Tiago: uma epístola de palha? Quando o conceito de “sola scriptura” é defendido e o “tota scriptura” é esquecido, qual deve ser a posição dos cristãos que acreditam na total inspiração das Sagradas Escrituras?

O cristianismo está pautado nas Verdades bíblicas escritas por homens dirigidos pelo Espírito Santo de Deus (II Pedro 1:21) e crê que toda a Bíblia é a Sua Palavra e não somente uma parte da mesma (II Timóteo 3:16) e que ninguém está autorizado a alterá-la (Malaquias 3:6; Apocalipse 22: 18,19). A Bíblia, também conhecida como Sagradas Escrituras, foi por muito tempo esquecida. Suas palavras foram deturpadas e repudiadas.

O conceito de “sola Scriptura” é o conceito básico do adventismo, assim como fora para Martinho Lutero. Sacerdote católico agostiniano e pai da Reforma Protestante no século XVI, Lutero desafiou a autoridade papal romana por ensinar que a Bíblia é a única fonte de conhecimento divinamente revelada. É na Bíblia que os cristãos adventistas encontram a verdade. À Bíblia e tão somente a ela deve-se recorrer todo aquele que deseja encontrar conhecimento, correção, sabedoria, instrução e educação em justiça (II Timóteo 3: 16,17). Há um texto clássico que expressa tal premissa: “À lei e ao testemunho! Se eles não falarem desta maneira, jamais verão a alva” (Isaias 8:20).

Ellen G. White, comenta que: “Enquanto um dia examinava os livros da Biblioteca da Universidade, Lutero descobriu uma Bíblia latina. Nunca antes vira tal Livro. Ignorava mesmo sua existência. Tinha ouvido porções dos evangelhos e epístolas, que se liam ao povo no culto público, e supunha que isso fosse a Escritura toda. Agora, pela primeira vez, olhava para o todo da Palavra de Deus. Como num misto de reverência e admiração, folheava as páginas sagradas. Pulso acelerado e coração palpitante, lia por si mesmo as palavras de vida, detendo-se aqui e acolá para exclamar: ‘Oh! quem dera Deus me desse tal livro!’”

A inerrância bíblica

O Antigo Testamento era a autoridade bíblica nos idos do profeta Isaias e foi esta antiga parte das Escrituras que Jesus Cristo usou quando falava aos discípulos no caminho de Emaús e os mesmos sentiam arder o coração ao ouvi-la. O evangelho de Lucas narra que Jesus começou falando por Moisés (pentateuco), depois discorreu por todos os profetas (testemunho dos sábios homens de Deus), expondo sobre Ele mesmo o que constava previamente na Torah. Em nenhuma outra fonte buscou o Filho do Homem informação. Quando na terra, como ser humano, era de seu costume ir à sinagoga e levantar-se para lê-la.

O Novo Testamento contém declarações daqueles que testemunharam a vinda e a vida do Messias apontado no Antigo Testamento como o Salvador da raça humana (evangelhos). Mesmo tendo sido escritos depois de outros livros do Novo Testamento, era natural que, na ordem dos textos, tais relatos ocupassem uma posição prioritária. Não é de se surpreender que a maior parte dos livros do novo testamento se encontre na forma de epístolas, elas possuem o papel de ensinar a doutrina da vida cristã aplicando tais ensinamentos a situações práticas da vida cotidiana. A segunda parte da Bíblia é encerrada com o livro de Apocalipse revelando a vitória suprema de Jesus Cristo e do Seu povo no futuro.

A Bíblia é absolutamente suficiente para nos dotar da sabedoria que nos leva à salvação (II Tm 3:15). Cremos que dela procede tudo o que é necessário para todo e qualquer ramo do conhecimento e que todas as outras fontes de conhecimento devem ser testadas por ela mesma.

Em 1978  na cidade de Chicago, Illinois, Estados Unidos, foi preparada uma declaração de inerrância da Bíblia. Uma parte dela nos diz: “Tendo sido na sua totalidade e verbalmente dadas por Deus, as Escrituras não possuem erro ou falha em tudo o que ensinam, quer naquilo que afirmam a respeito dos atos de Deus na criação e dos acontecimentos da história mundial, quer na sua própria origem literária sob a direção de Deus, quer nos testemunhos que são sobre a graça salvadora de Deus na vida das pessoas.” “…O Espírito Santo, seu divino Autor, ao mesmo tempo no-las confirma através de Seu testemunho interior e abre nossas mentes para compreender seu significado.”

Tal declaração é composta por artigos de afirmação e de negação e encerra negando que tal confissão seja necessária para a salvação. Contudo, nega a possibilidade da rejeição da inerrância sem que haja graves consequências, quer para o indivíduo, quer para a igreja.

Se, como cristãos, cremos no conceito da “sola Scriptura”, convém que creiamos no conceito da “tota Scriptura.” O mesmo que durante a reforma protestante bradou o primeiro princípio negou o segundo. Martinho Lutero depreciou o livro de Tiago chamando-o de epístola de palha e desprezava outras partes da  Bíblia por apontarem mais da lei do que do evangelho. Toda a Escritura é resultado do sopro divino criativo. Ela é plenamente dotada de autoridade.  Negar a inspiração de uma pequena parte sequer é negar a inerrância da mesma.

Canonicidade da epístola

O termo cânon vem do grego “Kanon” substantivo que significa medida, fronteira, norma, regra.  Os primeiros cristãos usavam esta palavra para designar a lista dos livros considerados inspirados e posteriormente aceitá-los como possuindo autoridade espiritual. Os livros ou cartas que não eram aceitos no cânon bíblico eram considerados apócrifos.

No século IV o cânon do NT foi fixado de forma praticamente universal. O documento mais antigo que contém uma lista com os mesmos 27 livros aceitos na atualidade foi uma carta de Atanásio, bispo de Alexandria, enviada as igrejas de sua diocese no ano 367. Este cânon de Atanásio é o que acabou sendo adotado pela cristandade em toda a parte, tendo sido ratificado pelos concílios de Hipona (393) e de Cartago (397). Os concílios apenas oficializaram a opinião geral das igrejas.

Vigésimo livro na ordem dos 27 do NT, Tiago esboça a maturidade espiritual na vida do cristão e tem, segundo o comentarista bíblico expositivo Warren W. Wiersbe,  como texto base (1:4) “Ora, a perseverança deve ter ação completada, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes.” Aconselhando que as provações enfrentadas com alegria redundam em perseverança, que, por sua vez, conduz à maturidade e desenvolvimento completo. Os Cristãos do primeiro século eram exortados por suas palavras a alcançarem a maturidade no exercício da paciência (1: 1-37); a usarem a verdade (2:1-23); saber controlar a língua (3:1-18); serem pacificadores (4:1-17) e a orarem em meio aos problemas (5:1-9).

O que levou Lutero minimizar a importância epistolar de Tiago uma vez que a mesma convoca os cristãos a entregarem sua volição aos cuidados do Espírito Santo de Deus? Teria, de fato, o livro de Tiago a consistência de palha um subproduto vegetal desidratado que logo se apaga quando usado para combustão ou que serve apenas como forragem? Ou teria o seu livro a consistência de um agregado sólido assim como sólidas são as verdades do Espírito Santo de Deus que o inspirou a escrevê-lo?

O Senhor precisa operar na vida do cristão para depois operar por meio dele. Operou por vinte e cinco anos na vida de Abraão; trinta anos na vida de José; oitenta na de Moisés; três anos e meio preparando os discípulos e, segundo Tiago quer operar na vida de todo aquele que O aceitar.  Esta é a solidez apresentada nos seus 107 versículos.

A epístola de Tiago, assim como as duas de Pedro, as três de João e a de Judas eram chamadas na igreja primitiva de epístolas “gerais”, “universais” ou “católicas” por não possuírem saudações destinadas a uma só localidade, salvo as duas últimas de João. Tiago, por exemplo, saúda as doze tribos que se encontram na dispersão, ou seja, para todos os judeus cristãos nos primórdios da igreja. Não demorou muito e tal epístola foi agregada a canonicidade.

Juntamente com os livros de Hebreus e Apocalipse, outras cartas, foram as últimas a receberem o “status” canônico. No caso de Tiago, apenas no final do quarto século as cristandades oriental e ocidental a reconheceram como Escritura.

Sobre o cânon, Ellen G. White cita: “Em harmonia com a Palavra de Deus, deveria Seu Espírito continuar Sua obra durante todo o período da dispensação evangélica. Durante os séculos em que as Escrituras do Antigo Testamento bem como as do Novo estavam sendo dadas, o Espírito Santo não cessou de comunicar luz a mentes individuais, independentemente das revelações a serem incorporadas no cânon sagrado. A Bíblia mesma relata como mediante o Espírito Santo, os homens receberam advertências, reprovações, conselhos e instruções, em assuntos de nenhum modo relativos à outorga das Escrituras. E faz-se menção de profetas de épocas várias, de cujos discursos nada há registrado. Semelhantemente, após a conclusão do cânon das Escrituras, o Espírito Santo deveria ainda continuar a Sua obra, esclarecendo, advertindo e confortando os filhos de Deus.”

A posição do cristão

Não há como aceitar que as Sagradas Escrituras tenham sido inspiradas em parte pelo divino Espírito Santo. O princípio da “tota Scriptura” afirma o da “sola Scriptura” e vice-versa. O cristão não deve aceitar um e falhar ao negar o outro. Quem assim o faz, tomando exemplo de Lutero, acaba por discordar da existência de um único cânon e constrói a ideia de “um cânon dentro do cânon”.

Toda Escritura é inspirada por Deus. Ela mesma testifica-se assim (II Timóteo 3:16,17). A Escritura é a sua própria intérprete (Scriputra sui ipsius interpres). O próprio Martinho Lutero afirmava que a Escritura é a sua própria luz.

Sendo que a Bíblia tem um único Autor divino, as suas partes são consistentes umas com as outras. A Escritura não pode ser considerada contra a Escritura. Todos os seus livros e epistolas são coerentes entre si e as interpretações das passagens individuais irão se harmonizar com a totalidade do que ela mesma ensina sobre um determinado assunto.

Se o cristão rejeita este princípio básico fica à deriva. Por outro lado, se aceitar os princípios da “sola e tota Scriptura”  está no caminho que o conduz à Verdade absoluta.

Conclusão

Não há uma palavra sequer nas Escrituras que seja pueril como a palha. Cada frase ali construída revelou a graça de Deus. Os livros antigos e neo testamentários foram conduzidos e unidos pelo poder do Espírito Santo de Deus. Não foi uma revelação ininterrupta, mas gradativamente, ao longo da história mostrou para as sucessivas gerações Seu cuidado e amor pela raça caída.

Aceitar Sua Palavra em partes é negar parte do Seu zelo por nós. É nesta mesma epístola de Tiago que encontramos a seguinte declaração: “Pois qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos” (Tiago 2:10). A Bíblia é (e não apenas contém) a Palavra de Deus.

Deus nos oferece um gracioso convite para pesquisarmos as Escrituras e nos tornarmos familiarizados com Ele. Podemos obter a preciosíssima bênção de termos assegurada a nossa salvação e de descobrirmos que através do seu estudo podemos ser perfeitos e perfeitamente habilita