Os pós-modernos, entretanto, não negam a existência da verdade e da realidade objetiva. Eles questionam a habilidade de distinguir a verdade da não-verdade. O Pós-Modernismo realmente é um movimento reacionário, uma crítica à abordagem arrogante que o Modernismo tomou baseado em autoridade científica e “prova”.

Oportunidades Para Evangelismo no Pós–Modernismo

Com a falência da razão humana absoluta e da ciência, o sobrenatural passa a ser novamente considerado. Uma vez que os pós-modernos veem a espiritualidade como estando intimamente conectada com a experiência sobrenatural, os cristãos que buscam diariamente o batismo do Espírito Santo têm uma grande oportunidade para fazer amizade com pós-modernos e compartilhar a história de um Deus pessoal que faz milagres em nossas vidas.

Intuições e emoções são um outro caminho por onde pós-modernos buscam descobrir a verdade. Eles experimentam vários encontros espirituais e integram algumas destas experiências ao seu estilo de vida quando encontram um local em que sentem que é o lugar deles. Um convite pessoal para “experimentar” é a nossa mensagem do Evangelho.

Pessoas almejam pertencer. O Modernismo criou pessoas solitárias que buscam amizades verdadeiras. A tradição europeia pós-moderna de se encontrar em bares (nas sextas-feiras à noite) e em boates (nos sábados à noite) sugere que ainda precisamos um dos outros. Comunidades cristãs oferecem um ambiente de apoio que podem ajudá-los a descobrir uma vida mais plena e significativa como discípulos de Jesus.

Com base nas pesquisas atuais sobre a cultura pós-moderna, podemos concluir que nosso mundo absorveu profundamente o humor intelectual pós-moderno. Por isso, a igreja deve adotar métodos que atraiam a mente pós-moderna, se realmente quisermos levar o Evangelho a todo o mundo. Há alguns anos, o Dr. Richard Halverson afirmou que:

Dogmatismo e fé não são idênticos. Dogmatismo é como uma pedra. Fé é como o solo. Dogmatismo não aceita admitir dúvidas. Fé frequentemente luta contra a dúvida. […] Dogmatismo é um túnel. Fé é o pico de uma montanha. […] Dogmatismo insiste em proposição. Fé conhece a Cristo. Dogmatismo gera obstinação. Fé estimula compreensão.4

 Isso não significa que deveríamos diluir a mensagem das Escrituras numa tentativa de entreter, mas que devemos colocar o foco da nossa estratégia de evangelismo no exemplo de Jesus.

 Uma vez que o cristianismo defende verdades absolutas, pode-se esperar que este seja impopular na cultura pós-moderna. Por isso, ao mesmo tempo em que o evangelismo relacional seja melhor, nossas “técnicas” não podem ser desonestas. O Evangelho é aplicável a todas as idades, em todos os países e culturas. Corremos um perigo muito real quando buscamos aumentar a membresia da igreja e “tornar o Evangelho relevante”: passar por alto o fato que este já é relevante. O Evangelho nunca será irrelevante enquanto houver pessoas feridas que precisam encontrar a paz e o dom divino da salvação. Devemos permanecer focados nos indivíduos e suas necessidades de relacionamento, suporte e cuidado.

Para alcançar a geração pós-moderna de maneira eficaz, devemos retornar ao básico:  os nossos princípios bíblicos diante das pessoas que queremos alcançar, desenvolver  autênticas, cuidar de necessidades práticas e dar aos novos discípulos a oportunidade de pertencerem para então crerem. Precisamos viver a nossa fé na prática. “Este é o tipo de fé que os pós-modernos podem aceitar não pela qual são atraídos, mas pela qual estão morrendo ”.5

Um Modelo de Discipulado Para Alcançar os Pós-modernos

Se você está buscando uma nova abordagem culturalmente sensível que mostre como alcançar pós-modernos que são verdadeiramente pós-cristãos, aqui está o modelo de discipulado apresentado no conceito de LIFEdevelopment (Desenvolvimento da Vida).

O que é LIFEdevelopment?

LIFEdevelopment é um processo de discipulado que envolve uma visão estratégica para envolver cristãos adventistas em:

• Construir amizades autênticas com pós-modernos em nossas comunidades;
• O processo de conduzi-los a Jesus;
• Prover esperança através de apoio e nutrição espiritual.6

Esta visão é construída com base em três princípios bíblicos para se fazer evangelismo no mundo pós-moderno.

Pertencer Antes de Crer

A estratégia evangelística mais adotada é: ensine o Evangelho às pessoas, veja se elas se comportam de acordo com as doutrinas, então aceite-as no corpo de Cristo. Este método tem sido inapropriado e ineficaz no mundo pós-moderno ocidental.

Aqueles que nunca foram à igreja precisam ser cercados por pequenas comunidades de crentes para que possam ver o impacto do Evangelho nos seus relacionamentos e experimentem alguns dos benefícios desta interação através de ações intencionais. Esta foi a dinâmica que tornou a igreja pré-constantina tão eficaz. Dentro do contexto das comunidades cristãs, os desiludidos, cínicos e desinteressados são respeitados e aceitos, e assim são convertidos em “buscadores reavivados”, para usar a descrição significante de John Wesley.” 7

As pessoas estão buscando relacionamentos honestos e genuínos neste mundo. Jesus é um exemplo perfeito de como fazer amizade. O Salvador misturava-se com os homens como uma pessoa que lhes desejava o bem. Manifestava simpatia por eles, ministrava-lhes as necessidades e granjeava-lhes a confiança. Ordenava então: Segue-me8Isto requer planejamento e sacrifício, pois temos uma vida ocupada.  Num ambiente assim, conversar e compartilhar é crucial. Precisamos nos lembrar que conversar também inclui ouvir. Ajudar as pessoas a entenderem a história de Cristo requer tempo e paciência. Temos que ser compreensíveis, honestos e não mantermos uma atitude julgadora.

A comida também é muito importante. Compartilhar refeições constrói e sustém relacionamentos humanos e simboliza solidariedade. Refeições expressam a textura das associações humanas, o modo de vida, as normas e os compromissos. Jesus comeu e bebeu com as pessoas, até mesmo com os piores pecadores, e foi criticado por isso (Mat. 11:19; Mar. 2:15-17; Luc. 15:1-2). Jesus sabia que, ao estar ao redor da mesa com as pessoas, Ele seria capaz de influenciá-las não apenas por palavras mas também por atos.

Se o principal objetivo do evangelismo é levar as pessoas a “acreditar”, então o nosso foco será tornar as pessoas conscientes da verdade e das coisas que elas precisam saber. Contudo, o mais importante não é o que você sabe, mas a maneira como você sabe. Se o propósito principal do evangelismo é o “comportamento”, então levamos as pessoas a colocarem o foco nelas mesmas e na mudança de hábitos pessoais. Contudo, o objetivo também é ajudar as pessoas. Se o objetivo principal do evangelismo é “pertencer”, então o nosso foco estará em ajudar as pessoas a se tornarem discípulos de Jesus e incorporá-las na comunidade cristã para compartilhar com elas as bênçãos da comunhão cristã. 9

Pertencer antes de crer não significa que a pessoa está espiritualmente incorporada ao corpo de Cristo, mas que foi aceita em um processo de transformação, que é uma obra do Espírito Santo.10 

O senso de pertencer coloca os interessados na posição de observadores-participantes para que possam aprender o que é o Evangelho. Eles podem observar de perto como o Evangelho impacta a vida de indivíduos e molda a comunidade. Através deste processo, o interessado pode descobrir quando está preparado para tomar a decisão pessoal de identificar-se totalmente com o Senhor e com o Corpo de Cristo. 11

 

 Este mundo está almejando pertencer a um local onde possa se identificar e se sentir em casa. O mundo está mudando do paradigma do Modernismo, em que o Iluminismo criou autonomia, individualismo e isolamento, para o Pós-Modernismo, em que as pessoas estão buscando identidade e uma comunidade para pertencer. Ao invés de uma descoberta científica, agora temos realidade virtual e experiências que são reais nos efeitos, mas não na prática. 12  Na miséria da solidão e na busca por identidade, os cristãos devem criar uma comunidade que abrace estas mudanças e ajudem as pessoas a encontrarem a identidade delas ao se tornarem discípulos de Jesus. Deus criou a comunidade (Gên. 2:18); Jesus escolheu viver em uma pequena comunidade. Ele escolheu doze deles para serem seus companheiros regulares (Mar 3:14). Esta deve ser a moldura para ministrar em um mundo pós-moderno, um ambiente em que as pessoas se tornaram vulneráveis o suficiente para compartilhar a sua alegria, sofrimento e desespero.

“Evangelismo como Processo”

Lemos nos evangelhos que, ao Jesus começar a Sua missão, Ele entrou no mundo de doze pessoas, Se identificou com a condição delas e Se comprometeu a começar o processo de evangelismo com elas. Foram necessários três anos para que os apóstolos pudessem crescer na compreensão deles sobre Jesus; primeiro como um professor; depois um profeta, o Messias e o Filho de Deus. Isto mostra claramente um processo, ao invés de um evento. A geração pós-moderna não aceita ser abordada com a verdade na forma de um grande esquema dogmático, proposto em ponto no tempo. Eles irão rejeitar tal exposição da verdade.

Evangelismo é um processo que conduz a pessoa numa jornada espiritual na qual também estamos, com todos os seus altos e baixos. Nesta jornada, nosso trabalho é dar um passo de cada vez. O trabalho do Espírito Santo é convencer a pessoa e levá-la à conversão. Nossa responsabilidade é estarmos disponíveis para sermos as ferramentas que Deus vai usar para fazer o Seu trabalho.

 Jimmy Long identifica seis passos no processo de conversão de pós-modernos: (1) descontentamento com a vida; (2) confusão sobre significado; (3)contato com cristãos; (4) conversão à comunidade; (5) compromisso com Cristo e (6) um chamado à visão celestial de Deus13 . Algumas vezes este processo não acontece exatamente nesta sequência. Tempo, lugar e velocidade são aplicáveis ao indivíduo. Pode ser que algumas pessoas passem pelo processo mais rápido que outras, ou saltem de um nível para outro, mas isto ainda é um processo autêntico, já que a geração pós-moderna requer bastante tempo para fazer qualquer tipo de compromisso. 14  O processo ajuda o interessado a ver o Evangelho em ação no ambiente da comunidade cristã. O processo molda o coração do interessado, não apenas a mente. O processo conduz o interessado à maturidade cristã integral. O processo converte o interessado em discípulo. O processo habilita o novo discípulo a tornar-se um fazedor de discípulos.

“Evangelismo Narrativo”

Uma história tem o poder de provocar os nossos pensamentos, emoções, sorrisos e chamar à ação. Uma história tem o poder de criar uma visão, que por sua vez produz caráter. Isto muda a mente da pessoa e afeta a atitude, cosmovisão e a alma. Jesus entendia o poder das histórias e usou muitas delas, bem como ilustrações, para ensinar as pessoas, na medida em que elas eram capazes de entender (Mc 4:33,34).

O conceito de evangelismo narrativo nos mostra  uma nova maneira de olhar o Evangelho. O Evangelho não é apenas uma coleção de dados que nos leva a uma conclusão lógica. Não é apenas as “Boas Novas” como os cristãos costumam dizer. Todo o Evangelho é uma história na qual a história de Deus colide com a história humana e causa mudanças.

A nova geração está buscando um modelo. Quando eles verem os cristãos que vivem a história deles numa comunidade de fé, eles responderão.

Esta realidade leva esperança a uma geração sem esperança, dá apoio à vida diária e nutrição na formação espiritual deles. “A história de que existe um Deus que se importa com o ser humano individual é antiga – mas tem recebido uma nova atratividade, uma nova plausibilidade em nossos dias. Por quê? Por causa do vazio da vida pós-moderna”. 15 A falta de história desta nova geração é uma oportunidade de ouro.

A comunidade cristã pode utilizar recursos exclusivos para responder à nova situação cultural. Pós-modernos estão provendo uma plataforma mais hospitaleira para possibilidades teológicas e espirituais.

Para nós, não é sufi ciente entendermos o nosso mundo à distância. Não é sufi ciente termos uma estratégia de como cumprir a missão. Precisamos nos misturar e caminhar ombro a ombro com aqueles que queremos alcançar para Cristo.

Referencias

1 LYOTARD, Jean-Francois. The Postmodern Condition: A Report on Knowledge. Minneapolis, MN: University of Minnesota, 1984, p. 24.

2 “Postmodernism”, disponível em: http://www.public-domain-content.com/Architecture/ Postmodernism.shtml (acessado em maio de 2005).

3 CONNOR, Steven. Postmodernist Culture: An Introduction to Theories of the Contemporary. Oxford, UK: Blackwell, 1998, p. 24.

4 Re-impresso em Perspective (04/11/1996). HALVERSON, Richard. Somewhere Inside of Eternity. Portland, OR: Multnomah, 1978, p. 50.

5 McLaren, p. 169.

6 Para mais informações veja <www.lifedevelopment.info>

7 GIBBS, Eddie e COFFEY, Ian. Church Next. UK ed. Leicester, UK: InterVarsity Press, 2001, p. 192.

8 WHITE, Ellen G. A Ciência do Bom Viver. p. 143.

9 RICE, Richard. Believing, Behaving, Belonging: Finding New Love for the Church. Roseville, CA: Association of Adventist Forums, pp. 120 e 121.

10 GIBBS/COFFEY, p. 194.

11 Ibid. p. 194.

12 LONG, Jimmy. Generating Hope: A strategy for Reaching the Postmodern Generation. Downer Grove: Inter-Varsity Press, 1997, p 73.

13 Ibid. p.206.

14 Ibid. p. 208.

15 Ibid. p. 190.