Somos afortunados por ser portadores e arautos das melhores novas que a humanidade precisa conhecer. Somos promotores de esperança
Ultimamente, tem-se falado e publicado muita coisa sobre os perigos e até sofrimento relacionados com o ministério pastoral. Desânimo, falta de motivação, indiscrições sexuais, abuso de poder e dificuldades no relacionamento têm sido questões associadas com o pastor. Elas merecem atenção. Por isso, Paulo admoestou Timóteo: “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina” (1Tm 4:16). O potencial de destroçar uma carreira pastoral que tem esses problemas não pode ser minimizado. Entretanto, seria contraproducente, desanimador e até depressivo focalizar perpetuamente sobre eles, em detrimento das alegrias e da satisfação que o pastorado oferece.
O cego Bartimeu
Consideremos o relato sobre Bartimeu, na ocasião em que lhe foi restaurada a visão. Sua experiência ilustra o ponto que desejamos destacar neste artigo.
Relatado pelos três evangelhos sinóticos (Mt 20:29-34; Mc 10:46-52; Lc 18:35-43), a versão de Marcos sobre o evento ocorrido em Jericó contém pelo menos um detalhe muito significativo. Embora os três escritores relatem que Bartimeu importunava as pessoas que estavam perto dele, enquanto gritava suplicando a Jesus misericórdia, apenas o relato de Marcos descreve a resposta da multidão, quando Jesus o chamou: “Chamaram, então, o cego, dizendo-lhe: Tem bom ânimo; levanta-te, Ele te chama” (Mc 10:49).
“Tem bom ânimo… Ele te chama.” Qual é o significado disso para nós pastores? A palavra grega tharseó, traduzida como “ânimo”, pode significar “seja de boa coragem”, “não seja muito impertinente”, “não tema”, “crie coragem”, “tenha confiança”.[1] A tradução pode ser interpretada como incentivo para que alguém seja firme ou resoluto diante do perigo ou adversidades; ter entusiasmo.[2]
Esses vários significados contêm um maravilhoso conselho para todos aqueles que são chamados por Cristo para o ministério pastoral. Essa palavra aparece apenas oito vezes no Novo Testamento, e cada vez está no imperativo. É-nos ordenado: “Tem bom ânimo”!
Nesse mesmo capítulo (v. 13-16), Marcos descreve Jesus recebendo crianças para abençoá-las, e censurando Seus discípulos que se opuseram a que elas tivessem contato com o Mestre. Então, Ele disse: “Deixai vir a Mim os pequeninos” (v. 14). Da mesma forma, Ele acolheu o marginalizado Bartimeu.
No mesmo capítulo (v. 17-22), um jovem rico se aproximou de Jesus e ajoelhou-se. O Mestre o convidou a segui-Lo, mas ele se afastou abatido, incapaz de renunciar à riqueza como pré-requisito do discipulado. Esse jovem anônimo emerge em contraste com Bartimeu, que respondeu ao chamado de Cristo deixando de lado um de seus poucos bens – uma capa – a fim de seguir a Jesus.
Parece que muito de Marcos 10 gira em torno do chamado de Jesus para indivíduos e, abrigada nesse contexto, também encontramos a maravilhosa história de visão e esperança – a cura e o chamado de Bartimeu. A história desse homem deve nos alegrar e nos levar a considerar o chamado que nos foi feito.
A Bíblia registra detalhes da experiência de outros indivíduos, como Noé, Moisés, Samuel, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Oseias, Amós e Jonas, chamados por Deus para o ministério.
Houve outros que também foram chamados, e o testemunho positivo de sua vida atesta esse fato, mas, por alguma razão, os detalhes do chamado deles não foram registrados. Entre esses, lembramos de Daniel, Sofonias, Habacuque, Miriam, Débora, Ulda e outros.
Os evangelhos relatam o chamado de muitos apóstolos. O livro de Atos apresenta o chamado feito ao apóstolo Paulo. Implícita em todos os casos há uma mensagem muito especial: Você está sob a visão de Deus, e Ele tem uma visão para você. Tenha bom ânimo!
Os desafios
A ênfase apropriada sobre nosso chamado ao ministério pode ajudar a preservá-lo e protegê-lo. Quando somos tentados a agir contrariamente a esse chamado, necessitamos lembrar que ele nos veio diretamente de Deus. Tendo-o aceito, precisamos levá-lo a sério.
Ao surgirem dificuldades, necessitamos ter em mente que elas não nos dizem respeito pessoalmente, mas estão relacionadas ao grande conflito entre Deus e Satanás. Na guerra, quando um soldado é ferido, ele não pergunta: “O que fiz ou disse para merecer isto?” Assim é na batalha espiritual. Estamos na linha de fogo sujeitos aos ataques do adversário.
A respeito disso, Douglas Webster comenta: “Nada pode arruinar nossa virtude ou destruir nossa alma que não seja autoinfligido… O demônio roubou tudo de Jó, mas não pôde roubar sua virtude. Caim tirou a vida de Abel, mas não pôde lhe tirar sua maior conquista. Apenas aqueles que se injuriam são injuriados”.[3]
Às vezes, no ministério, os pastores podem ficar desanimados. No dia da ressurreição de Jesus, os discípulos – mesmo aqueles que já sabiam da ressurreição – ainda estavam abatidos. Em Sua jornada para Emaús, Jesus os encontrou e, num tempo razoavelmente curto, puderam alegrar-se. Considerando todos os nossos altos e baixos, temos razões de sobra para nos regozijarmos.
Motivos para alegria
Para os iniciantes, esse chamado pode ser a experiência mais feliz, jamais conhecida por outras pessoas. Não raro, ao chegar à jubilação, muitos pastores sentem que perderam algo do ministério, mas não deixam de se alegrar na certeza do dever cumprido. Aqueles que são transferidos para a administração, liderança de departamentos ou qualquer outra atividade burocrática perdem o benfazejo contato com o rebanho que pastorearam, mas se alegram no serviço prestado a Deus no lugar em que foram postos. Isso nos diz um pouco sobre a alegria e satisfação produzidas no pastorado.
Acaso, poderia você encontrar no mundo melhor modelo a ser imitado que Jesus? Nosso mundo tem testemunhado a existência de muitos líderes; mas, como pregadores do evangelho, fomos chamados pelo melhor e maior de todos eles. Podemos nos regozijar no fato de que não somos chamados a resolver todos os problemas do mundo. Não somos capacitados para isso, nem de nós é esperado que o façamos. Não temos que resolver todos os problemas que encontramos. Podemos e devemos fazer apenas nosso melhor, segundo a orientação e a vontade de Deus.
Como ministros do evangelho, podemos nos alegrar pelo fato de ser promotores de esperança. Somos afortunados por ser portadores e arautos das melhores novas que a humanidade precisa conhecer. Em certo sentido, somos os provedores da água da vida para o sedento em um mundo que tem sido enganado por muitas miragens. Promovemos os negócios da eternidade.
Fomos chamados a refletir Jesus. Suas palavras, Seus motivos e Suas atitudes são o fundamento de nossa vida. Tudo o que é bom, elevado, proveitoso, positivo e nobre deve se tornar o verdadeiro ambiente em que devemos habitar.
Podemos nos regozijar porque, estando dedicada ao ministério, nossa vida não é desperdiçada. Sejam nos- sos dias muitos ou poucos, quando atendemos ao chamado de Jesus, nossa vida servirá a um significativo propósito, por mais simples que pareça ser a tarefa desempenhada. Jesus pediu que alguns entre Seus seguidores Lhe trouxessem um jumento; a outros pediu que preparassem a ceia; e ainda a outros que removessem a pedra do sepulcro de Lázaro. Muito provavelmente, todas essas tarefas poderiam ser consideradas demasiadamente simplórias ou até inúteis. Porém, todas elas resultaram em eventos majestosos: A ressurreição de Lázaro, a entrada triunfal do Mestre em Jerusalém, a Ceia com o partir do pão junto aos discípulos. Podemos ter bom ânimo! Nossa vida tem significado e propósito.
Seria possível descrever a rotina diária do pastor? Parece que cada dia é abençoado com imprevistos e surpresas que oferecem oportunidades para crescimento e desenvolvimento. E, embora esse crescimento possa incluir acumulação de graus acadêmicos e profissionais, o aspecto mais importante é que deve envolver nossa maturidade no ministério, de modo que possamos servir mais efetivamente.
Podemos nos alegrar porque, quando Deus nos chama, há oportunidades para sermos uma bênção a outros. Esse é o resultado natural de servir. Que maior alegria pode alguém experimentar do que viver para servir e abençoar outras pessoas?
Quaisquer que sejam nossos desafios, cada um de nós deve ter bem gravadas na memória as palavras dirigidas a Bartimeu: “Tem bom ânimo… Ele te chama!”
Referências:
1 A Greek-English Lexicon (Oxford: Clarendon Press, 1996).
2 Walter Bauer, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature (Chicago: University of Chicago Press, 2000).
3 Douglas Webster, Preaching 24, (maio/junho, 2009), p. 62.